sábado, junho 20, 2015


Autonomia e Realismo
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1. Não há dúvida nenhuma que estamos, para o bem e para o mal, como que condenados a voltar regularmente a textos que lemos, ouvimos ou escrevemos, tal a recorrência de temas e problemas com que nos defrontamos no dia a dia. E desta vez é ainda à causa e por causa da Autonomia Regional açoriana que regressamos, conforme adiantei a propósito do discurso do Representante da República na Cerimónia do 10 de Junho (onde foram notórias as presenças e as folgas...).


– E foi assim que, depois de relevarmos as primeiras partes daquela intervenção pública, logo sinalizámos as explícitas palavras do Embaixador Pedro Catarino no concernente às designadas questões de bloqueio institucional ou estatutário, em evidente resposta a alguns desenterrados e confluentes ditirambos contra o Estatuto e contra a existência mesma da figura do Representante da República, esquissos desta vez vindas a lume e fogacho retórico por parte do PS e do PSD regionais, qual deles tentando cobrir o lance do outro, até se chegar à nem sequer inédita alternativa e estapafúrdia proposta político-jurídica de substituir aquela entidade constitucional por um “Presidente” dos Açores, ente absurdo e dissimulado que o PCP e o BE recusarão e que ao CDS-A repulsa (embora o seu neo-aliado PPM o queira referendar...).


2. Recordemos contudo as passagens daquele discurso, no lugar que temos em atenção e que ajuizavam assim:

– “Não podia estar mais de acordo [com Cavaco Silva e Jorge Sampaio], de que não existe hoje nenhum bloqueio constitucional ou estatutário que impeça os órgãos de governo próprio de promover adequadamente, no dia-a-dia, o desenvolvimento económico-social da Região, satisfazendo as necessidades coletivas e melhorando a qualidade de vida das pessoas que nela vivem.

“ (...) Temos um quadro jurídico e institucional que se vai aperfeiçoando e consolidando através do seu efetivo exercício. Ele contém os mecanismos apropriados para assegurar, por um lado, que sejam respeitados em cada momento os limites constitucionais estatuídos e, por outro, para que, com a prudência, mas também, com a ambição desejável, se aprofunde o processo de autonomia regional.


“Mesmo no que respeita ao estatuto do Representante da República (...), estou firmemente convicto de que a existência desta figura constitucional representa uma solução mais descentralizadora e autonomista do que a sua própria extinção, uma vez que esta acarretaria inevitavelmente (...) a transferência para Lisboa dos respetivos poderes, mormente de controlo da constitucionalidade e da legalidade da normação regional. Em vez de exercidas localmente, numa relação de proximidade com a realidade insular, passariam a ser exercidas à distância, nos gabinetes dos órgãos de soberania, tendo como único respaldo os critérios jurídicos fornecidos pelas respetivas assessorias”.

3. Ora perante isto e repostas as coisas neste pé, que mais acrescentar ao que escrevi em “A Constitucionalidade Jurídica e o Demérito Político Regional” (19.01.2014), a não ser apelar à clarividência e à responsabilidade crítica de toda a sociedade açoriana e seus órgãos representativos, perante aquela confrangedora e (ex)contemporânea arremetida – a reboque da conjuntura ou a saldo de contestações intestinas? – contra a própria existência do Representante da República (figura que é logo formalmente mediadora e potencialmente “mais descentralizadora e autonomista” do que outra que decorresse da sua “extinção” e imponderável putativo revezamento...), tal como consta da irrealista e inconsequente proposta (dita “em prol da Autonomia”...) que foi re-destilada pelo PSD-A, pelo seu altissonante chefe (a prazo certo, depois das últimas “renovações”) e que, até maior prova, jungiu todas as mentes e ficções dos seus conselheiros em gabinete e lista...



– Todavia, à cautela, talvez não fosse totalmente despiciendo atenderem uns e outros à necessidade de matutar naquilo a que o presidente do PS (apesar de toda a sua truculência, mais avisado, arguto e hábil do que essa periclitante rapaziada ‘socialista’ toda junta) em tempos chamava de Plano B (!?) não fosse (ou vá!) a jangada autonómica, no meio do enevoado temporal que varre o País – e sob fantasistas bandeiras, com pombas e rolas a sonharem-se águias ou açores (para retomarmos uma sugestiva metáfora usada pelo nosso amigo José Reis Leite) – embater nos seus próprios alcantis, ou afundar-se em perigosos atoleiros, baixios regionais ou elevados espartilhos e conflitos nacionais que a nada de bom conduziriam, nem a ninguém consensualmente serviriam, num futuro próximo, cá e lá!

E depois, como já argumentei em “Autonomia e Estatutos de Menoridade” (14.08.2008), logo era de prever, pelo que se via e insinuava à data, que não seria (nem será!) assim que ganharemos novas e seguras asas, perdida, à toa, a noção da exiguidade do chão, dos recursos e do tempo histórico-político que trilhamos, sem o adequado senso dos limites e proporções, equilíbrios institucionais e verdadeiras e reais prioridades açorianas, enquanto à rebours se insiste, à falta de bem melhor, num tosco e distorcido encabeçamento naquele paradigmático “défice estratégico da ordenação constitucional das autonomias “...



Seja porém como for, certamente que continua a não ser por causa e/ou culpa do actual Estatuto – ou de qualquer limite intrínseco ou extrínseco à vigente Constituição da República como Estado unitário (e do que daí precisamente decorre em termos de princípios de solidariedade nacional e de prudencial divisão de poderes num Estado de Direito democrático como o nosso) – que os mais fundamentais objectivos da Autonomia e do Desenvolvimento ainda estão por justamente assumir e competentemente concretizar, – coisa que alguns dos supostos mentores ou retrógrados padrinhos dos actuais sistema e regime por demasiadas vezes esquecem ou escamoteiam, e em cujos erros básicos de imatura teoria político-jurídica, infantilismo técnico-social ou cínico logro programático, muitos arcos partidários, incauta e imprudentemente, se deixam amiúde enredar, tanto nas ilhas como em Lisboa!

– E já agora, valerá a pena recordar o que Mota Amaral, Reis Leite, Cunha de Oliveira, Álvaro Monjardino e outros, entre nós, com realismo, diplomacia e bom-senso, ainda recentemente, num Debate promovido pelo PSD-A (afinal apenas espectáculo e pré-anunciado golpe de prestidigitação para inútil e fortuito cenário?), testemunhavam, reflectiam e aconselhavam, em vão?!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 20.06.2015):



























"Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 26.06.2015):



























e Azores Digital:



Uma Ecologia Integral
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A nova Encíclica do Papa Francisco (*), Laudato si’ (assim denominada a partir da conhecida e graciosa exclamação de um cântico de S. Francisco) – “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras”... – e programaticamente destinada ao “cuidado da casa comum” que é a nossa criada Terra, surge e desenvolve-se assumidamente na sequência de abordagens disseminadas por múltiplos documentos da História do Pensamento (S. Basílio, S. Tomás de Aquino, Dante, Teilhard de Chardin, Romano Guardini, Paul Ricoeur...), de Papas anteriores (nomeadamente João XXIII, Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI) e do Magistério Social da Igreja, ou recolhidas nas reflexões de “cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais” –, é um texto inovador, rigoroso e incisivo, tanto por tudo o que objectiva e empiricamente detecta, diagnostica e denuncia, como pelo carácter fundamental e sistemático dos horizontes, princípios e valores que propõe e assume teórica e praticamente.


 Teológica, moral, filosófica e poeticamente muito marcada de novo pela particular e específica formação religiosa, espiritual e intelectual, e pela sensibilidade social, ético-política, cultural e civilizacional deste Papa (numa linha de leituras e de tematizações que reúnem, harmoniosa e profeticamente, componentes próprias das suas heranças jesuíticas, franciscanas e latino-americanas), esta Encíclica retoma “argumentações que derivam da tradição judaico-cristã, a fim de dar maior coerência ao nosso compromisso com o meio ambiente”, procurando “chegar às raízes da situação actual, de modo a individuar não apenas os seus sintomas, mas também as causas mais profundas”...


– E logo depois, o documento papal propõe, em consequência e coerência sistémicas, “uma ecologia que, nas suas várias dimensões, integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a realidade”, segundo tão críticos eixos como “a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta dum novo estilo de vida”!


 Perfeitamente organizada numa sequência temática dividida em 6 Capítulos – “O que está a acontecer à nossa Casa”; “O Evangelho da Criação”, “A raiz humana da crise ecológica”; “Uma ecologia integral”; “Algumas linhas de orientação e acção” e “Educação e espiritualidade ecológica” –, a Encíclica Laudato si’ aborda assim, entre outras complexas e graves problemáticas planetárias e ecológicas, a Poluição e as Mudanças Climáticas; a Perda da Biodiversidade; a Desigualdade entre Povos e Nações; o Mistério do Universo e o Destino Comum dos Bens; o Poder, a Globalização e o Paradigma Tecnocrático; o Antropocentrismo Moderno e suas Consequências; a Ecologia Ambiental, Económica, Social, Cultural e da Vida Quotidiana; a Justiça Intergeracional e o Meio Ambiente; o Diálogo para novas políticas nacionais e regionais; as Religiões e a Ciência; a Transparência nos processos decisórios, e a Conversão ecológica,  salientando que tudo isto não é de ordem opcional mas sim uma “questão essencial de justiça”, – porque o Ambiente “situa-se no âmbito da recepção. É um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte”, como exortava a Conferência Episcopal Portuguesa na sua Carta Pastoral “Responsabilidade solidária pelo bem comum” (15.09.2009), citada aqui pelo Papa Francisco...

– Por todas estas razões, esta Encíclica Laudato si’ – Sobre o Cuidado da Casa Comum é na verdade um magnífico, exigente e responsabilizante Tratado de Ecologia Integrada, aplicável àquele mesmo, único e universal Bem Comum de todas as formas de Vida e Consciência que é o nosso Planeta Terra, e que merece assim, por isso mesmo, de todos os Homens e Povos, uma prudencial e profunda meditação e a mais corajosa e urgente tradução prática!
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(*) Texto integral da Encíclica disponível aqui:
http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 23.06.2015):



























e RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/comentadores/eduardo-ferraz-da-rosa/uma-ecologia-integral_47216:




























Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 20.06.2015):



























e Azores Digital: