domingo, dezembro 22, 2019



ENTREVISTA (*)
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"ATLÂNTICO EXPRESSO"

Ponta Delgada, 23 de Dezembro de 2019

"DIÁRIO DOS AÇORES"
Ponta Delgada, 22 de Dezembro de 2019

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A propósito do Centenário de Sophia:
Um Olhar Luminoso em Figuração Poética




O Centenário do Nascimento de Sophia de Mello Breyner (1919-2004) está a ser comemorado em todo o País. Que sentido e alcance vê nestas evocações?

Vejo todo o sentido e mérito nestas iniciativas – que oxalá se diversifiquem e tenham continuidade de divulgação e interpretação sociocultural, escolar, académica, literária e artística, para aprimorado, amoroso e rigoroso tratamento multidisciplinar da grande beleza poética e sentido existencial da sua obra –, tratando-se de uma efeméride apropriada e propiciadora de merecida evocação multimodal de uma das figuras e obras mais notáveis e cimeiras da Literatura, da Cultura e da Cidadania em Portugal no século XX.

Centrada no Centro Nacional de Cultura e a partir daí envolvendo muitas instituições, eventos e personalidades, e com um vasto rol de organizadores agrupados em três Comissões (onde, entre outros nomes estão os de Maria Andresen de Sousa Tavares, Frederico Lourenço e Guilherme d’Oliveira Martins), estas comemorações, que decorrem em Portugal e no Estrangeiro, já terão começado a suscitar, diria mesmo a ressuscitar renovada atenção e regressos à obra de Sophia, aos seus textos integrantes e integrais, à sua memória, esplendores de linguagem e imaginários, enfim, um retorno a leituras, cuidadoso estudo e reflexões sobre a sua vida e legados…

– E tudo isso do ponto de vista não só cingidamente poético-literário (isto é, dos estudos literários ou técnico-literários sobre a sua excepcional Poesia), quanto também sobre a sua relevante criação em outros géneros confluentes (quando não mesmo sincrónicos com aquela), nos domínios do Conto, da Literatura para a Infância e do Ensaio, sem esquecer os testemunhos e percursos teórico-práticos, compromissos actuantes no campo político da resistência (antes e depois da Revolução de Abril de 74) e as suas intervenções em nobres e coerentes combates e manifestos de ideias e ideais cívicos, éticos, estéticos, morais, filosóficos e religiosos.

De resto, uma simples consulta aos programas e eventos comemorativos dá bem conta do alcance, real ou potencial, da diversidade desejável e da salutar complementaridade compreensiva e integradora de todos esses projectos, com entendimento crítico, solidário e construtivo, a desenvolver sob o escorreito signo de Sophia e da sua luminosa e iluminada visão das coisas, das realidades ontológicas, humanas e estéticas do mundo e dos seres nossos circundantes, naquela justeza e rectidão das palavras, imagens e valores que foram e são próprios do seu timbre puro, do seu pendor visionário e do seu olhar matinal, no autêntico exercício poético-sapiencial e metamórfico, simultaneamente silente e verbal, do seu espírito…


Numa Conferência proferida em Ponta Delgada, referiu-se à Exposição sobre Sophia, que está patente na Biblioteca Pública de Angra…

Sim! Entendi de facto dever elogiar esta Exposição, que é merecedora de uma visita, pelo tema evocado e pela diligente forma da sua instalação.

– Tendo perfilhado o título de um dos livros de Sophia (O Nome das Coisas), sem ser todavia exaustiva, como nenhuma mostra consegue modelar (sendo natural que sempre se acaba por privilegiar determinadas facetas das vidas e obras tratadas, conforme os materiais disponíveis e o conhecimento dos respectivos universos), porém logo pela apresentação das peças bibliográficas e documentais disponíveis localmente ou cedidas para o efeito, passando pela respectiva montagem e suportes visuais e didácticos para visualizações alusivas, esta é uma Exposição atraente e sugestiva. Além do mais, os documentos apresentados nas vitrinas foram bem articulados com a instalação in loco de uma útil e funcional plataforma informática para acesso rápido a várias bases e Páginas Web correlativas.


Finalmente, neste âmbito (onde se entendeu acentuar a vertente sociopolítica e cívica de Sophia) merecem relevo qualitativo as imagens e textos trabalhados no formoso Catálogo da Exposição, bem adequado à revelação de importantes facetas da escritora.

Professor que foi em diversos níveis do Ensino, e como ensaísta e académico, é conhecida a sua já antiga e recorrente atenção à criação literária e ao pensamento de Sophia. Como chegou ao conhecimento da sua obra e que género de estudos interpretativos foi desenvolvendo, e ainda hoje proporia, sobre os mesmos?

Os primeiros textos e iniciações à leitura que recebi foram-me tradicional e maternalmente ditos, ensinados e con-vividos em família, na nossa casa da Praia da Vitória, como mensagens verbais de alta densidade poética, bela estilização retórica e nobre timbre moral, através de Contos, Narrativas Ficcionais fabulosas e Poesias (desde a primeira que aprendi – e que era de Pessoa –, muito antes de toda a grande Prosa das literaturas e de outros sucessivos mundos e memoriais do Imaginário, que se foram tornando sempre mais amplos, nomeadamente com a progressiva descoberta lírica e existencial de Camões, Antero, Nobre, Régio, Pascoaes, Eugénio, Frei Agostinho, Nemésio…e Sophia).

– Mas todas essas leituras, que a formação escolar e universitária consolidou e fez revisitar, só ganhariam realmente outra e maior dimensão e complementaridades de sentido e fundamentação com a Filosofia…



Quando ensinei Língua Portuguesa, antes de leccionar Filosofia na Universidade, sempre procurei trabalhar com os meus alunos sobre os textos de Sophia (tal como, então em meados dos anos 70-80, com os de Manuel Alegre, Ruy Belo, Nemésio e Eugénio de Andrade), tanto em Poesia como em Prosa:



– De Sophia recordo nomeadamente as Poéticas ou o “Caminho da Manhã” (do Livro Sexto). 

Porém, foi sobretudo Contos Exemplares, livro da minha recorrente pauta e predilecção até hoje, a obra mais lida e programática e inspiradoramente aplicada por mim não só na Literatura e na Cultura Portuguesa, mas mais tarde também na Filosofia, mormente na Ética e na Ontologia…

A obra de Sophia de Mello Breyner é muitíssimo exigente, de todos os pontos de vista: complexa, conquanto límpida e quase translúcida; ascética, mas interiormente vibrátil; enfim, na formulação da sua autora, tanto manuelina como apolínea... 

– E talvez por isso, Eduardo Prado Coelho e outros puderam constatar ter sido a mesma conjunturalmente ladeada (ou aligeiradamente esquecida por reduções várias…), superficialmente transmitida, treslida ou mal ensinada, numa espécie de cómoda e preguiçosa neutralidade crítica, didáctica, espiritual e ética (quando não até com incompetentes e inadequadas metodologias docentes, desvirtualizantes e desvirtuadas pedagogias ou desmotivadora falta de inspiração disciplinar contagiante…).

Mais especificamente, voltando aos seus programas e aulas de Filosofia e de Cultura Portuguesa, que leituras temáticas, abordagens críticas e propostas compreensivas procurou suscitar?




Como tão profundamente foi meditado por D. António Ferreira Gomes no seu erudito e profundo Prefácio a Contos Exemplares, esta obra constitui e revela uma densa e autêntica reflexão filosófica, ética e metafísica sobre a existência e a condição humanas, as situações-limite da vida, da morte, do sofrimento, das virtudes, da problemática e do mistério da finitude e da transcendência, num discurso poético-fenomenológico, metafórico e simbólico, que não só intencionalmente configura e revela uma Ética, uma Metafísica e mesmo uma Teologia, quanto suscita e mais potencia ricas e diversificadas hermenêuticas, análogas ou próximas, mesmo quando contrapostas, por exemplo, às desenvolvidas por Heidegger, Ricoeur, Lévinas, Nietzsche, Marx, Adorno e Horkheimer, Metz, etc.

Mas o mesmo também pode ser considerado a propósito de Pessoa, Rilke, Dante, Claudel, ou Homero (tutelar ícone da particular e poética modelação mítica, estética e geográfica da Grécia, que Sophia faz matizada e categorialmente brotar de deslumbrantes modos, como salientaram Frederico Lourenço, Maria Helena da Rocha Pereira, Clara Rocha e Carlos Ceia, entre outros).


– Evidentemente, o mesmo ou mais se diga no que concerne à Filosofia Grega, um dos berços do Ocidente (ora mediterrânica, ora atlântica ora insularmente embalado em deslumbradas viagens, rotas e demandas náuticas, terrestres e celestes), com os seus Mitos e Clássicos autores da nossa Cultura e Civilização, conquanto, atenda-se bem, em diálogo crucial, uma vezes messiânico ou utópico, outras crucificante, doloroso, interminável e indeclinável com os paradigmáticos exílios e diásporas da Cultura Judaica, e com os redentores estigmas do Cristianismo (religião que tentou e tenta ainda reunir Jerusalém e Atenas, e Roma…, ou então integrar, subsumir, harmonizar ou superá-las num Reino Outro, mas nem sempre com sucesso, inocência, harmonia ou legitimidade…).




Tudo isto está presente, também, na obra, na vida e no pensamento de Sophia, desenhando como que um quadro (in)temporal, um horizonte trans-histórico essencialmente conatural à Filosofia e à Literatura universais, mas ainda à nossa Portugalidade destinal, saudosa, angustiada, nostálgica e lírica, tal como, em Portugal e sobre nós, foi subtilmente pensado por Eduardo Lourenço.

Sophia foi uma grande activista cívica. Que recordações guarda dessa sua vertente, também política, antes e depois do 25 de Abril?




Quero aqui, quanto a isto, recordar hoje apenas a sua actuação e atribulações como opositora do Regime anterior ao 25 de Abril e a sua adesão aos pronunciamentos da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, cujos documentos (recebidos através do nosso saudoso amigo Padre Manuel António Pimentel, por via de Luís Moita, Jardim Gonçalves, activistas sociais, dirigentes associativos, jornalistas e intelectuais, animadores nacionais da JOC, etc.) fazíamos divulgar, clandestinamente, na Terceira… Foi pois com indisfarçável emoção que vi assim um desses documentos memoráveis reproduzido na Exposição de Angra!




Quanto ao papel de Sophia de Mello Breyner – que esteve na Terceira nas primeiras lides democráticas, anti-totalitárias e eleitorais do PS de outrora, que bem conheci e segui – e depois, do que se passou na Constituinte, naqueles ardentes e difíceis tempos de 75-76-77, por entre proximidades e afastamentos político-partidários que talvez não sejam muito conhecidos, nem foram ainda contados… –, fica prometida a abordagem para outro ensejo. 



Todavia, Sophia percorreu e marcou alguns desses (bem lembrados…) caminhos comuns, desencontros e conflitos, mas sem mácula nem desprimor, sem ressentimento nem desvirtuamento de si, do seu passado e da sua obra!


– Ainda por tudo isso, é que ela permanece um exemplo de dignidade intelectual e de sabedoria, para comovida e irmanada procura iluminadora das palavras e das obras, entre a Justiça e a Esperança transformadoras e transfiguradoras do Mundo, dos Valores e das Linguagens.
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(*) Entrevista originalmente concedida ao jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 14.12.2019). 
O respectivo texto foi especial e integralmente revisto e bastante aumentado para publicação nos jornais
“Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 22 de Dezembro de 2019)
e "Atlântico Expresso) (Ponta Delgada, 23 de Dezembro de 2019):


























domingo, dezembro 15, 2019



ENTREVISTA AO JORNAL "DIÁRIO INSULAR"
(Angra do Heroísmo, 14 de dezembro de 2019)

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Centenário de Sophia:
Um Olhar luminoso
em figuração Poética


O Centenário do Nascimento de Sophia de Mello Breyner (1919-2004), está a ser comemorado em todo o País. Que sentido e alcance vê nestas evocações?


Vejo todo o sentido e mérito nestas iniciativas – que oxalá se diversifiquem e tenham continuidade de divulgação e interpretação sociocultural, escolar, académica, literária e artística, para aprimorado, amoroso e rigoroso tratamento multidisciplinar da grande beleza poética e sentido existencial da sua obra –, tratando-se de uma efeméride apropriada e propiciadora de merecida evocação multimodal de uma das figuras e obras mais notáveis e cimeiras da Literatura, da Cultura e da Cidadania em Portugal no século XX.

De resto, uma consulta aos programas e eventos comemorativos dará bem conta do alcance, real ou potencial, da diversidade desejável e da salutar complementaridade compreensiva e integradora de todos esses projectos, com entendimento crítico, solidário e construtivo, a desenvolver sob o escorreito signo de Sophia e da sua luminosa e iluminada visão das coisas, das realidades e dos seres nossos circundantes, naquela justeza e rectidão das palavras, imagens e valores que foram e são próprios do seu timbre puro e pendor visionário, e do seu olhar matinal, no autêntico exercício poético-sapiencial e metamórfico, simultaneamente silente e verbal, do seu espírito…

Numa Conferência proferida em Ponta Delgada, referiu-se à Exposição sobre Sophia, que está patente na Biblioteca Pública de Angra…

Sim! Entendi de facto dever elogiar esta Exposição que é bem merecedora de uma visita, pelo tema e pela diligente forma da sua instalação.

– Tendo perfilhado o título de um dos livros de Sophia (O Nome das Coisas), logo pela apresentação das peças bibliográficas e documentais, passando pela respectiva montagem e suportes visuais e didácticos para visualizações alusivas, esta é uma Exposição atraente e sugestiva. Além do mais, os documentos apresentados foram bem articulados com a instalação in loco de uma útil e funcional plataforma informática para acesso rápido a várias bases e Páginas Web correlativas.

Finalmente, neste âmbito (onde se entendeu acentuar a vertente sociopolítica e cívica de Sophia) merecem relevo qualitativo as imagens e textos trabalhados no formoso Catálogo da Exposição, bem adequado à revelação de importantes facetas da escritora.




Professor que foi em diversos níveis do Ensino, e como ensaísta e académico, é conhecida a sua já antiga e recorrente atenção à criação literária e ao pensamento de Sophia. Como chegou ao conhecimento da sua obra e que género de estudos interpretativos foi desenvolvendo, e ainda hoje proporia, sobre os mesmos?

Os primeiros textos e iniciações à leitura que recebi foram-me tradicional e maternalmente ditos, ensinados e con-vividos em família, na nossa casa da Praia da Vitória, como mensagens verbais de alta densidade poética, bela estilização retórica e nobre timbre moral, através de Contos, Narrativas Ficcionais fabulosas e Poesias, muito antes de toda a grande Prosa das literaturas e de outros sucessivos mundos e memoriais do Imaginário, que se foram tornando sempre mais amplos. Mas todas essas leituras, que a formação escolar e universitária consolidou e fez reviisitar, só ganhariam realmente outra e maior dimensão e complementaridades de sentido e fundamentação com a Filosofia…

Quando ensinei Língua Portuguesa, antes de leccionar Filosofia na Universidade, sempre procurei trabalhar com os meus alunos sobre textos de Sophia, em Poesia e Prosa:

– Recordo nomeadamente as Poéticas ou o “Caminho da Manhã” (do Livro Sexto). Porém, foi sobretudo Contos Exemplares a obra mais lida, programática e inspiradoramente aplicada por mim, não só na Literatura e na Cultura Portuguesa, mas depois também, mais tarde, na Filosofia, mormente na Ética e na Ontologia…




Contudo a obra de Sophia é muitíssimo exigente, de todos os pontos de vista – complexa conquanto límpida e quase translúcida; ascética mas interiormente vibrátil; enfim, na formulação da sua autora, tanto manuelina como apolínea...

– E talvez por isso Eduardo Prado Coelho e outros puderam constatar ter sido a mesma conjunturalmente ladeada (ou aligeiradamente esquecida por reduções várias...), superficialmente transmitida, treslida ou mal ensinada, numa espécie de cómoda e preguiçosa neutralidade crítica, didáctica, espiritual e ética (quando não até com incompetentes e inadequadas metodologias, desvirtualizantes e desvirtuadas pedagogias ou desmotivadora inspiração redutora…).



Mais especificamente, voltando aos programas e aulas de Filosofia e de Cultura Portuguesa, que leituras temáticas, abordagens críticas e propostas compreensivas procurou suscitar?

Como tão profundamente foi meditado por D. António Ferreira Gomes no seu erudito e profundo Prefácio a Contos Exemplares, esta obra constitui e revela uma densa e autêntica reflexão filosófica, ética e metafísica sobre a existência e a condição humanas, as situações-limite da vida, da morte, do sofrimento, da problemática e do mistério da Finitude e da Transcendência, num discurso poético-fenomenológico, metafórico e simbólico, que não só intencionalmente configura e revela uma Ética, uma Metafísica e mesmo uma Teologia, quanto suscita e mais potencia ricas e diversificadas hermenêuticas, análogas ou próximas, mesmo quando contrapostas, por exemplo, às desenvolvidas por Heidegger, Ricoeur, Lévinas, Nietzche, Marx, Adorno e Horkheimer, Metz, etc. Mas o mesmo também pôde ser considerado a propósito de Pessoa, Rilke, Dante, Claudel, ou  Homero (tutelar ícone da particular  modelação mítica, estética e geográfica da Grécia, que Sophia faz matizada e categorialmente brotar de deslumbrantes modos).



– Evidentemente, o mesmo ou mais se diga no que concerne à Filosofia Grega, um dos berços do Ocidente, ora mediterrânica, ora atlântica ora insularmente embalado em deslumbradas viagens, rotas e demandas náuticas, terrestres e celestes), com os seus Mitos e Clássicos autores da nossa Cultura e Civilização, conquanto, atenda-se, em diálogo crucial, umas vezes messiânico ou utópico, outras crucificante, doloroso, interminável e irrecusável com os paradigmáticos exílios e diásporas da Cultura Judaica e com os estigmas redentores do Cristianismo.


Tudo isto está presente, também, na obra, na vida e no pensamento de Sophia, desenhando um quadro ou fundo essencialmente conatural à Filosofia e à Literatura universais, mas ainda à nossa Portugalidade destinal, saudosa, angustiada e lírica.

Sophia foi uma grande activista cívica. Que recordações guarda dessa sua vertente, também política, antes e depois do 25 de Abril?

Quero aqui, quanto a isto, recordar hoje apenas a sua actuação e atribulações como opositora do Regime anterior ao 25 de Abril e a sua adesão aos pronunciamentos da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, cujos documentos (recebidos através do nosso saudoso amigo Padre Manuel António Pimentel) fazíamos divulgar, clandestinamente, na Terceira… Foi assim com indisfarçável emoção que vi assim um desses documentos memoráveis reproduzido na Exposição de Angra!

Quanto ao papel de Sophia – que esteve na Terceira nas primeiras lides democráticas, anti-totalitárias e eleitorais do PS de outrora... –, fica prometida a abordagem para outro ensejo. Todavia, Sophia percorreu e marcou alguns desses (bem lembrados...) caminhos comuns, desencontros e conflitos, mas sem mácula nem desprimor, sem ressentimento nem desvirtuamento de si, do seu passado e da sua obra!



– Ainda por tudo isso, é que ela permanece um exemplo de dignidade intelectual e de sabedoria, para comovida e irmanada procura iluminadora das palavras e das obras, entre a Justiça e a Esperança transformadorastransfiguradoras do Mundo, dos Valores e das Linguagens.
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Entrevista publicada no jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 14.12.2019).
O Desenho (Inédito. 2019) de Sophia é da autoria de Emanuel Félix e foi propositadamente feito, a meu pedido, para ilustração deste texto.





quinta-feira, agosto 22, 2019



PROGRAMA "GRANDE ENTREVISTA"
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Eduardo Ferraz da Rosa com Armando Mendes:


Canal 1 da RTP/RDP Açores - 14 Ago. 2019

terça-feira, agosto 20, 2019


Entrevista
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AÇORES SEM EURODEPUTADOS
FICAM MAIS ADJACENTES



Os Açores estão sem Representação no Parlamento Europeu. Como analisa este problema?

EDUARDO FERRAZ DA ROSA (EFR) – O desaparecimento prematuro de André Bradford, único açoriano então eleito, representa uma perda para os Açores e para a percepção crítica, o continuado enfrentamento situado dos problemas e a proclamação e defesa das legítimas e legitimáveis aspirações na nossa Região, nos círculos de poder, trabalho e debate parlamentar dos problemas regionais, nacionais e europeus, e outrossim de comparticipação activa nas decorrentes decisões, pronunciamentos ou meras recomendações possíveis, nas instâncias referidas, nas comissões sectoriais e seus relatos, etc., enfim, na visibilidade e na mediatização adequadas e diligentemente procuradas da defesa dos nossos interesses específicos…




Quais as consequências que se perspetivam?

EFR – Parece-me, em qualquer caso, serem consequências negativas para os Açores (e para o nosso País), desde logo porque a Região fica sem uma desejável presença parlamentar formal a nível europeu, e por isso mesmo destituída da possibilidade de uma voz autónoma e própria (conquanto nacional e político-partidariamente integrada, quando não subordinada ou dependente…).

– Todavia sempre seria um receptáculo, veículo e ponte de passagem, nos dois sentidos, entre os Açores e a Europa, e também dentro da representação nacional portuguesa, no seu grupo parlamentar e não só…

É claro que ninguém estaria à espera do triste falecimento de André Bradford. Porém, a verdade é que nas listas do PS não só nenhum outro lugar elegível foi acautelado para os socialistas açorianos, o que teria sido previdente e merecido.

– Mas, pior do que isso, foi a inclassificável atitude do PSD nacional, a reboque das plenipotenciárias e discricionárias bitolas de avaliação e partilha de cadeirinhas, cadeirões, bancos e bancarrotas da sua confrangedora e misérrima companhia e compaginação de lideranças e serventias intestinas, cujos resultados estão à vista de todas as províncias continentais, das ilhas adjacentes e dos seus descrentes e desmotivados eleitores, cá e lá…



À vista, digo, e no ouvido também, porquanto o eco de tais arrebites (alguns inicialmente esboçados, mas logo arrumados em saco roto), numa grande ribanceira de descredibilização generalizada, ainda estão e vão continuar a dar que falar, eventualmente nem sequer como Oposição, quanto mais em posição de mérito ou merecimento democráticos!

– Enfim, uma vergonha para os reais e legítimos herdeiros de Sá Carneiro… E por aqui ainda pior, para os apenas nominais autonomistas, social-democratas de nunca e pequenos actores e autores de uma ridícula dança de madraços cívicos e culturais, e de pares político-partidários ainda menores!

Como é que toda esta situação poderá ser resolvida ou atenuada?

EFR – É possível e desejável que – no âmbito do PS – se consiga compensar, em parte, a perda de Bradford …



Veremos, por exemplo, qual a competente e firme dedicação às questões e desafios insulares entre os deputados portugueses no PE; qual o projecto e destino interventivos de Carlos César (ministro de Estado ou dos Negócios Estrangeiros, como subtilmente foi já sugerido?); quais as atenções e acompanhamentos dos socialistas dos Açores e dos demais tribunos em funções laterais, aqui no arquipélago e em S. Bento (no que especialmente relembro a escolha de Lara Martinho para uma vice-presidência da Comissão de Assuntos Europeus, ou as cruzadas ilhoas de António Ventura…).

Todavia, não é fácil imaginar aonde tudo isto nos levará pela certa (ou à certa…), num quadro complexo e volátil, perigoso e exigente, por entre brexits pendentes, nacionalismos crescentes, xenofobias galopantes, replicação de oligarquias, afundamentos ou recanalizações de fundos regionais e refundamentos nacionais hegemónicos, etc., aonde os próprios Parlamentos nacionais vão ficando cada vez mais subalternizados (como Mota Amaral bem salientava recentemente).


– Todo este cenário é assim muito preocupante, tanto mais quanto os Povos europeus, incluindo os das Ilhas portuguesas, vão ficando novamente mais adjacentes, ou à margem da Europa e da sua necessária, real e verdadeira construção!   

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(*) Texto da Entrevista concedida ao jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 10 de Agosto de 2019).


 

Idem, em Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 13 de Agosto de 2019).






domingo, agosto 04, 2019



Uma Obra de referência Histórica e Bibliográfica:

DICIONÁRIO SOBRE O PENSAMENTO DA EUROPA
EDITADO PELA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
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ENTREVISTA



Inserido na prestigiada “Colecção Parlamento”, a Assembleia da República acaba de editar um volumoso Dicionário das Grandes Figuras Europeias, no qual colaborou com o texto sobre Edgar Morin. Qual o conteúdo e importância desta nova obra de referência em Portugal sobre o Pensamento Europeu e a Ideia de Europa?

EDUARDO FERRAZ DA ROSA (EFR)  Este livro, coordenado por Isabel Baltazar e Alice Cunha (professoras e investigadoras na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa), como ali mesmo vem referido, resulta de um trabalho conjunto e pretende dar visibilidade aos grandes vultos que contribuíram para uma Europa Unida nos séculos XIX e XX, sejam eles pensadores, estrategas, políticos, diplomatas e técnicos que pensaram esse ideal e apresentaram projectos para uma unidade europeia, não esquecendo o contributo de várias figuras portuguesas nesse âmbito, como foi salientado ao destacar-se que esta edição contou com académicos de diferentes universidades e áreas científicas (Ciência Política, Direito, Economia, Filosofia, História e Relações Internacionais).



A obra – que mereceu o Alto Patrocínio do Presidente da República – foi recentemente lançada em Lisboa, na Biblioteca Passos Manuel da Assembleia da República, e é prefaciada por Regina Bastos (presidente da Comissão de Assuntos Europeus do Parlamento) e por Ana Paula Zacarias (Secretária de Estado dos Assuntos Europeus), integrando também um Prólogo e um notável estudo de Introdução, da autoria das coordenadoras deste muito acalentado projecto.

Ultrapassar o atraso europeu
da Historiografia Portuguesa

Como escreveu Isabel Baltazar, em Portugal “tudo estava (quase) por fazer. Faltava, portanto, aprofundar a área da perspectiva histórica, cultural e filosófica da União Europeia, quer a nível do levantamento de fontes para a história da integração europeia, em geral, quer, também, a nível das fontes portuguesas sobre o tema da Ideia de Europa. Temos a convicção de que é necessário ultrapassar o atraso da historiografia portuguesa [neste domínio], e que esta obra vem suprir uma lacuna nessa área e nas outras áreas do saber”.

Quais as Entradas e os contributos ensaísticos que destacaria nesta obra de conjunto?
EFR – O Dicionário conta com a colaboração de cerca de noventa autores portugueses e estrangeiros, reunindo 85 Entradas ou Verbetes nominais – que são na verdade condensados ensaios temáticos, biográficos e bibliográficos – sobre outras tantas distintas figuras ou personalidades seleccionadas:

E são de facto, indubitavelmente, todas essas presenças, algumas das mais relevantes, significativas e marcantes figuras do pensamento, da sociedade, da política e da cultura da Europa e/ou sobre a Europa, desde os chamados “pais fundadores” (Monnet, Schuman, Adenauer, De Gasperi, Spaak, Delors, etc.), passando por estadistas e líderes carismáticos (Churchill, De Gaule, Genscher, Giscard d’Estaing, Karamanlis, Mitterand, Schmidt, Strauss, Thatcher, Tindemans, Veil, Kohl, González…), diplomatas e estrategas (Kissinger, Luns, Marshall…), e ainda por cépticos nacionalistas e utopistas (Proudhon…), e outrossim, naturalmente também, por pensadores críticos, teorizadores, precursores e filósofos (Aron, Benda, Briand, Derrida, Habermas, Hugo, Kant, Madariaga, Morin, Nietzsche, Ortega y Gasset, etc.), até aos portugueses e aos nossos confluentes ou dissonantes contributos, desejos, aspirações e (des)encontros nacionais e lusíadas, europeístas e euro-atlânticos, todos estes afinal provindos de uma Nação e de um Povo que teve e tem uma feição diaspórica, medianeira de uma Europa ainda poética ou mítica, mirante de Oriente a Ocidente (como em Pessoa), ou de uma Europa outra, peninsular e do Sul, só recentemente refluída de um (o último!) grande Império ultramarino da Expansão colonizadora e “evangelizadora” de um Ocidente falhado e perdido, conquanto multisecularmente cimentado em gestas e memórias e brumas, e mesmo hoje não de todo esquecido, nem sequer sublimado, espiritual, anímica e corporalmente superado ou transcendido em sucedâneos de valor, mito, imaginários, móbil de sociedade e civilização, cultura, língua e historicidades dialécticas…

Que Figuras portuguesas integram este Dicionário?
EFR – São cerca de dezena e meia as várias presenças portuguesas, desde Manuel Antunes a Irene de Vasconcelos, de Silva Lopes a Mário Soares, de Ernâni Lopes e Jacinto Nunes a Luís Sá e Lucas Pires, enfim, desde Magalhães Lima e Medeiros Ferreira a Lourdes Pintasilgo e Eduardo Lourenço…

– Isto no que se refere às figuras tratadas, porquanto dos autores, académicos, ensaístas e investigadores, autores das Entradas nominais, poderíamos elencar, embora apenas ao correr de um relance na listagem, entre os demais, Adriano Moreira, Carlos Gaspar, Guilherme d’Oliveira Martins, José Eduardo Franco, Acílio Rocha, Manuel Loff, Manuela Tavares Ribeiro, João Medina, Mendo Castro Henriques, Rui Tavares, Soromenho Marques, Freitas do Amaral, Eduardo Paz Ferreira, etc.

Identidades Culturais,
Leituras e Ideologias

É claro que as figuras portuguesas e estrangeiras seleccionadas pelas Coordenadoras deste Dicionário não esgotam a galeria (que nunca poderia, nem pretendeu ser, exaustiva) de nomes aduzíveis ou possivelmente agregáveis, no estrito âmbito do pensamento societário e social, e da reflexão pluridisciplinar sobre a identidade, a tradição e algumas prospectivas, mais ou menos futuríveis – a par de outras leituras, ideologicamente díspares, e da perspectivação de acrescidos rumos incertos, complexos e problemáticos – sobre a Europa, e dela e dos Europeus (e dos não-europeus!) sobre si próprios, sobre os outros, sobre os demais continentes e mundos outros, terceiros ou quartos, globais ou ensimesmados, párias, regredidos ou adiados num tempo do Espírito e da História só talvez contra-hegelianamente compreendidos, quando não em regressão fixista e obsessiva (da qual aliás fomos acusados em diversos contextos político-civilizacionais e jurídico-históricos…).
Por outro lado, voltando ao elenco europeu e ao caso português, é evidente que outras percepções histórico-críticas e ideográficas poderiam ter sido aqui trazidas a confronto, nomeadamente aquelas típicas das citadas correntes mais cépticas, ou descrentes, no que diz respeito às identidades nacionais (relembro a recorrente ideia de uma Europa Social e das Nações, dos Povos e das Pátrias, e mesmo… das Regiões!), e do destino autónomo, conquanto integrado, dos Países numa amiúde controvertida e controversa União Europeia!




– E bem assim outros nomes que me ocorrem sempre na discussão destes temas e problemas, num sentido e noutro, avisadamente à luz crepuscular, opressora e sangrenta de um Passado trágico e demencial, holocáustico e maligno: Jaspers, Husserl, Arendt, Freud, Marx, Adorno e Horkheimer, Lévinas, Walter Benjamin, Foucault, Camus, Le Goff, Mounier, Ricoeur e Ratzinger…

Da Europa Histórico-Política
à Europa das Regiões

Ora atente-se sempre nas vigentes derivas e significados de todos os brexits e nas lúcidas reacções aos mecanismos hegemónicos de Poder e do Capital, e às degeneradas oligarquias europeias, justamente fustigadas, no específico quadro da reflexão regional, regionalista e autonómica açoriana (amiúde inoperante ou subalternizada perante os desafios insulares…), como aquela que tornámos a ver, ainda há poucos dias, bem timbrada no último livro de Mota Amaral!
– No entanto, verdade seja dita, nada disto escapou directa ou indirectamente aos autores e colaboradores deste Dicionário das Grandes (e de Grandes) Figuras Europeias, tendo de resto também o estudo introdutório de Isabel Baltazar sinalizado os correlativos horizontes desta temática no que concerne aos diversos perfis do pensamento português e dos diferentes, por vezes antagónicos, projectos político-institucionais, histórico-hermenêuticos e jurídico-constitucionais. Relembro, por exemplo, o Integralismo, mas poderíamos recordar o que viria apenso a homens e movimentos como os da Renascença e da Seara Nova, que se foram sucedendo no nosso País, nomeadamente nos séculos XIX, XX e neste que agora vivemos.

Tempos, Modos
e Modelos alternativos

Refiro-me concretamente à Primeira República, ao Estado Novo de Salazar, ao Marcelismo e ao Regime Democrático do pós-25 de Abril, e que não só a Filosofia, a Economia, o Direito e a Sociologia Políticas debateram activa e/ou reactivamente, quanto também a Literatura e as Artes (veja-se o Saudosismo, a Presença, o Neo-realismo e o Surrealismo…) representaram, enfrentaram e narraram em tempos e modos e espaços alternativos…


– E, enfim, todos os outros que nem sequer hoje estão arredados dos discursos, práxis e contra-teses de tendências embrionárias ou subjacentes a retóricas e estratégias matizadas de certas formações político-partidárias e ideológicas mais fracturantes, radicais ou extremadas nos parlamentos, sedes e lobbies prebendados, alguns com chorudos Euros, dólares ou reais patacas, outros com patacos, intenções e programas falsificados, conforme as clientelas ou as hostes de choque…

O seu texto nesta obra é sobre Edgar Morin. Quais as principais linhas que sublinhou do seu pensamento?
EFR – Edgar Morin, pseudónimo de Edgar Nahoum, nasceu em Paris (08.07.1921), de famílias com ascendência judaica. Sociólogo, antropólogo, filósofo e politólogo, é considerado um dos mais importantes pensadores contemporâneos. Tendo estudado Filosofia, formou-se em Direito, História e Geografia, áreas que marcam os horizontes interdisciplinares da sua vasta obra, especialmente nos campos da Filosofia Social e Política, Ética das Ciências e Epistemologia (onde se distinguiu pelos seus contributos para a reflexão crítica sobre os fenómenos da Complexidade).
– Depois, tendo como fontes assumidas a Etnografia, a História das Religiões, a História das Civilizações, a História das Ideias, a Sociologia, a Biologia e a Ecologia, e após alargar uma primitiva concepção marxista da história, Morin procurou concatenar metodicamente todas aquelas disciplinas e heranças teóricas com decisivos contributos da Psicanálise.



A Europa como Comunidade
de Destino e Renascimento

Na sua obra Pensar a Europa (original de 1987), Morin debruçou-se mais especificamente sobre a chamada questão europeia, tematizando várias vertentes da génese e metamorfoses da Europa enquanto ideia-força e realidade histórico-civilizacional compósita, como caldo de cultura, consciência identitária e comunidade de destino.



– Aqui, após fazer um percurso pela turbilhonária história intelectual, cultural e política da Razão Ocidental, Morin analisa as sucessivas mudanças de identidade, metamorfoses e “purificação” dos projectos de construção europeia, paralelamente às mutações e evoluções da Ordem Mundial, à reconfiguração dos blocos, à superação dos messianismos nacionalistas e às tentações hegemónicas, geoestratégicas, científicas e financeiras, defendendo ao final que também assim na presente encruzilhada dos países, povos e regiões da Europa e do Mundo, dever-se-ia passar à assumpção plena e generosa de uma memorial, justa e solidária comunidade de destino prudencial, feita de unidade na multiplicidade e iluminada pela esperança no advento de uma nova idade de ternura e racionalidade, qual paradigmático segundo Renascimento, “aberto a todos os horizontes do mundo” e a todos os Povos da Terra, única morada ecológica da Vida, da Consciência e da nossa frágil Humanidade, na imensidão infinita do Cosmos.
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(*) Texto revisto da Entrevista concedida ao jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 03.08.2019).
Nota: A primeira versão, foi publicada páginas 2 e 3 do DI de 3 de Agosto 2019:





























Idem. Texto revisto e aumentado, integralmente publicado no jornal
"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 7 de Agosto 2019):


























Idem, em "Atlântico Expresso" 

(Ponta Delgada, 12 de Agosto 2019):