sexta-feira, fevereiro 26, 2016


Devoção Mariana congrega
paradigmáticas significações
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Entrevista ao Jornal “Diário Insular”
(Angra do Heroísmo, 26.02.2016)

 “Diário Insular” (DI) – A VISITA DA IMAGEM DE FÁTIMA AOS AÇORES ENVOLVE NOVAMENTE MÚLTIPLAS MANIFESTAÇÕES E SIGNIFICADOS. COMO INTERPRETA ESTE COMPLEXO FENÓMENO?

                                          Foto: António Araújo

Eduardo Ferraz da Rosa (EFR) – Trata-se sem dúvida de um notável e complexo fenómeno socio-religioso, agora intencional e simbolicamente reactivado no âmbito do Ano Santo da Misericórdia e da preparação das comemorações do Centenário das Aparições, envolvendo e integrando importantes e decisivas dimensões espirituais, antropológico-culturais e teológico-pastorais.



DI – ESTA É A TERCEIRA VINDA DE UMA IMAGEM PEREGRINA. EM QUE CONTEXTO DEVE SER SITUADA?  

EFR – Enquanto manifestação conjunta de uma estratégia evangelizadora da Igreja, de acolhimento valorizante da piedade popular e da profunda componente mariana do Catolicismo em Portugal (marcado por devoções cristãs ancestrais, às quais Fátima e a sua Mensagem vieram trazer específico conteúdo e alcance ímpares), estas visitas das “imagens peregrinas” devem ser compreendidas tendo em atenção todas essas dimensões.

– A primeira, em 1948 (nas dramáticas sequências do pós-guerra) e a segunda (em 1991) traziam, cada uma a seu tempo e modo, finalidades e configurações próprias, cuja apreciação detalhada fornecerá apaixonantes motivos para análise...

                                          Foto: Humberta Lima

DI – A COMPONENTE MARIANA DO CATOLICISMO PORTUGUÊS, COMO DIZ, É RELEVANTE. COMO TEM SIDO ESTUDADA?

EFR – Tal configuração pode ser detectada e relevada tanto na produção histórico-doutrinal, pastoral, artística, festiva, votiva e iconográfica católica (Encíclicas e suas recepções nacionais, Oratória Sacra, Cartas Pastorais, Devocionários, Arte Religiosa, assumpções e reproduções dogmáticas, categorias do discurso catequético, dedicações, peregrinações e consagrações, etc.), como na Literatura (Poesia especialmente), no Pensamento, na Música e nas Ciências Sociais.

                                                                 Foto: Margarida Quinteiro

– No caso de Fátima, toda a complexa fenomenologia situada, sistemática e crítica das Aparições continua a ser motivo para estudos multi-disciplinares cuja importância para a Teologia, a Mariologia e a Cristologia (releia-se a Lumen Gentium...) deve ser realçada, e para a qual a Filosofia, a Antropologia Cultural e a Sociologia devem ser logo chamadas a reflectir em conjunto, para aquilo que é afinal, quando não a partilha das vivências e esperanças de tantas gerações (e orações...) cristãs, ao menos a inteligência ou a hermenêutica da Fé!

                                          Foto: Humberta Lima

DI – NOS AÇORES ESTAS DEVOÇÕES TÊM HISTÓRIA?

EFR – Sim, sem dúvida! História, tradição, brilho e vigência de alma quase intemporais. Desde os historiadores até aos poetas – por exemplo, Antero, com a sua saudade trágica do rosto materno de Deus, ou o Nemésio das laudes à Virgem do Lenço –, sempre um imaginário feminino-mariano está presente...


E para nós, sem ser necessário invocar aqui grandes filósofos lidos ou teólogos conhecidos, ainda revejo e relembro hoje o nosso Padre Coelho de Sousa, lá na minha Praia, fazendo o Sermão da Procissão das Velas, na festa de Fátima, que era de lenços medianeiros e de lágrimas fundas e quentes derramadas ao vento, no adro da Matriz de Santa Cruz, na esperança do perdão, na saudade da infância, do embalo maternal e do socorro da Graça de Maria, – símbolos e metáforas sempre recorrentes na parenética do seu verbo passional e no seu pranto, para dizer, chamar, pedir ou ficcionar o Céu, o Sonho, o Lume, o Divino, o Rosto de Deus na ternura da Mulher, o Silêncio, a Verdade, o Amor, a vitória sobre a rastejante Serpente do Mal e o único e derradeiro alívio de todas as Dores e gemidos da Criação, pela mão e pelos olhos doces da Mãe, unidos ambos nos passos cansados daqueles que vieram (e vão) a pé de muito longe, ao cântico do Avé, Avé, Maria!

                                          Foto: António Araújo
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 26.02.2016):