segunda-feira, setembro 24, 2018

Um Diplomata Singular:
Memórias e Visões de Franco Nogueira


O corrente centenário do nascimento de Franco Nogueira tem vindo a granjear inusitados destaques. Tendo conhecido, dialogado pessoalmente e estudado o pensamento e a acção deste ministro do Estado Novo, que sentido e importância vê nesses realces actuais?


Tendo presente a pessoa e a obra do Dr. Franco Nogueira (1918-1993) e o relevo que por estes dias o seu legado histórico-documental, crítico-ensaístico, cultural e político-diplomático justamente mereceu em diversas instituições e em alguns meios intelectuais e mediáticos, constato nessa renovada atenção – mas também em outras meras curiosidades de um falso, diletante e fútil suposto “escol” muito afim de uma massa sonâmbula de cidadãos e eleitores, e de mais ou menos levianos operadores e agentes da comunicação social...

(E neste parênteses relembro mesmo a mirabolante e sintomática inserção de uma imagem do galego generalíssimo Franco a ilustrar ali uma orelhuda notícia televisiva sobre o nosso antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros!)...




– Todavia, constato, vinha a dizer, nas verdadeiras, justificadas e merecidas atenções à sua distinta figura e acção, e concomitantemente ao período histórico-político, sociocultural, civilizacional e espiritual em que viveu, mais um potencial factor para estudo objectivo e aprofundado conhecimento de uma época tão crucial e decisiva na existência nacional como aquela que o País atravessou no Pós-Guerra, aí radicalmente comprometidas de modo real, pragmático-racional, doutrinário, filosófico e axiológico (porém ainda segundo categorias imaginárias, míticas e retóricas...) as representações e as mutações planetárias, neste caso mormente as nossas ancestrais configurações coloniais e ultramarinas, no complexo, acelerado e perigoso contexto euro-atlântico, americano, africano e asiático com que Franco Nogueira teve de lidar, primeiro como diplomata de carreira e depois, durante quase uma década, nos anos 60, como ministro de Salazar e de Portugal.


Comemorações e Homenagens



Entretanto, devo salientar, nesta efeméride do centenário do seu nascimento (17.09.1918), promoveu anteontem, em Lisboa, a Associação de História do Estado Novo (ASHNO), em colaboração com a SHIP (Sociedade História da Independência de Portugal), uma Sessão Solene de Homenagem ao Embaixador Franco Nogueira, nela tendo participado e intervindo também Aida Franco Nogueira e Joana F. N. Estrela (respectivamente sua filha e neta), com alocuções do Tenente-General José Batista Pereira (presidente da Mesa da Assembleia Geral da SHIP), Dr. José Alarcão Troni (presidente da Direcção da SHIP), Dr. Alexandre Lafayete, Prof. António N. Lorena, Prof. Jaime Nogueira Pinto (“Alberto Franco Nogueira, Um itinerário político-ideológico”), Coronel Brandão Ferreira (“O mundo conturbado em que Franco Nogueira viveu”), Embaixador António Tânger Corrêa (“Uma abordagem diplomática e pessoal”) e Dra. Joana Franco Nogueira Estrela (“Testemunho”).



Na mesma sessão foi relançado o livro Homenagem e Evocação ao Embaixador Alberto Franco Nogueira, obra editada pela nossa SHIP e então apresentada pelo General Manuel Themudo Barata no primeiro aniversário da sua morte, com textos memoriais de Joaquim António de Aguiar, António Martins da Motta Veiga, Henrique Martins de Carvalho, Joaquim Veríssimo Serrão, Jorge Borges de Macedo, João Hall Themido, António Ricciardi, José Alarcão Troni, Jaime Nogueira Pinto, José Valle de Figueiredo e Carlos da Silva Gonçalves.




Um Espólio notável

Por outro lado, a doação do monumental Espólio, ainda não trabalhado, de seu pai, que Aida Franco Nogueira acaba de fazer ao Arquivo do Instituto Diplomático do MNE (Ministério dos Negócios Estrangeiros), a cobertura jornalística de tal evento (nomeadamente no “Público”) e a publicação de algumas crónicas alusivas ao evento (como a de Nuno Rogeiro na “Sábado”), recolocaram, ou podem vir a proporcionar, novas abordagens à acção e ao pensamento de Franco Nogueira.



E isto na mesma medida em que uma reavaliação criteriosa dos seus desempenhos diplomáticos, ministeriais e parlamentares, a par de uma releitura interpretativa do seu situado pensamento fundante e da sua filosofia política, tal como subjacente ou expressa nos seus ensaios e reflexões (A Luta pelo Oriente, Terceiro Mundo, Debate Singular, As Crises e os Homens, Juízo Final, etc.), até mesmo como “doutrinação política de inegável alcance e profundidade”, nas palavras de Jaime Gama, que partilho, poderiam – talvez... – ajudar-nos a pensar e agir de modo a procurar conciliar a “tradição nacional na condução dos interesses do estado e a perspectiva democrática como base ética de legitimar qualquer modalidade de poder”.



Mas devo salientar que, apesar dos trabalhos já feitos e desenvolvidos, que bem conheço, sobre a vida e a obra de Franco Nogueira – e que sobremaneira nos interessam de vários pontos de vista ... –, muito haverá ainda a desbravar e descobrir em tão vasto, complexo e sugestivo campo.

Em que circunstâncias, que recordações pessoais e que impressões reteve de Franco Nogueira e da sua obra?

Conheci-o na década de 80, em Lisboa, no Colégio Universitário Pio XII, onde o Embaixador era visita e conviva praticamente semanal do nosso Director, Padre Dr. Joaquim António de Aguiar, seu indefectível amigo e confiante confidente, que a ele me apresentou e com quem, em comum, partilhei memórias e ideias.



– A sua presença ali vinha desde 1960 e prolongou-se até à sua morte, apenas tendo sido interrompida durante o exílio de Franco Nogueira, em Londres, de Setembro de 1975 a Abril de 81, e naturalmente enquanto esteve preso abusivamente durante 7 meses no Forte de Caxias, no rescaldo revolucionário do 28 de Setembro, após ter sido ignobilmente detido pelo COPCON a ordens do chamado “Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e LP”, na altura chefiado por Guilherme Conceição Silva (oficial da Armada, militar do MFA e Secretário de Estado da Comunicação Social, irmão de Tomás Conceição Silva, futuro ministro da República para os Açores). O Embaixador detido foi libertado a 13 de Maio de 1975, sem julgamento...

Foi-me pois assim dado conhecer, conviver e dialogar muito próxima e assiduamente com o Dr. Franco Nogueira, além de ter podido receber e consultar as suas publicações e assistir às suas notáveis Conferências, no âmbito dos programas preparatórios dos Encontros Internacionais de Estudos Europeus.

– A este propósito, por exemplo, remeto ainda para os Textos Evocativos (1999) e as confissões diárias de Um político confessa-se (1986) de Franco Nogueira, e para o volume Educação e Cidadania, em Memória do Padre Joaquim António de Aguiar (Coimbra, Almedina, 2017), livros que serão sempre testemunhos inolvidáveis de vida, cultura, pensamento e solidariedades muito para além de pontuais convergências ou divergências de ordem ideológica, política ou meramente interpretativa da História e dos Homens imersos nas crises do Tempo ou em tempo de Vésperas...



Mas Franco Nogueira foi não só um profundo conhecedor do nosso País e do Mundo – incluindo os Açores que estão presentes na sua vida e nos seus combates diplomáticos, mas cuja abordagem específica e de relação multimodal deixo para outra ocasião e desenvolvimento futuro... –, quanto ainda foi um cultor da escrita, de finas análises de leitura e cultivo das letras, crítico literário, historiador, observador acutilante, frontal e amiúde humorista, por vezes “imperial e impassível” (como o definiu um membro da conflitual administração Kennedy...).



Dele guardo pois a lembrança viva de um temperamento rijo, republicanamente timbrado desde cedo, estoicamente religioso, porém sem qualquer beatice clericalista, enfim, um carácter íntegro e patriótico, uma personalidade clássica e como que filosoficamente dialogante mas autónoma, homem prudente, reservado e resistente nos seus firmes princípios e valores, e nos seus sonhos por igual, quase angustiadamente debruçado sobre os sinais do Abismo da humanidade, os ventos do Tempo e as grades da História:



– Daqueles ventos e grades (O Vento e as Grades é o título do livro de poemas que escreveu naquele incomunicável fecho físico da sua clausura prisional...), que ele sentia estarem a desaparecer num mundo em mudança, sem remissão de partida ou retorno, para si e talvez para a Pátria, quem sabe se simplesmente a entristecer numa qualquer praia lusíada, ou nas muralhas naquele mítico forte de S. António, face ao Oceano e sob um fantástico Céu estrelado de Portugal, como ele narra, tão visionária e poeticamente, numa espécie de antiga e iniciática vigília de armas, ao lado do seu Príncipe...
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(*)  Texto revisto da Entrevista concedida ao jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 22. 09. 2018). 

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Em “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 29. 09. 2018):





Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 22. 09. 2018):






















Azores Digital:

http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3354