terça-feira, novembro 27, 2018



Entrevista
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EDUARDO FERRAZ DA ROSA

 AFINIDADES DE IDEAL:
Novas presenças da Maçonaria
manifestam-se na ilha Terceira


Do ponto de vista sociológico e filosófico, sobre a Maçonaria em geral e sobre a sua actual acção e implantação entre nós, como encara a anunciada sessão-debate entre Fernando Lima e Frei Bento Domingues na Câmara de Angra, a par da presença de António Lopes na apresentação da revista “Atlântida” do IAC, na Praia da Vitória?

Não é a primeira vez que o actual Grão-Mestre da Maçonaria (GOL), Fernando Lima, e o historiador António Lopes vêm aos Açores a fim de participarem em conferências, debates e outras acções de divulgação, estruturação e consolidação institucional, em parcerias públicas ou prováveis cerimoniais íntimos ou restritos...

O mesmo já aconteceu antes, com outros destacados dirigentes, idênticos objectivos ou similares funções, com destaque para o mais conceituado historiador e respeitável vice-Grão Mestre, Prof. António Ventura, ou ainda, em tempos mais recuados, com o distinto maçom António Arnaut, infelizmente já falecido.



– Todavia, desde a publicação da História da Maçonaria nos Açores (de António Lopes, director do Museu Maçónico), tem-se realmente vindo a acentuar a actuação, possíveis adesões e influências da Maçonaria, especialmente na Terceira, bastando recordar a propósito, entre outros, os depoimentos de António Reis (antigo Grão-Mestre); os casos e meandros que o DI publicou sobre a Loja “Vitorino Nemésio”, cuja listagem (eventualmente não completa) está hoje disponível em múltiplos acervos e bases; o grande Congresso maçónico, que reuniu na Praia da Vitória, em 2015, com a participação de representações de todas as obediências portuguesas; a homenagem da Câmara de Angra e do GOL a D. Pedro IV e Teotónio O. Bruges, em 2016 (1); a conferência de António Ventura, promovida pela Direcção Regional da Cultura, na Biblioteca de Angra, sobre Luís Ribeiro, em Dezembro de 2017; a comemoração dos 300 anos da Maçonaria, na Câmara de Angra, com palestra de António Lopes (2), há apenas seis meses, e agora os eventos anunciados (3)...



A que factores e que significado atribui a esta intensa presença activa da Maçonaria, com a realização local de parcerias?

Embora não sendo nova (como se poderia mais constatar...), na verdade não pode deixar de ter-se como evidente que tem vindo a aumentar a penetração e a real implantação da Maçonaria (mormente do GOL – Grande Oriente Lusitano) entre nós, tal como é notório o acolhimento (não sei se em idealizada iniciativa primeira ou simples colaboração subsidiária...) por parte das nossas autarquias (Angra e Praia) e dos nossos institutos (especialmente do Instituto Açoriano de Cultura, cujas direcções, nos últimos anos, são tidas e ditas e feitas como próximas da Maçonaria).


 – Como tal, parece-me, tais afinidades de ideal (ou reais irmandades accional e pessoalmente concretizadas), por si só, não terão nada de inédito e reprovável, desde que mantidas as devidas e exigíveis autonomias de decisão, sem secretismos ou cinismos de anonimatos de filiação individual, com transparência de meios e fins, declaração visível de interesses específicos e suas delimitações orgânicas, estatutárias, jurídico-institucionais, sociopolíticas e culturais...

Quanto a aceitações pessoais, por um lado, e ao incremento e partilha táctica ou estratégica de “parcerias”, por outro, sendo a situação complexa e difícil de avaliar, não quero fazer juízos sobre a consciência particular (ou ideário, crença, ideologia ou fé...) de ninguém.

– Todavia, ainda quanto às ditas parcerias institucionais, públicas ou associativas, já as mesmas, comprometendo opções, prioridades, meios, contrapartidas programáticas e simbólicas, podem, por isso mesmo, patentear evidentes consensos (ou falta deles!), em órgãos de governação e gestão cujos mandatos e decorrentes conduções, derivas e fiscalizações devem ser sempre tidas em conta, peso e atenta medida pelos respectivos eleitos, eleitores e sócios das próprias agremiações, entidades e colectividades, como é de lei e boa moral em elencos de direcção, executivos, assembleias, parlamentos, comissões, conselhos, etc.



Vê algum significado na vinda de Bento Domingues a Angra, para dialogar com o Grão-Mestre da Maçonaria?

Não vejo nesta presença do teólogo Bento Domingues (cuja obra e pensamento conheço bem), nenhum significado especial... Mas encaro-a com expectativa, nestes tempos de vazios e buscas de sentido, outras gnoses e gnoseologias, (des)crenças e (in)certezas psico-existenciais, heterodoxias e relativismos, alternativos sistemas de Poder, interesses e ordens...

De resto, frei Bento conhecerá certamente os fundamentos da posição da sua Igreja sobre a Maçonaria (e vice-versa), e bem assim as suas evoluções, responsabilidades e facetamentos histórico-doutrinais e socio-pastorais! Tanto mais quanto o tema da referida sessão é mesmo paritariamente formulado assim: "Diálogos: a Igreja e a Maçonaria ao serviço da Sociedade"!

– Todavia, independentemente de imperativos de seita ou de normativos dogmáticos, eclesiásticos ou eclesiais, para mim, o essencial destes debates é sempre, acima de tudo e antes de mais, de cariz filosófico, ético e político, nas suas diferenciadas representações, crítica e sistematicamente pensadas, bem entendido!

 

Em todo o caso, a dimensão religiosa e propriamente teológica do fenómeno maçónico, que também está aqui indeclinavelmente implicada, não poderá nunca ser escamoteada ou subtraída a esta já ancestral e simbólica querela de verdades e mitos...

Agora, a realização e as presenças em simultâneo de três eventos maçónicos nas duas câmaras municipais terceirenses, em articulação com outras organizações, não deixa de suscitar ponderação, pela sua já regular coincidência e pela notória conjugação de vários factores dinâmicos, actores e protagonismos.

Num texto que publicou em 2015 (4), por ocasião do Congresso maçónico da Praia da Vitória, pronunciou-se sobre alguns valores e desvalores da Maçonaria. Retomaria hoje essas apreciações?

Sim, certamente. Aliás não só as retomava quanto as reforçaria, à luz dos factos que vimos analisando, porquanto já aquele grande evento da Maçonaria portuguesa, então promovido e organizado pelo Centro de Estudos Maçónicos, com o suporte da Câmara Municipal e da Cooperativa Cultural da Praia, constituiu feito digno de registo por tudo o que significou e granjeou na colectividade local (de resto mais fadada e aparelhável para a tanga do que para o avental)!



– Tal certame, encenação aliás de uma verdadeira cimeira inter-pares, tendências e lojas (para doutrinação, aliança e propaganda confluentes), como fora pretendido e ficou à vista de quantos não andam de olhos vendados em noite de quarto escuro, sem lua na faixa ou na martelada de almofarizes, depois se encarregaria de assegurar em continuidades práticas, para “o bem e o progresso da humanidade”, sob o cósmico olho vigilante do Supremo Arquitecto...



De qualquer modo – devo repetir o que na altura logo também salientei – não poderá deixar de continuar a constatar-se que na Maçonaria, como em todas as instituições, haverá pessoas de bem, mérito e genuína valia, a par de outros cuja errática e oportunista carreira, mediocridade cívica e pérfidas jogatinas de poder e fortuna interligados são o intolerável contra-testemunho contínuo de quaisquer apregoados ou supostos “ideais fraternos e humanistas” (ou assim pretensamente assumidos), nas cabeças trianguladas e nas pedreiras daquelas lojas e lojecas, mais ou menos inocentemente ditas “culturais”, por entre muita roupagem de avental a servir de tanga...

P.S. - Entretanto a citada Sessão do dia 1 de Dezembro de 2018, na Câmara Municipal de Angra, sem mais comentários, pode ser integralmente vista e avaliada na cobertura da VITEC, disponível aqui:



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(1)  Cf. Reportagem-Video VITEC, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=8JA1R_uVdec


(3) Cf. Notícias em:  

(4) Cf. "Os Aventais e a Tanga", em https://sinaisdaescrita.blogspot.com/2015/11/os-aventais-e-tanga-recente-realizacao.html
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(*) Texto da Entrevista concedida ao "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 27.11.2018),  publicado em "Azores Digital" (http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3368), e também no "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 30.12.2018) e no "Atlântico Expresso" (Ponta Delgada, 03.12.2018):