Ébola com Falcon no Quintal?
_____________________________________________________________
Crescendo a justificada apreensão
mundial (4.447 mortos, mortalidade média na ordem nos 50% e milhares de
infectados ainda não apurados) pela propagação
exponencial do Ébola – a par dos avisos da OMS e ONU, de especialistas em
Saúde Pública e de credenciados Epidemiologistas (v.g. Paul Farmer e Laurie
Garrett) –, e quando a propagação viral
(gravíssima em África!) começa a alastrar
com o surgimento de ocorrências, erros sistémicos, contaminações e (im)previsões
globais (em Portugal, ouça-se Francisco George...), o caso açoriano (para nós imediatamente
relevante, comprometedor e próximo!) não poderia deixar de merecer atenção prática, acompanhamento
integrado, coordenação sistemática e avaliação crítica permanente!
Entretanto a nível nacional
continuam a grassar divergências
tanto sobre a nossa preparação para
lidar com o Ébola quanto sobre a possibilidade
de Portugal poder vir a ter contaminações
desse vírus, sendo este o maior risco e admitindo mesmo o director-geral da
Saúde, perante a Comissão de Saúde da Assembleia da República, que isso pode verificar-se – “até ao fim do mês” –, em “2, 3, 4
casos (...) importados”, muito embora Francisco George insista simultaneamente
na afirmação de que o país está preparado para lutar com esse desafio, precisamente
ao contrário do Colégio da
Especialidade de Saúde Pública:
– Na verdade, segundo um (entretanto já controvertido) Parecer deste organismo (disponível na
íntegra no respectivo Portal Oficial da
Ordem dos Médicos), “ o risco teórico
de virmos a ter casos de Ébola em Portugal é alto. Se isso acontecer, a
dimensão (...) que o problema poderá atingir em termos numéricos (casos e
mortes) e de impacto social, depende inteiramente da capacidade dos serviços de
Saúde e da sociedade em geral lidarem com o problema”, sendo que esse mesmo
risco é especialmente potenciado devido “posicionamento de Portugal como país
integrante” dos PALOP, ao qual, do ponto de vista geográfico, humano,
estratégico, “pode ainda adicionar-se, como elemento satélite a pesar no fardo
do problema, o facto de termos ébola em Espanha, país vizinho e com o qual não
existem fronteiras facilmente controláveis, pelo que em termos de circulação de
pessoas (do vírus) se pode considerar a península como um só país”.
E depois de analisar, país a
país, situação a situação, os contextos da Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe,
Cabo Verde e Moçambique, o documento do Colégio da Especialidade de Saúde
Pública da Ordem dos Médicos analisa bastante criticamente a (im)preparação de
Portugal para lidar com o Ébola, tanto de uma perspectiva teórica quanto de uma perspectiva real, articuladas ambas com um suposto “Plano de
contingência nacional”, no qual “o modo, confuso e cheio de pontas soltas, como
a realidade geralmente se apresenta” e onde o “enfatizar que a tónica na
intervenção centrada apenas em serviços hospitalares é errada e que a sua
comunicação nos media, centrada em técnicas médicas de ponta e cuidados
milagrosos de assistência, produz na população a tal falsa sensação de
segurança já invocada”.
– Finalmente este Parecer chega
ao ponto de descrever um imaginário (hipotético, mas realista!) panorama, cuja
analogia, sem entrar em linha de conta com os
portos e as marinas, com um análogo cenário insular açoriano não é difícil
de estabelecer, assim:
“O que será lógico esperar – como
qualquer epidemiologista experimentado ou qualquer médico de saúde pública
sensato sabe desde os tempos do Professor Ricardo Jorge – é que o tal caso de
ébola não vai chegar com uma bandeirinha a assinalá-lo ao aeroporto da Portela
[das Lajes, ou de outro qualquer aeroporto das ilhas],
onde logo chegará uma ambulância [devidamente
preparada?] do INEM [dos Bombeiros
ou do SRPCBA], que o levará sem demora ao Curry Cabral [ou a outro Hospital de referência, mas fora dos Açores, a partir desse tal aeroporto], onde espera por ele
[primeiro...] um quarto [um casulo, talvez...] isolado e apetrechado [eventualmente
num helicóptero, e depois num avião Falcon...].
“O que a realidade nos tem
demonstrado (designadamente nos casos ocidentais desta epidemia, mas antes
disso na história de qualquer surto ou epidemia) é que um (ou mais) caso
infectado chegará silenciosamente ao aeroporto num voo fora de horas, em
perfeito estado aparente, onde (...) onde um carro cheio de familiares saudosos
o esperará para o levar (...), onde há um almoço de celebração do regresso dele
(...) marcado para o dia seguinte e onde estarão presentes cerca de cinquenta
pessoas que ele, emocionado, abraçará fortemente. E no dia seguinte ao almoço
sentir-se-á, pela primeira vez, febril e com dores articulares, cansado, mas irá
pensar que tudo isso é fruto da viagem, das horas mal dormidas, da emoção... É
isto que poderemos esperar na maioria das situações, não com uma realidade que
se molda aos manuais ou aos monitores com algoritmos de uma sala de controlo de
emergências”!
– Ora a auscultação de
profissionais, decisores, estudiosos, especialistas e operacionais, directa ou
indirectamente cientes desta exigente, complexa e pluridisciplinar situação, mais
fundamenta e evidencia, também aqui, idêntica e proporcionada preocupação!
Por outro lado continuamos a assistir
a orientações nacionais (e regionais?) pouco definidas ou em sobreposição e atropelamento de práticas
de duvidosa segurança e pouca viabilidade
prática, como aquelas que prevêem a criação, nos Centros de Saúde, de “espaços
para isolar temporariamente [“por horas” (sic)] doentes suspeitos” de terem
Ébola, ou as outras, emanadas da Autoridade Nacional de Protecção Civil,
avisando os Bombeiros de que não devem transportar casos suspeitos de Ébola,
mas sim contactar o INEM ou a linha de Saúde, perante as questões da Liga dos
Bombeiros Portugueses que tinha manifestado dúvidas sobre o papel destes
profissionais no âmbito da prevenção do vírus do Ébola em Portugal...
Assim e para mais ainda, perante
a leviandade nacional, face às potenciais vulnerabilidades que a indigitação das Lajes contém como Aeroporto
(apenas e só placa?!) de passagem para emergências e operações
com o Ébola; e agora – com a inadmissível
menorização institucional açoriana
atingindo o cúmulo da pura ficção
(para não dizer temerária falsidade),
de que se poderia “ter confiança no dispositivo
montado [?] ao nível da Região” e cujo planeamento estaria “a decorrer em
estreita articulação” com a DGS e com o SRPCBA – alegando-se até que o Arquipélago possuiria um “plano de contingência regional para casos
específicos, dado que a Região tem características distintas do continente, mas
integra-se do plano nacional” –, vemos que se fez um investimento de “20 mil euros em equipamento de proteção e nos casulos
para transporte de doentes” (quais?), sendo todavia que logo depois se
confirma que “não houve [sequer!] formação das equipas médicas” nos
Açores, e que esta (pasme-se!) “É uma situação nova. Sabemos a teoria, mas não
a prática” (sic)!
– Realmente, tudo neste caso é um
perigoso retrocesso
(médico-hospitalar, e não só), comparado, por exemplo, com as ameaças do H5N1,
onde ao menos não esperávamos (em ambulância?!)
que um Falcon de Lisboa, chamado pelo 112, viesse aterrar no nosso quintal,
porquanto, à semelhança do que foi feito no Continente para a gripe pandémica
de 2006/07, “ uma estrutura foi montada, circuitos foram criados de novo e a
máquina de enfrentar uma epidemia (...) ficou oleada.
“ (...) Parece-nos que essa
experiência anterior pouparia – imediatamente
também aqui nas nossas ilhas e Região
Autónoma dos Açores... – na ameaça de crise actual, tempo e dores de
cabeça”, tanto mais quanto, “salvo melhor informação que, até agora, não chegou
ao conhecimento do público ou da generalidade dos profissionais de saúde
(médicos, enfermeiros, profissionais de laboratório, pessoal administrativo,
pessoal auxiliar de apoio a cuidados médicos) nenhuma orientação, integrada e global, que inclua desde uma
estratégia nacional para lidar com o problema até à emissão de informação que
responda às perguntas e ansiedades do público em geral e dos profissionais de
saúde em particular”!
________________