Um Cenário de Debates
com Sentimento de Pertença
1. Sábado, 8 de Fevereiro, com o workshop “Evolução e Futuro da Autonomia Açoriana”, iniciou o PSD-A
na ilha Terceira (Angra do Heroísmo) uma série de anunciados diálogos abertos e
debates públicos, certamente com vista a mais dotar o partido (dirigentes,
activistas e quadros actuais, um ou outro dos seus ideólogos ou teóricos em funções,
e alguns dos seus simpatizantes e eleitores em geral) com restaurada reflexão e
aprofundado acervo de valores sobre a Autonomia, no quadro de tudo o que vem emergindo e evoluindo no mapa global e integrado
da Europa e do Mundo.
– Trata-se de um projecto que tem
justificação e mérito expectáveis em
princípio, embora a sua modelação, prioridade temática e respectivos
efeitos práticos e estratégicos permaneçam ainda por clarificar, tanto mais
quanto a chamada à mesa de certos nomes, actores e intervenientes político-institucionais e partidários de
vários quadrantes (na maioria, por ora, com díspares percursos e empenhos
sobejamente conhecidos e comprometidos nas reais voltas, reviravoltas e rumos
desde sempre decisórios na Região, com excepção do PCP), traz a esta ronda
tanto potenciais de reflexão crítica
quanto riscos de acabar por traduzir-se em novel
cenário, mais ou menos competentemente moderado, apenas para mediatização e só à medida daquilo que já antes se determinou, ou venha a querer depois, alegadamente por consenso, consumar.
De resto, a verdade é que alguns
efémeros e somente convencionados ensaios
prévios de agitação de ideias, ideais e acções na roda de similares ementários nunca propiciaram frutuosa colheita entre nós, ou, tendo-a
armazenado em acomodadas e furadas arcas, dela pouco se viu ou tirou partido
nos partidos e fora deles...
– Ou valerá a pena lembrar o sobrevindo
com tantos Gabinetes “de Estudo” e Grupos “de Trabalho” para isto, aquilo e
aqueloutro, a sério ou para mera propaganda de cartilhas e tabuadas, num devoto
coaxar à beira de tanques (think tanks...)
eticamente secos ou mentalmente estagnados, aonde as águas continuam paradas,
com idêntico lodo ao fundo!?
Seja como for, parece razoável
dar a tais iniciativas (esta do PSD e depois as do PS...) um esperançoso voto de sucesso, para bem
dos Açores e apuro de quem mais digno e capaz se revelará para fazer progredir,
com justiça, racionalidade e firmeza, a nossa Autonomia!
2. Já depois de escrito
este texto, tive oportunidade de assistir, com gosto e por amável convite do
Organização, ao Colóquio aqui referido, que contou, nos respectivos Painéis,
com os apreciáveis e mutuamente complementares contributos de Álvaro
Monjardino, Carlos Raulino, Cunha de Oliveira, Dionísio Sousa, José Decq Mota, Mota
Amaral, Reis Leite e Weber Machado, com moderação de José Lourenço e Vítor
Alves.
– Pelo nível intelectual e
cordialidade política e democrática, pertinência crítica, seriedade cívica e sinceridade
pessoal dos trabalhos ali apresentados, não posso deixar de pronunciar aqui uma
palavra de justo reconhecimento e justificado louvor a Duarte Freitas e ao meu
colega e amigo Carlos Pacheco Amaral, empenhado Coordenador deste positivo e
motivador projecto do PSD-Açores.
Independentemente de posteriores
considerações possíveis – algumas mais globalmente apenas balanceáveis a quando
da publicação integral em livro (de Actas,
digamos assim, ou similar, dos textos lidos e das comunicações orais proferidas
nesta Conferência sobre Evolução e Futuro
da Autonomia Açoriana, conforme muito recomendado entre nós todos
assistentes e participantes, e depois confirmadamente anunciado por Carlos
Amaral) –, algumas breves notas finais quero todavia e a propósito ainda
adiantar já hoje.
3. Assim, o primeiro registo que faço é para a feliz constatação de que, pesem embora todos os acidentes, avanços, recuos, impasses, erros, discordâncias internas e conquistas externas da progressiva caminhada autonómica açoriana no pós-25 de Abril de 1974, permanece e sente-se em ocasiões como aquela que se viveu naquele Colóquio um intenso sentimento de pertença aos Açores e ao Povo Açoriano (conceito aliás ali aflorado), – sem esquecer porém os desafios insulares cruciais que a Autonomia teve de enfrentar (e enfrenta novamente agora, mas noutros termos...) a todos os níveis, desde os bem lembrados primeiros embates e rebates constituintes e político-constitucionais sobre o Estado Unitário e as Autonomias Regionais, passando pelas várias configurações pensadas ou propostas sobre um (in)desejado Estatuto Político-Administrativo para o nosso Arquipélago (como Região a construir...), até aos entraves e contrariedades de toda a ordem porque passámos aqui, com tentativas de bloqueio e garrotes que correram pelas – esquecidas ou escamoteáveis? – campanhas nacionais e regionais da famosa 5.ª Divisão, do Copcon, dos cercos a assembleias e congressos, do arbítrio de patrulhas militares e para-policiais, tentações totalitárias, prisões e detenções abusivas do Direito e à revelia da Justiça, atentados bombistas e expatriações de cunho separatista, processos contra a liberdade de Imprensa e de Opinião – que nós próprios pessoalmente sentimos e também um dia destes haveremos de recordar (como aqueles, entre outros conhecidos, que sobre o “Diário Insular” se abateram...) –, enquanto no então recém-eleito Parlamento Constituinte acesos eram os debates em Plenário e dentro dos vários Partidos e sectores político-partidários sobre tanto e muito de tudo aquilo que também respeitava aos Açores e que temos bem presente, documentado e sempre novamente analisável (como algo historicamente situado e ao final democraticamente superado por todos, ou quase todos...).
Finalmente, não pude deixar de ouvir com emoção a referência feita pelo Dr. Cunha de Oliveira a uma viagem de estudo e trabalho (para a então Junta Regional dos Açores) que ele fez, em meados da década de 70 e em lembrada companhia de meu pai, às laboriosas e prósperas Comunidades Portuguesas na Califórnia, tal como ficou aliás assinalado na elucidativa série de Crónicas (depois reunidas em livro prefaciado por Jorge de Sena e posfaciado por Eduardo Mayone Dias), que o jornalista Hélder Pinho produziu para o jornal “A Capital” (Lisboa, Editorial Notícias, 1978).
– Aí, mais do que aquilo que
familiarmente nos foi dado recordar, está também, acima de tudo e para além do
resto que se omite agora, paradigmaticamente assinalado muito daquilo com que sucessivas (quase já três...) gerações de Açorianos sucessivamente
idealizaram, diligenciaram, trabalharam e tentaram
(tantas vezes ingloriamente, em vão, sem autêntico aproveitamento pragmático,
nem reconhecimento de quase ninguém!) fazer
implementar nas nossas ilhas com a Autonomia Constitucional democrática que
o Povo Açoriano (com o seus melhores líderes, esclarecidas elites e cidadãos
empenhados...) tanto vinha (e continua ainda...) apenas sonhando (des)acordado ou – como foi ali incisivamente dito –
sonâmbula e abulicamente sempre e sempre tropeçando na História, qual cego
conduzido por outros não só ainda mais cegos quanto voluntária e culpadamente néscios e impunes!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 11.02.2014):