Com origens bem remotas na História das Civilizações e com particulares formas de manifestação no Ocidente – desde a Grécia e a Roma antigas (aí associado a desfiles navais chamados de currus navalis, de onde o nome Carnavale poderá ter derivado, e bem assim às licenciosas bacanales, lupercalia e saturnales), até à nossa dita “pós-moderna” Contemporaneidade, mas passando modelarmente por decisivas e paradigmáticas configurações várias de cariz popular ou palaciano (aqui especialmente nas sociedades de corte), mas com outras tantas formas híbridas de exteriorização folgazã ao longo da Idade Média, do Renascimento e do Barroco –, o Entrudo tem constituído ao longo dos tempos:
– 2) uma festividade tradicional pré e para-religiosa, intencional ou subliminarmente articulada com a assumida reversão simbólica do tempo litúrgico cristão do começo da Quaresma;
– 3) uma quadra cultural, artístico-teatral e turística, e
– 4) enfim, também pela conjugação de todas as referidas facetas e dimensões societariamente representativas, integrantes e relevantes, um legislativamente consagrado feriado (cuja novel subtração falhada e falaciosa, mesmo enquanto discutível matéria de “direito social”, tem vindo a ser contestada e parodiada como medida inócua e despicienda das zelosas, mas gravosas e abusivas, tontarias governamentais lisboetas…).
De tudo isto se poderia pois falar a propósito deste Entrudo, mas mais motivador para nós será mesmo tornar a evocar, recomendando para observação artístico-teatral, comunitária participação lúdica e estudo social o Carnaval destes dias nas nossas ilhas, enquanto e como fenómeno complexo, eclético e sincrético da vida do povo dos Açores, e em especial dos terceirenses.
– Nele genuína e primordialmente entroncando múltiplos, recriados e recreativos elementos patrimoniais dos universos expressivos, estéticos e sociais das culturas luso-afro-brasileiras e hispânicas, o nosso Carnaval constitui seguramente ainda um excecional laboratório e um barómetro indicativo daquilo que mais sensivelmente marcou o quotidiano, a memória e o imaginário da nossa gente ao longo do ano, pelo que oxalá ninguém fique alheio, ou indiferente, aos discursos e práticas da existência privada e pública que nele, conflitual ou pacificadoramente, se vão manifestar, mascarar ou transferir…
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Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 18.02.2012),
"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 19.02.2012),