sábado, julho 26, 2014



Identidade e Diásporas



1. Tal como foi comentada e muito apreciada, especialmente nas redes sociais, a notícia publicada pelo jornal “Diário Insular” na sua edição do passado dia 17, elaborou um bom e fiel resumo de todas as três Conferências e Debates do Painel realizado no dia anterior e subordinado ao tema “A diáspora e identidade açorianas: o caminho para realçar o potencial dos Açores?”, conforme constava no Programa da 1.ª Universidade de Verão promovida pelo Instituto Açoriano de Estudos Europeus e Relações Internacionais (IAEERI).


Ali, nas minhas intervenções, fiz uma análise do conceito de “diáspora”, que retomo nesta Crónica, a partir do seu principal paradigma bíblico, religioso e histórico (isto é, a Diáspora do povo judeu), articulando-o filosófica e sociologicamente com as novas diásporas da Modernidade e do Pós-Modernismo, com a chamada "diáspora açoriana" e com a tão debatida problemática da “identidade açoriana”.

– E assim foi exposta a origem e evolução do vocábulo e do conceito diáspora, derivado do grego e significando dispersão, migração ou colonização, e também como termo adoptado pela versão dos Setenta para traduzir diversas expressões de pessimismo existencial ou destinal usadas no hebraico (nomeadamente pelas comunidades judaicas radicadas fora da Palestina após o exílio e cativeiro da Babilónia).


Todavia, depois, esta expressão foi transitando gradualmente para o âmbito das ciências sociais, filosóficas, teológicas e literárias, generalizando-se ainda mais recentemente nos estudos sobre a globalização, a des-territorialização de minorias migrantes ou de grupos étnico-culturais, a reconfiguração das pertenças transnacionais e trans-regionais, os novos cosmopolitismos e nomadismos, os neo-tribalismos (centrífugos e centrípetos...), etc., com a constituição de múltiplas inter-redes reais e ficcionais de comunicação e informação, partilha ou sobreposição de vivências e mundos, todos eles afinal implicados em dinâmicas societárias, políticas, discursivas e psíquicas de identidades outras e de narrativas transferenciais alternativas...

– Ora é precisamente aqui que o problema teórico-prático das diásporas deve ser acoplado dialecticamente ao problema da identidade e das suas metamorfoses, sendo que esta questão tem vindo a ganhar ressurgimentos críticos desde os alvores da Modernidade até ao Pós-Modernismo, tanto na perspectiva da reflexão filosófica (sem a qual o essencial deste tema, enquanto ainda questionamento da subjectividade, da alteridade e da intersubjectividade, permanece impensado!), quanto nos âmbitos (inter)disciplinares da sociologia, da antropologia e dos estudos históricos e culturais, nomeadamente sobre a consciência, a identidade e a memória colectivas (estas, tal como as dimensões axiológicas e simbólicas da Tradição, sempre potencialmente evolutivas ou regressivas...), sem esquecer o que aí existe de consciente e de inconsciente, de reminiscências sedimentadas, vivas e criativas ou mortas e apenas procriadoras e societariamente reprodutoras ao modo primário ou recalcado dos mecanismos sonambulescos, dos comportamentos infantilizados ou dos actos programadamente manipuladores das consciências, num tempo e num espaço potencialmente retrógrados, alienados e sem grandeza humanizadora...


Neste contexto, portanto, é que foram formuladas as nossas perguntas sobre as mutações geracionais e as (im)permanências modelares de uma “identidade açoriana” activa, tanto no Arquipélago como nas nossas Comunidades diaspóricas, fazendo-se então radicar precisamente nessa reflexão objectiva a única via sólida e legítima para a (re)descoberta dos verdadeiros factores de “potencial dos Açores”, na Região e fora dela!

– Finalmente e segundo reafirmei, porém “potencial” dos Açores é que não serão certamente aquelas peregrinas e ilusórias acções de incensamento meramente retórico, cuja latência de engano e desilusão recorrente é tantas vezes despudoradamente agendado apenas para preencher rotinas ou granjear prebendas cuja suposta radicação na “açorianidade” (ou melhor, em interesses mais ou menos obscuros dela alegadamente derivados...), não contêm, na verdade, nem virtualidades nem virtudes dignas de qualquer esperança ou credibilidade...

2. No referido Painel abordei ainda várias das questões mais críticas relacionadas com a ligação das nossas Comunidades imigradas aos Açores e vice-versa (do ponto de vista comunicacional e informativo, cultural, económico, comercial, turístico, religioso, associativo e político).

– Por outro lado, mais reservadamente do que Reis Leite (que em boa verdade perspectivou o assunto com evidente prudência), não defendi tout court  nem sem mais o Voto dos imigrantes e dos não-residentes nas Eleições Regionais, antes ali implicitamente anuímos na complexidade democrática e técnica da questão (conforme de resto tem sido reflectido diversa ou confluentemente por Álvaro Monjardino), especialmente do ponto de vista da representação popular proporcionada e do seu consequente enquadramento político-constitucional e estatutário, apesar de, por minha parte, concordar com eles no que se refere à existência e valorização do Povo Açoriano, parte integrante, embora diferenciada, do Povo Português.


3. A questão da “vergonhosa” política de transportes – a que os açorianos em geral (residentes, emigrantes e imigrantes), e todo e qualquer visitante também, tem estado historicamente sujeitos – foi de facto referida por mim com bastante veemência (como não podia deixar de ser no contexto da abordagem efectuada), conforme aliás, para além da leitura académica, pude testemunhar pessoalmente ao referir casos exemplares, tanto nos Açores como nos Estados Unidos da América e no Canadá, não só relativos à dita política propriamente dita, quanto também ao modo como os nossos imigrantes açorianos são tantas vezes (mal) tratados por serviços aeroportuários, diplomáticos e consulares, e por várias companhias de aviação (incluindo a “nossa” SATA!), o mesmo, ou semelhante, infelizmente, acontecendo em vários países europeus com outros cidadãos e migrantes portugueses!


Contudo, nesta denominação de política de transportes deverão ser incluídos múltiplos dossiers, alguns historicamente ignorados, pendentes, esquecidos ou deliberadamente esbanjados em custos e aplicações, incluídos aí não somente as momentas ligações e transportes aéreos (tarifas; tabelas promocionais; rotas; destinos; horários; frota; placas giratórias do exterior e no interior; parcerias empresariais; esquemas e critérios de nomeação, selecção e escolhas de administração, gestão e de pessoal; contratos de trabalho, seus conteúdos, regalias e constrangimentos; modelos de serviço e atendimento em terra e no ar, articulação com a promoção turística dos Açores, etc., etc.), quanto também toda a estrutura logística e técnico-funcional dos transportes marítimos (passageiros e carga de/para o Arquipélago e inter-ilhas), e bem assim os transportes terrestres (desde as controversas scuts às redes viárias, com as conhecidas necessidades orçamentais, de segurança e de manutenção...).

– Foi pois neste espírito e com estes conteúdos pensados que proferi a citada intervenção, na sequência de muitas outras que tenho feito no mesmo sentido e para defesa dos interesses (direitos e deveres) dos Açores e dos Açorianos (onde quer que vivam, trabalhem e lutem por uma vida mais digna e feliz do que aquela que lhes foi negada na sua Pátria, no seu próprio País e nas nossas ilhas)!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 26.07.2014):



























e "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 27.07.2014):





Os Leiloeiros da Pátria


As últimas semanas – tão recheadas de episódios cujo significado real só terá paralelo na sua confluente significação simbólica –, se vistas pelos olhos de um ficcional viajante planetário que resolvesse seguir sincrónica e diacronicamente o trânsito secular e os momentos pontuais dos calendários solares ou lunares das diferentes civilizações e povos da Terra – desde as sólidas mas misteriosas e enleantes muralhas da China até às decadentes matrizes da tardo-imperial Razão europeia, ou logo um pouco abaixo e para diante até aos frágeis e minúsculos ilhéus vulcânicos que emergem das cicatrizes da grande dorsal do Atlântico... –, não deixariam por certo de pô-lo de olhos em bico (irados ou lacrimejantes, conforme o teor das suas pupilas histórico-culturais, ético-espirituais e geopolíticas)!




 – Todavia, deixado entre parênteses tudo aquilo que nestes dias ter-se-lhe-ia mostrado como mais digno de registo e reflexão universais (desde os horrores bélicos nos trovejantes e mortíferos céus euro-asiáticos da Ucrânia até às reacendidas fogueiras dos para-bíblicos, sangrentos e sanguinários massacres e contra-terrores no Médio Oriente), talvez não escapassem a tal observador (quem sabe se por natural afinidade histórica ou reminiscência de leitura de algum clássico da literatura dos ancestrais filhos de Luso...) algumas das mais edificativas cenas e peripécias tragicómicas que se vem desenrolando nas marés e areais pantanosos de um quotidiano Alcácer-Quibir interno onde jazem destroços e pastam os gusanos da agiotagem, impune corrupção político-financeira, imperante garotice e baixeza de carácter das castas e aparelhos sociais ali e aqui promovidos à custa da exploração do Povo e das despudoradas fragilidades de uma “democracia” apenas nominal, disfuncional e acéfala, enquanto tudo e (quase) todos são compráveis ou vendidos neste babélico mercado de interesses, onde, desde a mercenária cacofonia político-partidária nacional e regional até ao internacional tilintar argentário das línguas na CPLP, cabem todos os leiloeiros das nações e da Pátria, de cara ao léu ou travestidos de “governantes”...

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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 26.07.2014):