sábado, dezembro 28, 2013



Um Retrato Clássico


Há obras e autores cuja leitura tem o condão de causar sempre um especial fascínio em quem deles se abeira ou com eles convive, seja pela primeira e fascinante vez ou em outra qualquer retoma e irreprimível desejo de fascinada, quase imperiosa, releitura.

– E isto, como Italo Calvino finamente notou, não porque os “Clássicos” – guardados “nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente colectivo ou individual” – tenham um carácter alheio ou alheado do Tempo, antes e mais propriamente porque a sua específica temporalidade é tão funda e universal que o essencial do seu sentido os torna verdadeiramente intemporais e capazes de nos fazer ver e (re) pensar…


Ora é um desses textos que aqui deixo hoje, do nosso Eça, do ano de 1871 e para despedida deste, como quem divisa um retrato clássico, dramaticamente actual (ainda ou novamente intemporal?) e infelizmente já quase assim:

– “O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. (…). Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente (…). O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. (…) Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se (…). A ruína económica cresce, cresce, cresce…. O comércio definha. A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.

“ (...) A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do País. (…) Não é uma existência, é uma expiação. (…) Esta pobreza geral produz um aviltamento na dignidade.


 “ (…) Nas sociedades corrompidas a ordem chega assim a reinar. (…) Tudo é pobre: a preocupação de todos é o pão de cada dia.

“ (…) Perdeu-se através de tudo isto o sentimento de cidade e de pátria. Em Portugal o cidadão desapareceu. E todo o País não é mais do que uma agregação heterogénea de inactividades que se enfastiam.

“É uma Nação talhada para a ditadura – ou para a conquista”…

 __________________

Publicado em Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 28.12.2013):





Azores Digital:






































e “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 28.12.2013):




sábado, dezembro 21, 2013


Uma Memória Libertadora

1. Assinada em Roma pelo Papa Francisco no dia de encerramento do Ano da Fé (24 de Novembro), a Exortação Apostólica (1) Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho) é um documento pastoral que deverá – assim se espera, conforme expressamente pretendido pelo seu autor – marcar “uma nova etapa evangelizadora (…) e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos”.

– Dividido em 288 parágrafos agrupados em 5 capítulos (“A Transformação Missionária da Igreja”, “Na Crise do Compromisso Comunitário”, “O Anúncio do Evangelho”, “A Dimensão Social da Evangelização” e “Evangelizadores com Espírito”), o conteúdo deste notável, belo e denso texto, inserindo-se naturalmente na linha teológica da Doutrina Social que vinha sendo continuadamente delineada em especial pelos últimos Pontífices, traz contudo uma série de outras incisivas propostas de leitura crítica dos contemporâneos “sinais dos tempos”.


Ora é precisamente nesse sentido que a Evangelii Gaudium é direccionada, mas agora a partir de uma específica retoma da categoria bíblica (vétero e neotestamentária) e –digamos assim – para-teologal da Alegria, visando e proclamando uma fecunda e revigorada nova acção evangelizadora e missionária da universal existência humana no mundo actual, aqui caracterizado como historicamente moldado e hodiernamente assente no permanente grande risco de “uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada” e de uma “vida interior” fechada nos próprios interesses, onde “deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem”! 


2. Elaborada com discernimento e ousadia por este Papa latino-americano, vindo da Companhia de Jesus e de um continente-mundo outro – e até sintomaticamente redigida com um notório esforço hermenêutico (logo atestado pelos neologismos…), pela dialectização conceptual das categorias antropológico-transcendentais e até pelos estilísticos usos gramaticais do singular da primeira pessoa (sem recurso à tradicional forma de um plural talvez de outro modo mais majestático do que colectivo, colegial ou, inversamente, de Cúria romana…) –, esta Exortação propõe, com admirável pertinência de análise, “algumas directrizes que possam encorajar e orientar” o imperioso tratamento subsequente e consequente de toda uma “multiplicidade de questões que devem ser objecto de estudo e aprofundamento cuidadoso”…

E de facto neste documento do Papa Francisco – conquanto não “com a intenção de oferecer um tratado, mas só para mostrar a relevante incidência prática destes assuntos na missão actual da Igreja” –, não faltam abundantes temas, problemas, pistas, exigentes pensamentos e autores antigos, clássicos e modernos, desde a Patrística (S. Ambrósio, S. Cirilo, S. João Crisóstomo…) ao seu mestre Romano Guardini ou a Ismael Quiles, e desde Platão, S. Agostinho e S. Tomás de Aquino a John Henry Newman, George Bernanos e Henri de Lubac, passando por S. João da Cruz, Santa Teresa de Lisieux e Tomás de Kempis, entre muitos outros inter-textualmente presentes ou reconhecidamente paralelos às tematizações aduzidas e sempre a par ou por entre acontecimentos concretamente vividos, factos pessoalmente padecidos (lembremos as resistências activas de Jorge Mario Bergoglio à ditadura torciária dos generais argentinos!), testemunhos agudamente percepcionados, dramas históricos, denúncias proféticas e desafios religiosos, culturais e civilizacionais seculares (ali abordados claramente, ou de modo suficientemente audível e inteligível a partir de outras vozes afins…)!


– No entanto, e por isso mesmo, a Evangelii Gaudium solicitará também assim uma continuidade compreensiva e uma retoma reflexiva e ortoprática dos diversos e complementares delineamentos e conceitos que a moldam e integram, – muitos deles tantas vezes simplesmente já esquecidos ou intencionalmente ignorados (quando não até totalmente desconhecidos entre nós…), como sejam aqueles que dão objectivo e rigoroso conteúdo teológico, filosófico, ético, social e histórico-cultural aos documentos sinodais ou episcopais de todos os cinco continentes da Terra (com realce para os não-europeus ou menos eurocêntricos…), aos patrimónios e heranças espirituais das ordens religiosas (leia-se o que é recapitulado da lectio divina…), à sistemática do “sensus fidei” e do “querigma”, à mistagogia catequética, à dimensão estética dos ritos e do culto, à arte oratória e homiliética, às linguagens da inculturação, à defesa da dignidade inviolável do começo e do termo da vida humana, etc., etc., sem esquecer a necessidade fundante e básica de uma cultura geral, de educação humanística, histórico-filosófica, artística, ecológica e científica, de um sólido domínio das narrativas histórico-culturais planetárias, dos jogos da comunicação e das mentalidades civilizacionais, – todos eles permitindo ter acesso racional e afectivo às configurações e modelos poliédricos do Espírito e ao entendimento dos núcleos conceptuais e societários recorrentes de fenómenos como o irenismo, o nominalismo, o subjectivismo, o imanentismo antropocêntrico, o racionalismo, o gnosticismo e o pelagianismo…


Porém, e julgo que também isto deve ser acentuado, o discurso desta Exortação é desenvolvido num crescendo argumentativo incisivamente realista mas quase angustiadamente apreensivo, conforme dele amiúde ressalta com o receio ou a suspeita (quando não até previsão?) da posterior consumação da possibilidade mesma daqueles fatais e fatalistas alheamentos (conformismos, demissões e irresponsabilidades!) que sistemática, institucional e individualmente geram e configuram, nas recordadas palavras do seu antecessor Joseph Ratzinger/Bento XVI, essa maior ameaça que “é o pragmatismo cinzento da vida quotidiana da Igreja, no qual aparentemente tudo procede dentro da normalidade, mas [onde] na realidade a fé vai-se deteriorando e degenerando na mesquinhez”, tal como o novo Papa igualmente ainda teme e confessa:

“Não ignoro que hoje os documentos não suscitam o mesmo interesse que noutras épocas, acabando rapidamente esquecidos. Apesar disso sublinho que aquilo que pretendo deixar expresso aqui, possui um significado programático e tem consequências importantes. Espero que todas as comunidades se esforcem por usar os meios necessários para avanças no caminho de uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. (…) Constituamo-nos em ‘estado permanente de missão’, em todas as regiões da Terra”.

“ (…) “É a hora, escreve depois o Papa, de saber como projectar, numa cultura que privilegie o diálogo como forma de encontro, a busca de consenso e de acordos, mas sem a separar da preocupação por uma sociedade justa, capaz de memória e sem exclusões”! 


 3. Identificando com precisão, ou por analogia doutrinal, fenómenos teológico-filosóficos vários, paradigmas mentais, estruturas eclesiais e esferas histórico-espirituais, intelectuais e pragmáticas, esta Exortação Apostólica, aliás societariamente bastante corajosa e eticamente apelativa – pelo que começou já a provocar (2), de quadrantes ideológicos opostos, ignorantes acusações, retrógradas instrumentalizações e abusivas colagens táctico-políticas… –, sendo todavia e em primeiro lugar um documento pastoral cristão, e nisto fazendo uma perfeita síntese de congéneres abordagens anteriores do Magistério da mesma Igreja (bastas vezes aliás nem sequer textualmente lembradas e ainda muito menos praticamente assumidas pelos católicos, como sejam a Evangelii nuntidiani de Paulo VI, Declarações como as de Puebla, de Aparecida ou de Institutos como o “Justiça e Paz”…), nem por isso deixa de conter muitas outras, diversas, progressivas e importantes referências de ordem teológica, metafísica, filosófica, antropológica, cultural, económico-política e moral, todas – apesar das consabidas indigências e menoridades que nos rodeiam também em Portugal… – merecedoras de complementar, competente e articulada reflexão inter e multidisciplinar, aberto debate e autêntica e assumível partilha prática…


– Por tudo isto é que A Alegria do Evangelho não poderá deixar de marcar o nosso pobre Tempo e o nosso escurecido Mundo, felizmente vinda, como veio, neste Advento por mão do papa Francisco, à luz viva da Fé e do anúncio apelativo de uma conversão permanente e confluente de estruturas sociais e de corações, naquela única “força que nos enche de imensa confiança e firmíssima esperança”, sob o signo memorial da imagem de uma trémula Estrela no nosso céu de expectantes pastores, junto ao Mistério indizível daquele Menino bem lembrado cujo nascimento representamos e humildemente presenciamos no Presépio, como Sinal de Redenção para a Vida dos Homens e para o Futuro Absoluto.
________

(1) – Texto integral da Exortação em Língua Portuguesa, disponível aqui:

(2) – Veja-se a Entrevista do Papa ao jornal “La Stampa” e ao “Vaticam Insider”, em Inglês, aqui:
_________________________________

- Em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 29.12.2013):

















Uma primeira versão deste texto (com o título de "Uma Alegria Libertadora") foi publicada no Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 21.12.2013):







Uma leitura de Advento


Da autoria do Papa Francisco, a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho*) é um documento pastoral que deverá marcar “uma nova etapa evangelizadora (…) e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos”, visando fecunda e revigorada nova acção missionária no mundo actual, aqui caracterizado como assente no grande risco de “uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada” e de uma “vida interior” fechada nos próprios interesses, onde “deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem”!


– Elaborada com discernimento e ousadia por este Papa latino-americano – vindo da Companhia de Jesus e de um continente-mundo outro –, a Exortação propõe, com admirável e corajosa pertinência, “algumas directrizes que possam encorajar e orientar” o imperioso tratamento de toda uma “multiplicidade de questões que devem ser objecto pistas, temas, problemas e exigentes pensamentos, a par e por entre vividos ou agudamente percepcionados dramas históricos, denúncias proféticas e desafios religiosos, culturais e civilizacionais, abordados não “com a intenção de oferecer um tratado, mas só para mostrar a relevante incidência prática destes assuntos na missão actual da Igreja”:

“É a hora, escreve pois Jorge Bergoglio, de saber como projectar, numa cultura que privilegie o diálogo como forma de encontro, a busca de consenso e de acordos, mas sem a separar da preocupação por uma sociedade justa, capaz de memória e sem exclusões”!

– Oxalá esta Exortação fosse bem lida, competentemente estudada, debatida e cotejada com outros documentos da Doutrina Social, vindo assim a ter implicações práticas na vida da nossa sociedade e da Igreja que está nos Açores, neste Natal das Ilhas, onde – como escrevia o poeta – “Já brilha/ Nas ondas do mar de inverno/ O menino bem lembrado,/ Que trouxe da sua ilha/ O gosto do peixe eterno/ Em perdão do seu passado”…

__________________

Azores Digital:


RTP-Açores:


e Jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 21.12.2013):



sexta-feira, dezembro 13, 2013




Trabalho e Pão na Mesa

Na mensagem destinada à Caritas Internacional e à “Campanha contra a fome no mundo” lançada por esta organização e desenvolvida em unidade com as suas 164 filiadas em 200 países e territórios, o Papa Francisco salientou ser um escândalo mundial estarmos ainda – ou, talvez melhor, já hoje – perante a existência de quase mil milhões de pessoas que passam fome, sendo esta uma realidade à qual “não podemos virar a cara para o lado” fingindo que não existe


E neste propósito o Sumo Pontífice exortava “todas as instituições do mundo, toda a Igreja e cada um (…), como uma única família humana, a dar voz a todas as pessoas que passam fome silenciosamente, a fim de que esta voz se torne um grito que possa sacudir”, mensagem e apelo reforçados depois, na Praça de S. Pedro, durante a última audiência pública semanal, nos seguintes termos:

“O escândalo por causa das milhões que sofrem por causa da fome não deve paralisar-nos, mas levar-nos a agir, todos, indivíduos, famílias, comunidades, instituições, governos, para eliminar esta injustiça”!

 Entretanto e entre nós, ecos da exortação papal fizeram sentir-se, ou vieram confluir, tanto na Caritas portuguesa como, em coincidência de preocupações, denúncias ou empenhos socio-caritativos, ético-políticos e político-programáticos, nas palavras e acções das mais diversas entidades e vozes, muitas delas retomando e acentuando, com nobreza moral, insistentemente e sem desfalecimento acomodado, cobarde, interesseiro ou comodista, uma leitura das duras realidades que nos cercam (que são da Fome e decorrentemente da mais atroz Pobreza, ou indigência, que padecer se possa!).


– Assim e no mesmo sentido, em Serralves, na primeira de dez conferências do ciclo O Estado das Coisas/As Coisas do Estado, Adriano Moreira afirmou que “o grande problema do povo português, neste momento, é trabalho e pão na mesa”, manifestando preocupação pelo “ataque que é feito ao princípio do Estado Social” e sustentando que “atirar os princípios pela janela é a mesma coisa que atirar a esperança pela janela e a comunhão de afectos”… E mais acrescentou que, a não salvaguardarmos esta comunhão dos afectos “vai ser muito difícil sairmos da crise. Temos que fazer isso. A sociedade civil tem que se movimentar e felizmente está a fazê-lo”.


O problema é histórico, e por isso mesmo, como escrevia Saramago em tom vieiriano, no Memorial do Convento, “No geral do ano há quem morra por muito ter comido durante a vida toda, razão por que se repetem os acidentes apoplécticos (…). Mas não falta (…) quem morra por ter comido pouco durante toda a vida, ou o que dela resistiu a um triste passadio”…

De resto, países (como o nosso pobre, desempregado e submetido Portugal), regiões (como a nossa, bem menos autónoma e “socialista” do que se apregoa para constar do argumento e encostar ao paredão…), mais cidades, vilas e freguesias e aldeias não faltam por esse mundo de Deus (ou alienado dele…), aonde os paradigmas institucionais e individuais reinantes – a todos os níveis da existência social e da vida pessoal interior (ou da ausência dela) … – são os da “boca que mastiga de sobejo para um lado e de escasso para o outro, não havendo portanto mediano termo entre a papada pletórica e o pescoço engelhado, entre o nariz rubicundo e o outro héctico, entre a nádega dançarina e a escorrida, entre a pança repleta e a barriga agarrada às costas”…

– Porém, talvez sejam esses “mistérios mercantis que os de fora ensinam e os de dentro vão aprendendo…”, cada dia mais duramente, apesar das estatísticas e do resto que não se diz sempre por ser verdade pesada de ouvir, mas impossível de silenciar em recta consciência!

 _________________________

"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 17.12.2013):



Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 14.12.2013):


Azores Digital:



sábado, dezembro 07, 2013



Uma Caixa de Pandora?


1. Não havendo necessidade de referir os nomes próprios (aliás de reputação e abonos bem díspares…), entidades de alcunha e abençoadas filiações (com frentes e tachinhos de barro umas, e testas e caçarolas de ferro outras, mas todas e todos tangendo a mesma caixinha registadora e de música curricular, técnica e historicamente conhecida…), que na Santa Casa da Misericórdia de Angra do Heroísmo e na sua Caixa Económica da Misericórdia (CEMAH) directa ou indirectamente nestes problemáticos dias estão calculando jogos, disputando balanços, agitando pessoas e arregimentando programas, interesses, tácticas diversas e divergentes estratégias – conforme já contabilizado mediaticamente e em bastidores e gabinetes gestionários de múltiplos mas confluentes domínios, parcerias e áreas de intervenção económico-financeira, empresarial, comercial, laboral, assistencial-caritativa, formativo-educativa e associativa) –, e assim mais importante do que fazer também análise minuciosa, ou desmontagem, de tão marcante acontecimento actual da sociedade terceirense, importará certamente registar aqui e ali a existência de complexas linhas de força real e simbólica, cada qual com alcances institucionais e societários concretos e precisos (embora nem sempre politico-económicamente evidentes ou muito imediatamente transparentes).


 2. Fundada em 1896 – na sequência de uma ideia do então Governador Civil de Angra, Afonso de Castro, um político continental (Lamego, 1824 - Leiria, 1885), militar, deputado e administrador colonial que havia exercido idêntico cargo em Timor e na Madeira –, a CEMAH viria a assumir, por mão de empreendedoras elites locais, primordial importância e crescente e relevante papel “não só no desenvolvimento da actividade bancária regional mas, sobretudo, no auxílio à realização dos fins sociais” na Terceira e restantes ilhas do grupo central (para onde se expandiu a partir de 1979, conquanto hoje, com dimensão e presença açoriana consolidadas, em já anunciada extensão para a praça e os balcões de Lisboa).


 3. Ora é neste exacto contexto que não poderá deixar de atender-se ao que a constituição de 2 Listas Eleitorais para os órgãos directivos da CEMAH e da SCMAH revela, tanto na perspectiva técnico-económica quanto do ponto de vista sociopolítico, para não dizer político-partidário – até porque nesta vertente, probabilisticamente à partida falhada (ou, talvez melhor, destituída de solidez interna e externa nesta outrossim superiormente e alhures coordenada contenda, uma daquelas singulares e sintomáticas coligações corre o risco de sair duplamente vencida, apesar de estar fragmentando a indiscutível hegemonia de alguns dos vários poderes conjunturalmente vizinhos e encaixados na outra) –, nessa quase escorregadia Caixa de Pandora cujas paredes, balancetes e heranças patrimoniais não serão tão diáfanos e consensuais como antes pareceram a gerentes, depositantes, clientes, investidores, parceiros e vizinhos de circunstância ou conjuntura de mercado bancário, institucional e político, na Região e no País.
________________________

Azores Digital:


RTP-Açores:


"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 07.12.2013):


Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 07.12.2013):




sábado, novembro 30, 2013



Uma Leitura alargada
dos Referenciais do Outono

1. Em Crónica como habitualmente publicada há uma semana aqui em DI, sinalizámos então, quase em jeito de sumário, uma série de indicadores, ou – conforme os denominámos – de referenciais relativos a uma série de acontecimentos que marcaram a actualidade portuguesa nos últimos dias e que, como tal, foram motivo de destacada abordagem, análise e comentário em praticamente todos os OCS nacionais. Todavia, retomamos hoje, mais desenvolvidamente para este jornal terceirense, algumas dessas leituras, à luz daqueles factos e de algumas das novas sequências mais elucidativas dos mesmos e das suas lógicas……

Na verdade, conforme dissemos, os últimos dias da vida nacional foram marcados por factos e acontecimentos que devem ser lidos como verdadeiros e importantes sintomas, sinais ou factores referenciais – conquanto díspares, contraditórios ou até controversos… – para a aferição de algumas das conjunturas e respectivos rumos possíveis que no nosso País se perspectivam.


 Deixando logo no seu circunscrito e mais esquecido lugar o “glorioso” e gloriado apuramento de Portugal para o Mundial de Futebol – feito que, perante o último triunfo da “selecção das quinas”, pontualmente galvanizou a nação e preencheu manchetes do quotidiano, brios, paixões míticas e arroubos de patriotismo mais ou menos imaginário, efémero ou fictício, enquanto despoletou expectáveis indignações perante afrontas como aquela de que foi alvo mediático e alegórico a efígie de Ronaldo, em consonância, de modo quase totémico, com o neo-tribalismo que aquele e outros semelhantes espectáculos de massas proporcionam…

– Ladeando pois esse acontecimento desportivo – vinha a dizer – julgo valer a pena tornar a registar outras manifestações cuja lógica objectiva e material é bem mais reveladora do estado de espírito que persiste em varrer Portugal de lés a lés, conforme paradigmaticamente o vemos configurar-se e reincidir ainda nesta semana.

E é assim que de entre todas essas julgo merecer atenta e aprofundada reflexão o teor das sucessivas e reincidentes tiradas socio-político-económico-religiosas que o docente universitário da UCP, João César das Neves (JCN), vem tecendo em vários OCS, dizendo e escrevendo coisas tão espantosas quanto estas:

– “Nos anos 1960, Portugal era um país pacato e trabalhador, poupado e prudente, que se sacrificava generosamente, labutando dia e noite para cumprir os deveres. (…) Havia quem abusasse da sua dedicação, e ele sabia-o. Sentia-se enganado, mas apesar disso trabalhava com afinco. (…) Um dia, Portugal recebeu uma boa notícia da terra. Aqueles que abusavam dele tinham sido afastados. (…) Só que a euforia da liberdade financeira criou um problema de endividamento. Dez anos depois de entrar no euro, Portugal estava falido, com a troika à porta, exigindo pagamento. O choque foi grande. Portugal compreendeu que, afinal, não era como os países ricos. (…). O buraco era enorme. Não havia solução”!


 E como se não bastasse nem se cresse em tanta inspiração – com as habituais e histriónicas gratuidades ou subterfúgios da sua retorcida teoria económico-financeira e respectiva retórica neo-liberal (só?) amiúde insolentemente banhada em fórmulas e receitas falidas e cruelmente predatórias de vidas pobres e exploradas – o dito economista dos almoços sempre pagos veio agora conspurcar e ofender (ainda mais) as agonias e sofrimentos dos pensionistas e dos pobres de Portugal, atabalhoando argumentos, gemidos e esganiços para defender a aplicação de mais cortes (sic) nos salários e pensões do Povo Português – que nem voz teria, nem talvez a merecesse, segundo JCN, a não ser por préstimo e empréstimo de uns tantos, intrometidos e interessados advogados seus, pais e mães (quem sabe!?) de aluguer ou substituição na cabeça e nas barbichas cofiadas e confiadas daquele antigo conselheiro cavaquista, cujas mansas e conhecidas leituras de S. Tomás de Aquino, diga-se de passagem, parecem ignorar o que, no Doutor Angélico, é pensado sobre a usura, em todas as suas modalidades históricas, éticas e antropologicamente situadas…

É claro que JCN nem mereceria sequer duas linhas de comentário ou contra-argumento de ninguém em real estado ético e estádio moral de juízo… Todavia apetece citá-lo ainda aqui, concitando-o ao que ele próprio mais escreveu e lhe assenta, sem beatice mas agonicamente talvez e a rebate, que nem látego em (má) consciência ou luva de desafio e arrependimento (outrossim, esses corajosamente cristãos):

“Não há felicidade maior do que saber que Deus (…) se entregou à morte para me salvar. (…) Nas nossas cidades e aldeias, nas casas e capelas de Portugal (…) tudo lembra este facto radical. (…) Ele está pendurado por minha causa. Nas paredes das salas, nas frontarias das igrejas, nos quadros dos museus, até no meu peito, em todo o lado a imagem da cruz lembra que Aquele ali, coberto de sangue, foi condenado à morte por minha causa. (…) As razões da condenação acumulo-as a cada momento. Pequenas e grandes traições, mentiras e violências, egoísmo e mesquinhez; sobretudo a terrível tibieza e mediocridade em que mergulham os meus dias. De fora não se vê a podridão que tenho dentro…” (sic).

– Caso portanto para dizer a JCN: Bendito o que vem (em vão, agora?) invocar o nome do Senhor dos deserdados da Terra!


2. O segundo referencial que durante esta semana se aprofundou foi sem dúvida todo o movimento gerado, com enorme e significativa dimensão, à volta da Homenagem ao General Ramalho Eanes, cuja cerimónia decorreu em Lisboa, no dia 25 de Novembro (data bem lembrada…), no Centro de Congressos da AIP.



 – Reunindo muitas adesões, animada e subscrita por um grupo de distintas (conquanto díspares…) personalidades de diversos quadrantes – entre outros integrando a respectiva Comissão de Honra, desde Adriano Moreira a Rocha Vieira; de Bruto da Costa a Eduardo Lourenço e Mota Amaral; de Jaime Gama e Medeiros Ferreira a Laborinho Lúcio e José Gil; de Loureiro dos Santos, Garcia Leandro e Mendo Henriques a Sobrinho Simões; de Almeida Bruno e Rosa Mota a António Capucho, António Costa e João Salgueiro; de Jorge Miranda e Sampaio da Nóvoa a Medina Carreira e Belmiro de Azevedo; de Alexandre Quintanilha a Vasco Graça Moura; de João Lobo Antunes e Pinto da Costa e Manuel Alegre, Mário Mesquita e Bagão Félix, e de António Barreto a D. Duarte de Bragança… –, longa é a lista dos que na sentida e vibrante iniciativa se juntaram ao antigo e ético-politicamente referencial Presidente da República, – a quem, recordo, os Açores devem formal e respeitoso reconhecimento autonómico, e de quem mereceram pronta solidariedade institucional e pessoal em dolorosas e lembradas situações como a do Sismo de 80!



 Num Auditório repleto de amigos, camaradas de armas, admiradores civis, políticos e intelectuais – com destacadas e reconhecíveis presenças (e ausências…) açorianas, conforme pessoalmente lá constatámos… –, foi então ali apresentado por Mendo Henriques o recém criado Prémio António Ramalho Eanes, e bem assim traçado um expressivo quadro de louvores (por Guilherme Oliveira Martins, Garcia Leandro e João Lobo Antunes) às dimensões e facetas humanas, políticas, éticas, militares e de cidadania do homenageado, ao que se seguiu, antes da própria alocução final pelo próprio General Eanes, uma mesa-redonda moderada por Fátima Campos Ferreira (com a participação dos jornalistas Fernando Dacosta, Henrique Monteiro e Paulo Baldaia).

– E ainda na mesma sessão pudemos ouvir dois reveladores e emocionantes depoimentos, de surpresa solicitados e de improviso proferidos, por Adriano Moreira e Eduardo Lourenço, cujos discursos ainda mais nobilitaram o perfil cívico, patriótico e democrático do estratega do 25 de Novembro, membro do Grupo dos Nove e companheiro tão confiante e fraterno de Melo Antunes (outro dos nomes açorianos evocados na ocasião, tal como Natália Correia e Vitorino Nemésio, cujos percursos e ideários se cruzaram com o de Eanes).

E isto enquanto, por outro lado, nas Redes Sociais se multiplicam ainda as Páginas que lhe são dedicadas – como esta https://www.facebook.com/mareramalhoeanes e esta
https://www.facebook.com/pages/EANES-Testemunho-P%C3%BAblico/509462219161171?fref=ts –, cujos testemunhos se revestem de um claro sentido e de um sentir que revela algo de muito profundo na consciência do País, como apelo racional, argumento consensual e indesmentível anseio de valores como a integridade, a honradez, a transparência, a rectidão de procedimentos, a firmeza de carácter, o sentido de despojamento e de missão ao serviço dos supremos interesses do Povo Português e dos interesses permanentes de Portugal no concerto das Nações e dos Povos (nomeadamente daqueles que partilham a mesma Língua).



– E é assim que as razões desta bem simbólica, mobilizadora e oportuna homenagem, mais fortemente ainda significativa nesta altura de grave e sistémica crise nacional – que é de identidade, soberania, credibilidade, valores, esperança, confiança, justiça, honra, responsabilidade e verdade! –, estão bem expressas no conteúdo do respectivo e divulgado manifesto, que fala por si e por todos nós afinal – estando disponível aqui: http://testemunhopublico.pt/Comiss%C3%A3o%20de%20honra.pdf –, para olhar o futuro, sem esquecer as lições do passado e os impasses do presente!


3. Finalmente e em terceiro lugar, nestes referenciais do Outono (à espera de um novo Abril?) em Portugal, deve ser registado o grande Fórum (dubiamente apelidado de “congresso das esquerdas”), promovido por Mário Soares, “em defesa” da Constituição da República, ou no combate e luta pelos valores sociais, legislativos e jurídicos básicos que nela historicamente estão plasmados, como incisivamente disse Pacheco Pereira numa notável e muito justamente aplaudido discurso, cuja apreciação recomendamos e que pode ser lido no seu Abrupto (http://abrupto.blogspot.pt/), e visto e ouvido em http://www.youtube.com/watch?v=-VUDfR0JUzM.


  Este evento – que de algum modo se contrapõe ideologicamente às teses neo-liberais da governança de Passos/Portas/Troika veiculadas pelo tal académico, qual novo “Xerife de Notthingham”, como a JCN apelidou Mendo Henriques (retomando uma imagem usada, em 2008, por Paulo Portas, aqui na Terceira, ao referir-se ao então primeiro-ministro Sócrates…) –, mas que estrategicamente não coincidirá em toda a linha com o Movimento eanista, ainda irá certamente dar que falar, até porque não deixa de trazer à lembrança propostas de reflexão comparativa (apesar das circunstâncias histórico-políticas dissemelhantes) com movimentações de frentismo comum que marcaram alguns projectos (falhados uns, conjunturalmente unitários, divergentes ou político-partidariamente consensuais outros), como o MUNAF, o MUD, o MND, a CDE, a CEUD, ou MDP-CDE (para já nem referirmos outros trajectos conhecidos, desde o longínquo e monárquico Integralismo Lusitano ao efémero PRD…).

Ora é por todas estas razões que parafraseando o título de conhecidas obras históricas e literárias já clássicas, também contemporaneamente se espera que, para além do cada vez mais eminentemente degradado Outono dos hierarcas do actual regime político-partidário, não venhamos a cair num outro, sempre obsessivamente presente, possível e perigoso Inverno da própria Democracia

– Talvez também por isso a razão e o coração dos Portugueses estejam realmente bem mais do lado dos dois últimos referenciais aqui nomeados, contra a retórica desumana e a opressiva tentação predatória, agressiva e exploradora do primeiro, e de tudo aquilo que ele encarna e despudoradamente reproduz!
________________

Em Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 01.12.2013):





Artes & ofícios da FLAD

A Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) é uma “instituição portuguesa”, “de direito privado”, “financeiramente autónoma” e tendo por missão “contribuir para o desenvolvimento de Portugal, através do apoio financeiro e estratégico à cooperação entre a sociedade civil portuguesa e americana”.


– Olvidando sucessivas reivindicações para que se inaugurasse aqui uma secção (“consular” ou adido “gabinete de negócios”), a FLAD continua porém a manter-se instalada apenas em Lisboa, embora (devido à diligente influência de Mário Mesquita) tenha vindo a aumentar presença e protocolos com e nos Açores (projectos de estudo, edições culturais e académicas, bolsas, fóruns, etc.).

Criada em 1985, a FLAD nasceu para promover relações Portugal-EUA, pelo que, dotada de cabedais financeiros e patrimoniais vastos – a partir de um pecúlio inicial (85 Milhões de Euros), constituído “através de transferências monetárias feitas pelo Estado Português, e provenientes do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA (1983)”, isto é, fundamentalmente, ao abrigo ou à sombra, da Base das Lajes! –, a Fundação declara viver, desde 1992, “exclusivamente do rendimento do seu património” (do qual consta uma “Colecção de Arte” e outros valores que recentemente reacenderam polémicas à volta de Machete e de velhos dissídios gestionários entre tutelares agentes e diplomáticos parceiros envolvidos nesta selecta agremiação).


Ora a FLAD, ao sabor de novos alinhamentos e agenciamentos político-governamentais luso-americanos, está em parto de profundas recomposições executivas, curadoras, técnicas e individualmente representativas, conquanto quase todas e todos ali se afigurem (ou não!?) pouco claros, definidos e justificados…

– E é por isto tudo, e porque o assunto diz respeito aos softmaterial andstrategic powers dos USA em Portugal (e nos Açores por maioria de razão e valias), que não podemos (ou não deveríamos) neste cenário continuar a figurar com máscaras dissimuladoras, ou (pior ainda) “de tanga”, tal como não deveríamos contentar-nos, pedintes e ignorantes, com os restos de não sei que hodierno discurso e pacote people-to-people!

_____________

Em Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 30.11.2013):


Azores Digital:


RTP-Açores:



Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 03.12.2013):




sexta-feira, novembro 22, 2013


Os Referenciais do Outono


A semana que agora termina foi marcada por factos e acontecimentos que devem ser lidos como verdadeiros sintomas, sinais ou factores referenciais – conquanto díspares, algo contraditórios ou controversos… – para a actualidade e para os rumos que o nosso País, nalguns aspectos, poderá assumir e seguir no futuro próximo…

 Deixaremos todavia no seu devido e circunscrito lugar o apuramento de Portugal para o Mundial de Futebol que terá lugar em terras de Vera Cruz – feito que, perante a expressiva vitória da “selecção das quinas”, pontualmente galvanizou a nação e preencheu manchetes do quotidiano, brios, paixões míticas e arroubos de patriotismo mais ou menos imaginário, efémero ou fictício, enquanto despoletou compreensivas e expectáveis indignações (de consequência duvidosa…) perante afrontas como aquela de que foi alvo mediático e alegórico a efígie de Ronaldo…) –, todos de resto, em consonância com o neo-tribalismo que aqueles e outros espectáculos de massas, de modo quase totémico, proporcionam…


1. Assim, ladeando aquele acontecimento desportivo – vinha a dizer – julgo valer a pena começar por sinalizar outras manifestações cuja lógica objectiva e material é bem mais reveladora do estado de espírito e da respectiva pobreza ou indigência que persistem em varrer Portugal de lés a lés. E é assim que julgo merecer já atenta e aprofundada reflexão o teor das sucessivas e reincidentes tiradas socio-político-económico-religiosas que o docente universitário J. C. das Neves (JCN) vem tecendo em vários OCS, dizendo e escrevendo destas espantosas coisas:

– “Nos anos 1960, Portugal era um país pacato e trabalhador, poupado e prudente, que se sacrificava generosamente, labutando dia e noite para cumprir os deveres. (…) Havia quem abusasse da sua dedicação, e ele sabia-o. Sentia-se enganado, mas apesar disso trabalhava com afinco. (…) Um dia, Portugal recebeu uma boa notícia da terra. Aqueles que abusavam dele tinham sido afastados. (…) Só que a euforia da liberdade financeira criou um problema de endividamento. Dez anos depois de entrar no euro, Portugal estava falido, com a troika à porta, exigindo pagamento. O choque foi grande. Portugal compreendeu que, afinal, não era como os países ricos. (…). O buraco era enorme. Não havia solução”!




E como se não bastasse nem se cresse em tanta inspiração – com as habituais e histriónicas gratuidades ou subterfúgios da sua retorcida teoria económico-financeira e respectiva retórica neo-liberal (só?) amiúde insolentemente banhada em fórmulas e receitas historicamente falidas e cruelmente predatórias de vidas pobres e exploradas, ultrajando rostos e tentando subjugar a resistente e memorial consciência dos povos –, o dito economista dos almoços sempre pagos veio agora conspurcar e ofender (ainda mais) as agonias e sofrimentos dos pensionistas e dos pobres de Portugal, atabalhoando argumentos, gemidos e esganiços para defender acrescidos cortes (sic) nos salários e pensões do Povo Português – que nem voz teria, nem talvez a merecesse, segundo JCN, a não ser por préstimo e empréstimo de uns tantos, intrometidos e interessados seus advogados, pais e mães (quem sabe!?) de aluguer ou substituição na cabeça e nas barbichas cofiadas e confiadas daquele antigo conselheiro cavaquista, cujas conhecidas leituras fáceis, diga-se de passagem, de S. Tomás parecem ignorar o que, no Doutor Angélico, tem a ver com a usura (em todas as suas paradigmáticas modalidades…).

É claro que JCN nem mereceria sequer duas linhas de comentário ou contra-argumento de ninguém em real estado ético e estádio moral de juízo… Todavia apetece citá-lo aqui, concitando-o ao que ele próprio acaba de escrever e lhe assenta, sem beatice mas agonicamente talvez e a rebate que nem látego em (má) consciência ou luva de desafio e arrependimento, outrossim essas corajosamente cristãs: “Não há felicidade maior do que saber que Deus (…) se entregou à morte para me salvar. (…) Nas nossas cidades e aldeias, nas casas e capelas de Portugal (…) tudo lembra este facto radical. (…) Ele está pendurado por minha causa. Nas paredes das salas, nas frontarias das igrejas, nos quadros dos museus, até no meu peito, em todo o lado a imagem da cruz lembra que Aquele ali, coberto de sangue, foi condenado à morte por minha causa. (…) As razões da condenação acumulo-as a cada momento. Pequenas e grandes traições, mentiras e violências, egoísmo e mesquinhez; sobretudo a terrível tibieza e mediocridade em que mergulham os meus dias. De fora não se vê a podridão que tenho dentro…” (sic).

– Caso portanto para dizer a JCN: Bendito o que veio (em vão?) invocar o nome do Senhor dos deserdados da Terra!

2. O segundo referencial que esta semana se aprofundou, parece-me ser todo o movimento gerado, com enorme e significativa dimensão, à volta da homenagem ao general Ramalho Eanes, cuja cerimónia pública vai decorrer em Lisboa, no dia 25 de Novembro (data bem lembrada…).


Reunindo crescentes adesões, animado e subscrito por um grupo de distintas (conquanto díspares!) personalidades de diversos quadrantes – entre muitos outros, de Adriano Moreira a Rocha Vieira, de Bruto da Costa a Eduardo Lourenço e Mota Amaral, de Jaime Gama e Medeiros Ferreira a Laborinho Lúcio e José Gil, de Loureiro dos Santos, Garcia Leandro e Mendo Henriques a Sobrinho Simões, de Almeida Bruno e Rosa Mota a António Capucho, António Costa e João Salgueiro, de Jorge Miranda e Sampaio da Nóvoa a Medina carreira e Belmiro de Azevedo, de Alexandre Quintanilha a Vasco Graça Moura, de João Lobo Antunes a Pinto da Costa, de Manuel Alegre e Mário Mesquita a Bagão Félix, António Barreto e D. Duarte de Bragança… –, longa é a lista já divulgada  – conforme pode ser apreciado e conhecido na página acessível aqui http://testemunhopublico.pt/Comiss%C3%A3o%20de%20honra.pdf – dos que na decorrente iniciativa e na respectiva comissão de honra se juntaram ao antigo e ético-politicamente referencial Presidente da República, – a quem, recordo, os Açores devem formal e respeitoso reconhecimento autonómico e de quem mereceram pronta solidariedade institucional e pessoal em dolorosas situações como a do Sismo de 80!

Entretanto continua a merecer destaque a página do Facebook especificamente destinada a testemunhar o apreço e respeito que Ramalho Eanes continua a merecer em todo o País, nas mais relevantes instituições e pelas mais sólidas e fundamentadas razões, conforme pode ser confirmado aqui:

https://www.facebook.com/pages/EANES-Testemunho-P%C3%BAblico/509462219161171

– E é assim que as razões desta bem simbólica, mobilizadora e oportuna homenagem, mais fortemente ainda significativa nesta altura de grave e sistémica crise nacional – que é de identidade, soberania, credibilidade, valores, esperança, confiança, justiça, honra, responsabilidade e verdade! –, estão bem expressas no conteúdo do respectivo e divulgado manifesto, que fala por si e por todos nós afinal…

3. Finalmente e em terceiro lugar, nestes referenciais do Outono (à espera de um novo Abril?) em Portugal, deve ser registado o grande Fórum (dubiamente apelidado de “congresso das esquerdas”), promovido por Mário Soares, “em defesa” da Constituição da República, ou no combate e luta pelos valores sociais, legislativos e jurídicos básicos que nela historicamente estão plasmados (como incisivamente disse Pacheco Pereira).

– Assinalável peça de intervenção cívica, revestida de uma verve crítica, humorística e política muito apreciada por toda a assistência presente, o discurso de José Pacheco Pereira, disponível em http://abrupto.blogspot.pt/, também merecidamente pode ser visto e ouvido, na íntegra, aqui: http://www.youtube.com/watch?v=-VUDfR0JUzM&feature=share


 Este evento – que de algum modo se contrapõe ideologicamente às teses neo-liberais da governança de Passos/Portas/Troika veiculadas pelo tal académico, qual novo “Xerife de Notthingham (como a JCN apelidou Mendo Henriques, curiosamente retomando até uma imagem usada, em 2008, por Portas, por acaso na ilha Terceira, ao referir-se ao então primeiro-ministro Sócrates…) – mas que estrategicamente não coincidirá em toda a linha com o Movimento eanista em marcha, ainda irá certamente dar muito que falar, até porque não deixa de trazer à viva lembrança uma proposta de reflexão comparativa (apesar das circunstâncias histórico-políticas dissemelhantes) com as movimentações de frentismo comum que marcaram alguns projectos (falhados uns, conjunturalmente unitários, divergentes ou político-partidariamente consensuais outros), como o MUNAF, o MUD, o MND, a CDE, a CEUD, o MDP-CDE (para já nem referirmos outros trajectos conhecidos, desde o longínquo e monárquico Integralismo Lusitano ao efémero PRD…).

Ora é por todas estas razões que parafraseando o título de conhecidas obras históricas e literárias já clássicas, também contemporaneamente esperemos que, para além do cada vez mais eminentemente degradado Outono dos hierarcas do actual regime político-partidário, parlamentar e governativo, não venhamos a cair mesmo num outro, sempre obsessivamente presente, possível e perigoso Inverno da própria Democracia


– Talvez também por isso a razão e o coração dos Portugueses (de nós todos, cidadãos…) estejam realmente bem do lado dos dois últimos referenciais aqui nomeados, contra a retórica desumana e a opressiva tentação predatória, agressiva e exploradora do primeiro, e de tudo aquilo que ele encarna e despudoradamente reproduz!

Ilha Terceira, Açores, 22 de Novembro de 2013
_____________________

Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 23.11.2012):


Azores Digital:

e RTP-Açores:
http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?article=34485&visual=9&layout=17&tm=41:


 Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 23.11.2013):