Na passada quarta-feira, dia em que foi votado o Orçamento do Estado 2012, de obsessões governamentais, contradições penalizantes, tributações totalitárias e desumanas, e de imaturidades e prepotências parlamentares de novos actores e jovens turcos da política portuguesa – cedo de mais e alguns apenas como meros verbos e números de encher agora e ali alcandorados à função de co-decisores e co-orientadores de complexos e difíceis rumos pátrios que somente avistam e aviam de longe… – foram as referências e pesarosas acusações de um antigo ministro e distinto dirigente do CDS-PP (Bagão Félix), ao comentar parte das medidas propostas e aprovadas, pelo seu partido e pelo PSD, na Assembleia da República, conforme constava desse tão importante documento-guia da governança, para ser implemento (até mais ver…) na condução técnico-política do País!
– Todavia e também no mesmo dia e lugar radiofónico (RDP-1), prática e analogamente em idênticas linhas de juízo eram divulgadas as opiniões de outro alto dirigente dos centristas (o empresário nortenho Pires de Lima) e as de um conhecido economista e ex-deputado do PCP (Octávio Teixeira), explicando, uns e outros, as razões técnicas e as suas respectivas reservas e reticências sociopolíticas, especialmente sobre determinados conjuntos de medidas-pacote afixadas naquele OE.
Ora de entre essas directrizes governativas constava a tão contestada subida do IVA para o sector da restauração – homónima e linguisticamente pouco saborosa denominação esta, mas já correntemente adoptada para denominar as áreas de comércio e serviço dos restaurantes, casas de pasto e similares estabelecimentos, que não àquela outra, ao presente bem distante e apenas quase histórica e sebasticamente dita Restauração, com maiúscula, da Independência Nacional e da Autonomia dos Arquipélagos Insulares, projectos estes bem dignos de evocação e tanto mais assim quanto as suas implicadas determinações objectuais cada vez mais comprometidas estão no dramático contexto do País e da União Europeia com as suas bicéfalas (franco-alemãs) hegemonias sobre os Estados que a integram (conquanto cada vez mais dela e da sua moeda única desintegrados…).
Tudo isto tem, aliás, vindo a ser reconhecido à evidência mas submissamente suportado por quase todos os restantes países e nações do velho Continente e também, embora de modo vacilante e oscilante, pelos Estados Unidos da América – estes, por seu lado e para mais engolfados em persistentes problemas, contestações, dramas internos e perigosos jogos e precárias tentativas de gestão e equilíbrio de jogos de guerra e de paz, das ameaças do terrorismo e das manobras da segurança geoestratégica actualmente talvez à beira de novas explosões nos voláteis cenários do Oriente (Síria, Israel, Palestina e Irão).
Por outro lado, a par desta situação tensa, ainda se apresentam muito pouco clarificadas as últimas refrontalizações intestinas no Egipto, na Líbia ou no Iémen (sem crescentes de lua ainda definidos na chamada primavera e nas outras estações do ano árabe e/ou muçulmano, tal como em outras instáveis geografias político-religiosas do planeta), aonde não se percebe ainda muito bem se o que virá a seguir são Democracias (quais e com que modelos?) ou novas e praticamente incontornáveis e imprevisíveis Revoluções.
– Mas, voltando à nossa realidade mais próxima, o que parece cada vez mais ser certo e inquietante é que as condições de vida dos portugueses vão piorar de modo imparável, enquanto vão crescendo os sinais de protesto, revolta, indignação, violência escapista ou simultaneamente criminal, sem que o Povo de Portugal consiga convictamente assumir como coisa sua um outro projecto justo, equitativo e partilhado de solidária reconstrução do País, só então aí relançando-se a economia, garantindo-se a valorização do trabalho e do mérito, assegurando-se o desenvolvimento integral e integrado, harmonioso e complementar de todas as classes e formações sociais, parcelas do território e sectores produtivos!
É claro que as declarações de Bagão Félix, Pires de Lima e Octávio Teixeira visavam o OE 2012 do Governo central e a situação global do país, tal como as também recentes declarações e análises de Cavaco Silva, Mário Soares, Jorge Miranda, Boaventura de Sousa Santos, Manuela Ferreira Leite, Marcelo Rebelo de Sousa ou Freitas do Amaral (entre as de outros, que valeria ainda a pena escutar criticamente) o fizeram, mas tendo como horizonte mais vasto o estado da Europa e do Mundo.
Porém, com certeza, nem umas nem outras a ninguém deixaram desapercebidos os concretos e bem directos sinais referenciais de um quotidiano que a todos causa tanta desilusão, desconforto e mesma náusea, como se depreende, por exemplo, do texto de uma das últimas crónicas de Daniel Oliveira, no “Expresso”:
– “Quando vi Pedro Mota Soares chegar de Vespa a um Conselho de Ministros achei graça. Não pelo exemplo de desapego, que me pareceria fazer pouco sentido. Mas pela falta de pompa, que me agrada. Não acho que os ministros tenham de andar de transportes públicos para serem bons ministros. Tenho pouca paciência para esse moralismo. Mas acho que daria jeito que os ministros soubessem o que são os transportes públicos e espanta-me que seja tão difícil encontrar responsáveis políticos em lugares públicos. Assim como me espanta que o estatuto das pessoas seja avaliado, neste país (e não apenas no Estado), pela cilindrada do carro que têm.
“Acontece que, afinal, a Vespa de Pedro Mota Soares era, como quase tudo neste Governo, fogo de vista. Ficámos a saber que, no seu trabalho, usa um carro de 86 mil euros. Alugado por quatro anos. Não esperaria que o ministro da Solidariedade se deslocasse pelo país, com uma agenda que seguramente é carregada, numa scooter. Não me incomodaria que ele se fizesse transportar num carro confortável onde pudesse ir trabalhando enquanto viaja. Mas é indispensável que o faça num carro tão caro? Quando o seu sensível ministério levou um corte brutal, quando se tiram prestações sociais a tanta gente que passa dificuldades inimagináveis, não seria de bom tom manter alguma parcimónia nos seus próprios gastos?”…
– Mas por falar em carros do Estado, dizendo os dísticos ou chapas, que entre nós lá se encontram colados, que os mesmos são apenas para “uso oficial”, o que é que continuam fazendo desse conceito e usufruto muitos dos responsáveis regionais nas suas certamente muito preenchidas e concorridas agendas, corridinhas executivas e tarefas públicas? E o que justificará tanta viatura, com combustível e à espera na porta, com ou sem motorista, a toda e qualquer hora do dia e da noite, a todo e para qualquer percurso diário, até mesmo para a mera, pronta e curta ida para o local de trabalho, ou nas gigantescas vias rápidas, avenidas, ruas, ruelas e canadas ilhoas, para tanto autarca e dirigente e sub-dirigente da administração e serviços públicos da RAA, Autarquias, Serviços, Centros, EPEs, EMs, etc?
Sem cair em contendas mesquinhas ou em descabidos zelos de poupança, todavia, quem vê o que a nossa gente diz e sente, e cada vez mais vocifera ou depressivamente padece por aí, não pode deixar de admitir que há mesmo coisas obsessivas e escandalosas, – desde a perigosa e desapiedada tirania financeira dos agiotas bolsistas e dos usurários capitalistas europeus, até aos impiedosos ditames do Orçamento do Estado 2012 (conquanto aqui alguns deles possam decorrer efectivamente da famigerada herança da desgovernação socratista e dos seus apaniguados fautores ou símiles internos e externos), passando por muitos e variados tipos de viaturas, carruagens e vagões de interesses (de pequenas, médias e altas cilindradas) usados ou implementados por grande parte de toda uma classe política pindérica, parasita e cínica, aí incluída muita da ridícula corte dos poderes e aparelhos político-partidários e tecnocráticos que nos cercam, mentem e enganam, com os seus enfatuados amanuenses conjunturais, na maior e mais impune regência do sistema e com o mais retinto dos descaramentos pessoais e orgânicos!
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Publicado em http://www.auniao.com/noticias/ver.php?id=26200e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 04.12.2011)