domingo, outubro 19, 2014


Ébola com Falcon no Quintal?
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Crescendo a justificada apreensão mundial (4.447 mortos, mortalidade média na ordem nos 50% e milhares de infectados ainda não apurados) pela propagação exponencial do Ébola – a par dos avisos da OMS e ONU, de especialistas em Saúde Pública e de credenciados Epidemiologistas (v.g. Paul Farmer e Laurie Garrett) –, e quando a propagação viral (gravíssima em África!) começa a alastrar com o surgimento de ocorrências, erros sistémicos, contaminações e (im)previsões globais (em Portugal, ouça-se Francisco George...), o caso açoriano (para nós imediatamente relevante, comprometedor e próximo!) não poderia deixar de merecer atenção prática, acompanhamento integrado, coordenação sistemática e avaliação crítica permanente!


 Entretanto a nível nacional continuam a grassar divergências tanto sobre a nossa preparação para lidar com o Ébola quanto sobre a possibilidade de Portugal poder vir a ter contaminações desse vírus, sendo este o maior risco e admitindo mesmo o director-geral da Saúde, perante a Comissão de Saúde da Assembleia da República, que isso pode verificar-se – “até ao fim do mês” –, em “2, 3, 4 casos (...) importados”, muito embora Francisco George insista simultaneamente na afirmação de que o país está preparado para lutar com esse desafio, precisamente ao contrário do Colégio da Especialidade de Saúde Pública:


– Na verdade, segundo um (entretanto já controvertido) Parecer deste organismo (disponível na íntegra no respectivo Portal Oficial da Ordem dos Médicos), “ o risco teórico de virmos a ter casos de Ébola em Portugal é alto. Se isso acontecer, a dimensão (...) que o problema poderá atingir em termos numéricos (casos e mortes) e de impacto social, depende inteiramente da capacidade dos serviços de Saúde e da sociedade em geral lidarem com o problema”, sendo que esse mesmo risco é especialmente potenciado devido “posicionamento de Portugal como país integrante” dos PALOP, ao qual, do ponto de vista geográfico, humano, estratégico, “pode ainda adicionar-se, como elemento satélite a pesar no fardo do problema, o facto de termos ébola em Espanha, país vizinho e com o qual não existem fronteiras facilmente controláveis, pelo que em termos de circulação de pessoas (do vírus) se pode considerar a península como um só país”.



E depois de analisar, país a país, situação a situação, os contextos da Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Moçambique, o documento do Colégio da Especialidade de Saúde Pública da Ordem dos Médicos analisa bastante criticamente a (im)preparação de Portugal para lidar com o Ébola, tanto de uma perspectiva teórica quanto de uma perspectiva real, articuladas ambas com um suposto “Plano de contingência nacional”, no qual “o modo, confuso e cheio de pontas soltas, como a realidade geralmente se apresenta” e onde o “enfatizar que a tónica na intervenção centrada apenas em serviços hospitalares é errada e que a sua comunicação nos media, centrada em técnicas médicas de ponta e cuidados milagrosos de assistência, produz na população a tal falsa sensação de segurança já invocada”.


– Finalmente este Parecer chega ao ponto de descrever um imaginário (hipotético, mas realista!) panorama, cuja analogia, sem entrar em linha de conta com os portos e as marinas, com um análogo cenário insular açoriano não é difícil de estabelecer, assim:

“O que será lógico esperar – como qualquer epidemiologista experimentado ou qualquer médico de saúde pública sensato sabe desde os tempos do Professor Ricardo Jorge – é que o tal caso de ébola não vai chegar com uma bandeirinha a assinalá-lo ao aeroporto da Portela [das Lajes, ou de outro qualquer aeroporto das ilhas], onde logo chegará uma ambulância [devidamente preparada?] do INEM [dos Bombeiros ou do SRPCBA], que o levará sem demora ao Curry Cabral [ou a outro Hospital de referência, mas fora dos Açores, a partir desse tal aeroporto], onde espera por ele [primeiro...] um quarto [um casulo, talvez...] isolado e apetrechado [eventualmente num helicóptero, e depois num avião Falcon...].



“O que a realidade nos tem demonstrado (designadamente nos casos ocidentais desta epidemia, mas antes disso na história de qualquer surto ou epidemia) é que um (ou mais) caso infectado chegará silenciosamente ao aeroporto num voo fora de horas, em perfeito estado aparente, onde (...) onde um carro cheio de familiares saudosos o esperará para o levar (...), onde há um almoço de celebração do regresso dele (...) marcado para o dia seguinte e onde estarão presentes cerca de cinquenta pessoas que ele, emocionado, abraçará fortemente. E no dia seguinte ao almoço sentir-se-á, pela primeira vez, febril e com dores articulares, cansado, mas irá pensar que tudo isso é fruto da viagem, das horas mal dormidas, da emoção... É isto que poderemos esperar na maioria das situações, não com uma realidade que se molda aos manuais ou aos monitores com algoritmos de uma sala de controlo de emergências”!

– Ora a auscultação de profissionais, decisores, estudiosos, especialistas e operacionais, directa ou indirectamente cientes desta exigente, complexa e pluridisciplinar situação, mais fundamenta e evidencia, também aqui, idêntica e proporcionada preocupação!

Por outro lado continuamos a assistir a orientações nacionais (e regionais?) pouco definidas ou em sobreposição e atropelamento de práticas de duvidosa segurança e pouca viabilidade prática, como aquelas que prevêem a criação, nos Centros de Saúde, de “espaços para isolar temporariamente [“por horas” (sic)] doentes suspeitos” de terem Ébola, ou as outras, emanadas da Autoridade Nacional de Protecção Civil, avisando os Bombeiros de que não devem transportar casos suspeitos de Ébola, mas sim contactar o INEM ou a linha de Saúde, perante as questões da Liga dos Bombeiros Portugueses que tinha manifestado dúvidas sobre o papel destes profissionais no âmbito da prevenção do vírus do Ébola em Portugal...



Assim e para mais ainda, perante a leviandade nacional, face às potenciais vulnerabilidades que a indigitação das Lajes contém como Aeroporto (apenas e só placa?!) de passagem para emergências e operações com o Ébola; e agora – com a inadmissível menorização institucional açoriana atingindo o cúmulo da pura ficção (para não dizer temerária falsidade), de que se poderia “ter confiança no dispositivo montado [?] ao nível da Região” e cujo planeamento estaria “a decorrer em estreita articulação” com a DGS e com o SRPCBA – alegando-se até que o Arquipélago possuiria um “plano de contingência regional para casos específicos, dado que a Região tem características distintas do continente, mas integra-se do plano nacional” –, vemos que se fez um investimento de “20 mil euros em equipamento de proteção e nos casulos para transporte de doentes” (quais?), sendo todavia que logo depois se confirma que “não houve [sequer!] formação das equipas médicas” nos Açores, e que esta (pasme-se!) “É uma situação nova. Sabemos a teoria, mas não a prática” (sic)!




– Realmente, tudo neste caso é um perigoso retrocesso (médico-hospitalar, e não só), comparado, por exemplo, com as ameaças do H5N1, onde ao menos não esperávamos (em ambulância?!) que um Falcon de Lisboa, chamado pelo 112, viesse aterrar no nosso quintal, porquanto, à semelhança do que foi feito no Continente para a gripe pandémica de 2006/07, “ uma estrutura foi montada, circuitos foram criados de novo e a máquina de enfrentar uma epidemia (...) ficou oleada.



“ (...) Parece-nos que essa experiência anterior pouparia – imediatamente também aqui nas nossas ilhas e Região Autónoma dos Açores... – na ameaça de crise actual, tempo e dores de cabeça”, tanto mais quanto, “salvo melhor informação que, até agora, não chegou ao conhecimento do público ou da generalidade dos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, profissionais de laboratório, pessoal administrativo, pessoal auxiliar de apoio a cuidados médicos) nenhuma orientação, integrada e global, que inclua desde uma estratégia nacional para lidar com o problema até à emissão de informação que responda às perguntas e ansiedades do público em geral e dos profissionais de saúde em particular”!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 21.10.2014):




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