sábado, dezembro 17, 2011

Do Fascínio dos Arquivos Secretos do Vaticano


para o Conhecimento da História dos Açores


Recentemente publicada pela Esfera do Caos Editores (Lisboa, Junho de 2011) e ainda felizmente disponível em Angra do Heroísmo na Livraria In Folio, onde pudemos apreciá-la, a obra Arquivo Secreto do Vaticano, Expansão Portuguesa – Documentação, como o seu título propriamente indica, reúne documentação, inventariada, descrita e sumariada, do Fundo da Nunciatura de Lisboa patente no Arquivo Secreto do Vaticano e relativa ao período da Expansão Portuguesa – que promoveu, como se escreve na Introdução ao primeiro dos três volumes que integram esta bela edição encadernada e guardada em caixa-arquivo – “aquela que podemos chamar a primeira globalização do Cristianismo na sua forma confessional católica desde a modernidade”.

Prefaciada por Roberto Carneiro (Presidente do Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa Universidade Católica Portuguesa) – que no seu texto explica em pormenor os diferentes faseamentos e as sucessivas fases de trabalho, financiamento e coordenação da obra finalmente agora organizada e editada sob a Coordenação Geral de José Eduardo Franco – este excepcional Repertório documental constitui já e mais constituirá doravante um indispensável instrumento-guia de trabalho para quem queira estudar o Catolicismo em Portugal e no Mundo, enquanto e como “experiência de implantação e afirmação da Fé Cristã confessionalizada numa estrutura modeladora com uma história que não é desligável da história dos países, das culturas e das derivas internacionais da religião e da política.

“Ler estas fontes documentais – salienta precisamente José Eduardo Franco – é encetar, de facto, uma aventura de compreensão que deve ser, em primeiro lugar, a missão da construção da história como revisitação do passado, guiada por uma insistente interrogação”.

O Plano dos 3 Volumes está organizado por relação aos referenciais espaços geográficos da Costa Ocidental de África e Ilhas Atlânticas (Tomo I, com coordenação científica de Arnaldo do Espírito Santo e Manuel Saturino Gomes), do Oriente (Tomo II, com coordenação científica de João Francisco Marques e José Carlos Lopes de Miranda), e do Brasil (III Tomo, com coordenação científica Luís Machado de Abreu e José Carlos Lopes de Miranda), sendo que a primeira fase de elaboração do respectivo propósito iniciou-se, sob a coordenação do Professor Doutor Artur Teodoro de Matos, em 1998, com um projecto então financiado pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (CNCDP) sob o título Inventariação da Documentação relativa a Portugal existente nos Arquivos do Vaticano, ao qual se seguiram uma segunda (2005) e terceira (2008) fases, mas sendo porém que, ao final, “o seu Investigador Responsável, o Doutor José Eduardo Franco, entendeu por bem reunir os intervenientes das equipas de ambas as fases do projecto que se disponibilizaram para o efeito. Devido à sua dimensão ainda era necessário muito trabalho adicional para tornar o resultado capaz de publicação com coerência e rigor de critérios, pelo que os membros das referidas equipas das duas fases aceitaram apoiar e, alguns deles, colaborar em conjunto na preparação da versão final na forma que aqui se publica, da qual todos eles são, na verdade, autores e colaboradores”.

“Este empenho conjunto – ainda segundo Roberto Carneiro – pretendeu [assim] fazer justiça ao trabalho efectivamente desenvolvido por todos os intervenientes nas diferentes etapas e garantir que o produto científico do considerável investimento em recursos humanos e materiais, feito por prestigiadas instituições de financiamento do Estado Português e da União Europeia, se tornasse acessível a um público interessado e o mais alargado possível”.

Entretanto, em Outubro passado, já apresentada em Lisboa, na ocasião, D. Manuel Clemente, Bispo do Porto – ele próprio historiador de mérito – logo teve também oportunidade de mais salientar a importância, os recursos e as potencialidades que uma obra desta natureza contém, com a particularidade – para nós indicativa… –, de, na altura, se ter precisamente debruçado com alguma atenção, sobre a problemática conflitual, para si dilecta e da qual é um reputado especialista, como é sabido, do liberalismo, do primeiro republicanismo, do movimento católico português e das suas paradigmáticas configurações, ecos e ilustrações nas ilhas, para tanto respigando, por exemplo e de entre outros do 1º volume, um documento de “sete anos antes da revolução liberal”, onde um prelado já dava notas doutro tempo que [então] chegava, ao referir “apreciar a religiosidade das pessoas do campo em oposição à cidade, onde diz que residem os libertinos e os maçons”, e bem assim muitas outras e preciosas informações e pistas que sobre os Açores, a Igreja, a Monarquia, etc. ali variada e abundantemente constam.

Isto mesmo é ainda salientado por Arnaldo Espírito Santo, ao escrever, por exemplo, o seguinte:

– “Tomemos como caso notável a história regional e local das comunidades açorianas. Das centenas de pedidos de dispensa de impedimentos canónicos do matrimónio entre familiares, consanguíneos e afins, ressalta a verificação de que era restrito, no século XVII, o número de famílias do arquipélago, em grande parte descendentes daquelas que iniciaram o povoamento das ilhas. A prática religiosa é intensa. A enquadrar as comunidades urbanas e com uma grande inserção entre elas, exercem o seu fascínio os conventos e os institutos de várias famílias religiosas. Muitos e muitas acorrem a engrossar as suas fileiras. Seja por inadaptação ou por insatisfação, chovem os pedidos de mudança de lugar, uns alegando desejo de maior austeridade, outros denunciando dificuldades pontuais de convivência e conflitos pessoais. Uma abadessa solicita a exoneração do cargo; uma freira, já idosa, pretende licença para ter uma criada. A autoridade eclesiástica competente vai despachando conforme os casos, ora acedendo aos pedidos, ora recusando para não criar precedentes.

“Há matéria abundante que roça o romanesco. Uma freira foge do convento para Inglaterra com um marinheiro inglês. Outra salta o muro, dizem que com conivência do confessor. Um escândalo que fez correr rios de tinta e de documentos”…, e assim por diante, para encantadoras incursões e revisitações socio-históricas, institucionais, privadas, culturais e mesmo existenciais, pelos caminhos do passado da nossa vida nos Açores, no entrecruzamento de gentes, mentalidades e destinos do Mundo:

– Uma obra fascinante e plena de atractivos inter e pluridisciplinares, indispensável portanto nas nossas estantes, bibliotecas a arquivos regionais, para estudo, investigação e reprodutivo conhecimento daquilo que fomos, e do muito que, de algum modo, ainda nos molda e condiciona contemporaneamente…
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Publicado em " A União", Angra do Heroísmo (17.12.2011):
http://www.auniao.com/noticias/ver.php?id=26362

e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 18.12.2011):