sexta-feira, julho 26, 2013


As manchetes de Machete


O desenlace (ou sua continuação, por meios alternativos…) do real ou simulado conluio (conúbio ou tácito acordo prático e de princípios, pressupostos ideológicos, afinidades programáticas e sintonias jurídico-institucionais) do rocambolesco episódio irresponsavelmente gerado no próprio seio do governo PSD/CDS-PP, entre outros efeitos quase inesperados, conquanto mais ou menos previsíveis – se é que não até sub-repticiamente induzidos com cálculo preciso, naquilo e da forma como se constatou –, conduziu agora à sintomática, última e significativa remodelação do executivo da coligação no poder em Portugal.



– E foi assim que tal remexida político-partidária (muito para consumo e tentativa de apaziguamento internos) acabou levada (qual “farinha Amparo”…) das mós da Lapa e do Caldas até Belém, onde acabou vendida e distribuída para todo um atónito País (sob a forma de apadrinhados pastéis de Belém…), e desde o Largo do Rato (onde coabitam Seguros e Pintos de Sousa a mútuo prazo) até às nossas baías insulares (onde desembarcaram e ainda pululam as mais desvairadas gentes)!

Todavia, de entre todos os nomes recém ministriados, o que maior manchete tornou a granjear foi certamente o de Rui Machete (Negócios Estrangeiros), o todo poderoso e controverso ex-senhor da FLAD, de quem os norte-americanos, há dois ou três anos apenas, diziam do piorio que imaginar se vira – conforme ainda se consegue (re)ler aqui,
para já nem recontar o que Vamberto Freitas recordou dos seus tempos de correspondente do DN na Califórnia…


– Mas seja como for, de todos os ministros e secretários de Estado de Lisboa, não há dúvida que Rui Machete, a par dos das Finanças e da Defesa (onde permanece Berta Cabral), há-de certamente merecer dos Açores uma dialogada atenção (e uma redobrada vigilância…), ou não se cruzassem nos seus corredores nacionais e gabinetes internacionais muitas das pistas, créditos, descréditos, rotas estratégicas e diplomáticas que sobre as nossas Lajes se cruzam e descruzam!
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sexta-feira, julho 19, 2013

As Filosofias de V. Gaspar



Numa muito significativa Entrevista concedida no passado mês de Abril ao programa “Sociedade das Nações” (transmitido e conduzido na SIC pelo politólogo Nuno Rogeiro e pelo jornalista Martim Cabral), Vítor Gaspar – antigo ministro das Finanças do já então periclitante governo do PSD/CDS-PP (e dos ainda actuais líderes daqueles partidos, Passos Coelho e Paulo Portas) – desenvolveu todo um notável e pouco vulgar (conquanto não totalmente surpreendente…) discurso técnico, político-económico, cultural e pontualmente filosófico, cujos vários conteúdos argumentativos (mais ou menos retóricos…), conquanto incidindo em especial sobre Economia (especialidade académica, área profissional e pelouro da sua entretanto demitida governança), em muito ultrapassaram os cingidos horizontes daquela ciência social e também o vulgar arrazoado (lugares comuns, frases feitas e chavões) da gíria quotidianamente papagueada nos espaços públicos (nacionais, regionais e locais!), sem real domínio da matéria falada, pela maior parte da baixa classe político-partidária que vem conduzindo o nosso País, há décadas, para ruínas de soberania e dívidas soberanas, ambas historicamente suicidárias e de dramático sacrifício para as futuras gerações!

– Todavia e para além do mais, aquele diálogo televisivo constituiu excelente documentário sobre o entendimento e as estratégias teórico-práticas que V. Gaspar liderava e vinha fazendo assumir pela coligação de centro-direita no poder, embora, pelos vistos e pelo menos parcialmente, nem ele tenha hoje as mesmas ideias, certezas ou esperanças sobre as ditas e conjugadas crises europeias e nacionais; sobre o corrente (e não sabemos até quando, nem em que moldes, vigente) programa de assistência financeira e de tutela político-económica ao nosso País, e – enfim – sobre as perspectivas de austeridade e consolidação orçamental que Portugal e os restantes Estados da zona euro enfrentam a curto, médio e longo prazo…

E é assim que, tanto apesar de, como, precisamente, por essa mesma qualidade, aquele testemunho do ex-ministro das Finanças continua a merecer ser visto e muito mais detalhadamente analisado do que surpreendentemente o (não) foi em nenhum órgão da lusa praça e dos seus estafados, oficiais ou oficiosos lugares de “comentário”…, – desde as inefáveis congeminações palpitantes (supostamente sempre doutas, argutas e objectivas!) do prof. Marcelo, às expeditas previsões/anúncios premonitórios de M. Mendes, ou à desfaçatez canalizada do reencenado poiso do J. Sócrates (com as suas respectivas, ressabiadas ou serôdias refutações, obscuros ressentimentos e desmemoriados arroubos tácticos “socialistas”, dos quais, aliás, um PS minado e reincidente foi, é, e tornará a ser primeira vítima culpada)!

– Mas seja como for, verdade é que aquele debate é mesmo digno de ser visionado por todos e por tudo o que revela, oculta ou dissimula daquilo que, à oscilante beira do embuste ou da patética e improvisada (des)informação, não há muito, se tentou fazer circular por entre moedas verdadeiras e patacos falsos!

Porém, se quanto ao (in)sucesso autoconfessado da política económica e social do governo – que naquele ministro teve um dos seus mais plenipotenciários e cimeiros oficiantes encartados – estaremos entendidos, restar-nos-ia ainda curiosamente rever as sintomáticas declarações e cruzadas cartilhas – imagine-se! – da teoria económica e financeira (Michael Mussa, Walter Bagehof e Nouriel Roubini…), da familiar (?) literatura filosófica (Habermas e Foucault…) e da música barroca (a ópera Ariodante, de Haendel…), – (todas) citadas e com as quais o nosso intelectual ministro demissionário tanto fidedignamente confessou amiúde conviver…, pesem evidentemente os lapsos ou imprecisões (como aquela, por ele inventada, história de um suposto “debate” em Berkeley – que de facto nunca chegou sequer a existir… – entre os autores de O Discurso Filosófico da Modernidade e de O Governo de Si e dos Outros, para além, segundo esteve também apenas previsto, de Charles Taylor, Rorty, H. Dreyfus e Paul Rabinow, em 1984, ano da própria morte de Foucault...)!

– Contudo e mesmo assim, por entre pistas e despistes que à nossa volta se teceu e entretecem de novo, talvez que com isso compreendamos melhor a agenda perdida, aleijada e alijada de V. Gaspar, farto e desencantado das alegadas omissões e tergiversações do meio caudilho que hoje é Passos Coelho (para demérito do saudoso partido de Sá Carneiro), e do outro, esse pequeno dândi feirante que é Portas (politicamente travestido e empolado no que lhe falta de credibilidade até para réplica menor de um passional e ambicioso condottieri…), deslustrado ou mal disfarçado embaraço que se tornou ele próprio para um atordoado e amordaçado CDS (que já foi de Adelino Amaro da Costa e Adriano Moreira…)!
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Publicado em Azores Digital:

sábado, julho 13, 2013


A Consciência da Filosofia


Publicado pela Objectiva Editora, o livro Olá, Consciência! (da autoria de Mendo Castro Henriques e Nazaré Barros) acaba de marcar presença em mais um dos assinaláveis Encontros do Conhecimento promovidos pelo fórum Sociedade Aberta e que decorrem semanalmente no edifício do “Diário de Notícias”, em Lisboa.

Esta notável, muito singular e sugestiva obra filosófica – lançada em Março (com apresentação por José Tolentino de Mendonça) e que será também editada no Brasil em Agosto –, tem vindo entretanto a ser analisada e apreciada em diversas sessões, tertúlias e programas culturais (nomeadamente na Rádio, conforme aqui anteriormente tive oportunidade de registar, devendo porém ainda tornar a ser debatida por relação às problemáticas da Ética, nos próximos dias 16 e 23 de Julho, na continuação dos programados âmbitos temáticos dos referidos Encontros).

– Mendo Henriques é professor universitário, licenciado e mestre em Filosofia pela Universidade de Lisboa e doutorado em Filosofia Política pela Universidade Católica Portuguesa (UCP). Tem 12 títulos publicados em Portugal, Brasil e França sobre Pessoa, Voegelin, Lonergan, Filosofia da Consciência e obras em conjunto sobre temas de Cidadania e História.

Nazaré Barros, professora do ensino secundário, licenciada em Filosofia na UCP e mestre em Administração e Organização Escolar pela Faculdade de Ciências de Lisboa, é autora de manuais escolares e obras de iniciação a Antero de Quental, Kant, Locke, Descartes, Platão, S. Anselmo e S. Agostinho, tendo-se dedicado ainda a temas de violência e vida escolar.

Olá, Consciência! – cuja atractiva actualização mediática está articuladamente assegurada em www.olaconsciencia.com e na respectiva Página do Facebook – é uma espécie de passeio reflexivo, exercício de atenção e viagem iniciática pela Filosofia – como dizem os seus autores, “lembrando os caminhos viáveis e os impasses, as cooperações e os conflitos” seus e nossos –, através de uma bem estruturada e excepcional narrativa propedêutica, sob a forma de uma sucinta mas muito sugestiva e comunicativa exposição em sequenciada abordagem histórico-crítica dos núcleos, áreas (Epistemologia, Lógica, Política, Antropologia, Ontologia, Ética e Gnoseologia), configurações linguagens, imaginários, analogias e hermenêuticas das principais filosofias específicas da nossa Tradição Ocidental e dos seus referenciais momentos, pensadores, respectivos discursos e categorias.

– Desde a precisiva caracterização da mais originante atitude, gesto ou olhar do assomo interrogativo humano que move o apetite inquiridor e o querer compreender, até ao seu universal, natural e possível regresso reflexivo “em todos os que se interrogam sobre as grandes e as pequenas questões da existência” […], “por entre as crises que abalam […] até aos alicerces, ao ponto de darmos por incerto o que antes se nos afigurava como dogma” – explicam Mendo Henriques e Nazaré Barros –, “há urgência em levantar as grandes questões sem as quais a filosofia não valeria a pena. E, porque somos capazes de interrogar, dizemos Olá, Consciência!”.

De resto, professores de Filosofia – com larga e rica experiência de docência, investigação, tradução, ensaio, comentário escolar, mas também de genuína assimilação e criação de pensamento pessoal –, os autores desta bela e a todos os títulos absolutamente recomendável obra (para todos os públicos e cidadãos da Cidade aonde ou todos crescemos, ou todos definhamos…) expressam clara e distintamente o método, o fim e os meios aqui seguidos de modo generoso, existencialmente apelativo e eticamente exigente, como não poderia deixar de ser, assim:

– “A fim de que a filosofia não seja um exclusivo de prateleiras de bibliotecas, seguimos um caminho diferente das habituais introduções à filosofia. Em vez de apenas explicarmos conceitos filosóficos ou apresentarmos uma galeria de autores, procurámos partir das nossas experiências quotidianas e mostrar como elas fazem mais sentido com os conceitos filosóficos. No início de cada capítulo, o leitor encontrará narrativas muito variadas, como variada é a nossa existência. Através de episódios quotidianos, tais como uma festa, um encontro no aeroporto, a leitura de um livro, uma ida ao cinema, a audição de um concerto, uma urgência hospitalar, ou outros casos, o leitor é iniciado nos caminhos filosóficos trilhados pelos grandes autores”...

Olá, Consciência! é – enfim – um livro profundamente original, ímpar em Língua Portuguesa e em trabalho de linguagem reflexiva e rigor conceptual, sendo único no seu género, mesmo tendo em vista muita da produção filosófica, científica e didáctica conhecida ou intencionalmente mais ou menos afim, – como aquelas de Bochenski, Caratini, Martin Gardner, Jaspers, Brendan Purcell, Rickmann ou Bertrand Russell (que os autores declaradamente, e bem, consideraram), ou as, conquanto diferentes, de Jostein Gaarder ou Fynn, mas também outras ainda, que, em moldes e horizontes diferenciados, fizeram, ou fazem, lista estreita ou grossa nas bibliografias, cânones, leituras e literaturas de fraca qualidade e precário, duvidoso ou nulo rigor, indigesta doutrinação, (des)motivação e alcances futuros, porém sendo amiúde aquelas preferente e programaticamente seleccionadas, antologizadas e, por demasiadas vezes, até as mais oficialmente recomendadas, quando não até curricular ou – por demasiadas vezes – ideologicamente dadas por obrigatórias e impostas, em tantas das preconceituosas, unidimensionais ou banais escolas nacionais e regionais do Continente e Ilhas adjacentes…

– E isto, como escrevem Mendo Henriques e Nazaré Barros, porque a Filosofia “é de todos os que ousam pensar por si próprios”, e porque “quem entra na filosofia corre o risco de se tornar um dissidente. Dissidente na sua própria terra, dissidente do poder instituído, da opinião comumente aceite, dos êxitos mundanos, do mundo dos negócios, do prestígio social. Dissidente da vida vulgar, do senso comum, da moda, das banalidades e das brutalidades da vida quotidiana. Dissidente do pensamento único, de tudo o que é aceite passivamente, da norma, do politicamente correto, do instituído, do consensual, do tradicional. Dissidente do poder e do snobismo das criaturas de sucesso que procuram as luzes da ribalta para expor as suas vaidades. Dissidente da passividade dos media, do comodismo fácil das opiniões aceites, da normalidade superficial dos dias, das vozes cómodas, pacíficas e conformistas”…

Todavia, esta obra – apesar de alguns (in)compreensíveis silêncios que à sua volta, esquivos ou preguiçosos, ainda persistem …–, há-de certamente vir a conquistar merecido reconhecimento e grato lugar para Pensamento cônscio e Acção libertadora, junto de quem quiser e souber pensar, e daí mais e melhor puder agir, nestes tempos de indigência e obnubilação de tantas consciências espirituais, históricas, sociais e políticas!
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Em Azores Digital:
RTP-Açores:
e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 14.07.2013).
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 13.07.2013).



sexta-feira, julho 05, 2013

Um País e um Povo Reféns



Ao longo da sua multissecular existência, Portugal e os Portugueses tem sido reféns de toda uma série de factores condicionantes, acontecimentos, acções individuais e outras determinantes humanas, histórico-políticas, geo-económicas e mentais que sempre lhes moldaram a identidade, os rumos societários e as próprias figuras, valores e modelos com os quais a mesma viabilidade do País e o carácter da sua Grei se foram cimentando, construindo, desconstruindo e reconstruindo ao longo dos tempos e das gerações.

– De resto, assim também aconteceu evolutivamente em quase todos os actuais Estados, Nações e Regiões do Mundo, desde os mais primitivos agrupamentos gregários, tribos ou hordas, até às mais juridicamente consolidadas comunidades vigentes, sejam elas pré ou pós-modernas, hegemónicas, dependentes, falhadas ou insularmente párias…

Por outro lado, a partir de pressupostos filosóficos, doutrinais, ideológicos e até poéticos (alguns deles pouco racionais ou racionalizados, míticos, oníricos ou somente retóricos…), esta fundamental questão da identidade nacional, do direito (enquanto granjeado mérito…) à independência, e até da própria legitimidade histórico-cultural e civilizacional de Portugal como Pátria e País soberano – ou apenas, que fosse ou seja, realmente autónomo… –, tem constituído um daqueles motivos mais angustiada e recorrentemente pulsáteis (diga-se, mais precisa e exactamente aqui, intrincados em e como pulsão) na consciência nacional lusíada, ao menos tal como ela ocasionalmente (porém sempre obsessivamente!) tem aflorado à auto-consciência crítica, à inteligência reflexiva, ao discurso tematizador e à sensibilidade estética ou ficcionalmente representativa dos nossos maiores pensadores, poetas e artistas, conquanto, igualmente, às vezes (mas bem mais amiúde, infelizmente, como por estes vertiginosos dias todos os Portugueses puderam constatar…), pela negativa, na primária, esquizofrénica, irresponsável, incompetente, leviana e objectivamente criminosa actuação dos malfadados principais actores institucionais que temos, com os seus abjectos próceres político-partidários, em cujas comuns, enlameadas e irmanadas mãos e cegas mentes todo um desgraçado Povo, falido, hipotecado (a termo incerto e em cada vez mais longínquo horizonte), e descrente, agoniza, noite após dia, naquele fatídico domínio do poder e do “gosto da cobiça e […] rudeza/ duma austera, apagada e vil tristeza”, com que sucessivas vagas de canalha como “gente surda e endurecida”, sem vergonha e impunemente, enganaram e querem persistir em ludibriar toda a esperança de Liberdade e de Justiça.
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Publicado em Azores Digital,
RTP-Açores,
e "Diário dos Açores".
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 06.07.2013).