Guerras e outros Mitos
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A recente vinda de António José
Telo à ilha Terceira constituiu ocasião para voltarmos a ouvi-lo reflectir (e reflectir com ele) sobre História Político-Militar
e Diplomática, Geoestratégia e Defesa, tanto naquilo que nessas áreas está implicado
de múltiplas dimensões
político-institucionais e socioculturais globais,
quanto ao muito que dessas mesmas
questões ao âmbito nacional concerne,
e em específica medida mais interessa aos
Açores (por quanto historicamente nos marcou, diz respeito e continuará a
condicionar).

– Professor da Academia Militar, António
José Telo veio a Angra do Heroísmo, a convite do Instituto Histórico da Ilha
Terceira, proferir uma Conferência sobre os
mitos da Guerra de 1914-18, tendo exposto e analisado, com base em fontes
documentais descuradas e segundo linhas de revisão e interpretação alternativas
às usualmente seguidas, o contexto, factores determinantes e respectivas motivações reais da participação portuguesa
na I Guerra (assim e agora propositadamente desmistificada),
problemática já antes abordada pelo competente e distinto professor da Academia
Militar, embora a partir de arquivos mais cingidos, tal como lemos no seu
sugestivo trabalho “Um Enquadramento Global para uma Guerra Global”, publicado
na Revista Nação e Defesa do IDN.
Nesse texto, o conceituado
académico e investigador, explanando a abordagem que parcialmente retomou em
Angra, escrevia que a beligerância portuguesa na Primeira Guerra “tem fortes
traços de originalidade e, sem os entender em termos gerais, não é possível
compreender nenhum aspeto particular, nomeadamente o enquadramento global que
conduz Portugal para a guerra.
“ (...) Portugal é o único poder
que força a beligerância, não para obter vantagens e ganhos materiais, mas para
se defender. Defender-se contra uma agressão do inimigo? Não! Defender-se
contra os inconfessáveis desejos dos aliados (Grã-Bretanha, Bélgica e África do
Sul) ou dos neutros (Espanha) e, sobretudo, defender-se internamente. A
beligerância forçada foi o caminho que um pequeno grupo de republicanos fundamentalmente
ligados ao Partido Democrático, que concebido a República como um regime
radical, violento e intolerante, encontrou para se perpetuar no poder”.
– E após uma detalhada análise das múltiplas linhas de força e de
interesse, clivagens e influências internas e externas, que se debateram no
respeitante à participação portuguesa na Guerra, António José Telo fechava ali
nomeadamente com o seguinte:

“Como conclusão final pode-se
afirmar que esta é a originalidade portuguesa: uma guerra civil que se mistura
com a guerra internacional, uma posição defensiva onde interno e externo são
inseparáveis, uma política de pedir o impossível a Forças Armadas que foram
aniquiladas na sua capacidade operacional, um papel importante no equilíbrio
entre os dois principais Aliados, um papel importante no despertar dos EUA, uma
densa cortina de fumo onde se mente conscientemente à opinião pública pedindo a
cumplicidade relutante do aliado na mentira, uma gigantesca divisão dos
militares, chamados a lutar por uma política que muitos consideram ser um desastre
nacional, inseridos numa máquina desorganizada, sem o apoio efetivo do seu
aliado e mesmo sem a sua compreensão. É preciso acrescentar que a cortina de
fumo se prolonga muito para além da guerra, pois as forças que estavam por detrás
dos “guerristas” entendem muito bem que a sua única hipótese é insistir na
Nação e Defesa 32 Um Enquadramento Global para uma Guerra Global mentira
inicial, reforçar a ideia que Portugal fez um grande esforço nacional para responder
ao pedido do seu “Secular Aliado”, quando a realidade é justamente o contrário.
É uma cortina de fumo que ainda hoje continua e que torna difícil e mesmo
perigoso, explicar o que realmente aconteceu. Essa é a missão dos historiadores,
preocupados em entender para além das aparências; o resto é a missão, não dos políticos,
que todos são, mas dos maus políticos, que muitos há. Para quem conhecer
Portugal, não é difícil saber quem vai prevalecer. Ou será que alguma coisa de
essencial mudou?”.

– Todavia não posso deixar de mais
registar hoje que António José Telo durante a sua permanência na Terceira também
concedeu uma marcante e pertinente Entrevista aos jornalistas Armando Mendes e
Luciano Barcelos da RDP/RTP-A, na qual tornou
a deixar essenciais ponderações sobre o actual
quadro geopolítico (com relevo para o Índico e o Pacífico!) e o re-posicionamento
das ilhas atlânticas neste novo
contexto geoestratégico global, europeu,
nacional e regional, para além de ter voltado
a acentuar, com toda a razão, a necessidade de um imprescindível
acompanhamento permanente, cogitação aprofundada e produção crítica e prospectiva a partir dos
Açores...

– Ou não se continuasse, como em
1993, a constatar que “raramente há consenso em Portugal sobre qual a sua
estratégia nacional”, que “raramente existe sequer uma elite que elabore um
pensamento coerente nestes termos”, que “só em raros casos podemos dizer que um
grupo político particular tem uma visão elaborada sobre a estratégia nacional
do país”, e que o que há, isso sim, é “uma longa tradição de não discutir em
termos realistas estes assuntos e de ignorar a forma como as grandes potências
encaram Portugal”!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 04.06.2016):
Azores Digital:
RTP-Açores:
e outra versão em "Diário Insular", Angra do Heroísmo, 04.06.2016: