sábado, outubro 08, 2011

O Cardeal e as mãos da Política



Causaram sintomáticas reacções a diferentes níveis e género de vocabulário e discurso, as recentes declarações, em entrevista ao JN, do Cardeal Patriarca de Lisboa sobre a acção política directa tal “como ela é feita hoje”, sendo que, segundo D. José Policarpo, desse preciso contexto e definido campo “ninguém sai com as mãos limpas”!

– De facto e na sequência da manifestação de tal juízo, logo se multiplicou nos OCS e nas redes sociais toda uma série de comentários também bastante preenchidos por considerações provindas de algumas figuras e personalidades nacionais, regionais e locais, mormente da área político-partidária e jornalística...

Ora, como é sabido, a expressão “mãos sujas” (e/ou a antítese “mãos limpas”) tem sido paradigmática e historicamente usada em múltiplos registos e domínios discursivos (v.g. filosóficos, literários, estéticos, jurídicos, religiosos e morais), significando, real ou metaforicamente, toda uma fenomenologia da culpa e/ou uma espécie de violação, consentimento cúmplice ou atitude de transgressão de princípios ou de valores essenciais (nomeadamente os relativos à liberdade, à integridade do carácter, à honestidade na prática de actos, à autenticidade moral, à coerência entre os meios legítimos e a bondade dos fins, à transparência nas palavras e nas acções, à sinceridade, à verdade, etc.), estando ainda a mesma locução presente em obras literárias de pendor existencial reflexivo, como por exemplo no teatro sartriano de As mãos sujas (traduzido há anos para português por António Coimbra Martins) e no Camus de Os justos (também editado entre nós com um belo prefácio de António Quadros).

– E isto para já não falarmos nas conhecidas operações políticas, policiais e judiciais anti-corrupção que, por esse mundo fora, foram crismadas com similar código expressivo (bastando lembrar apenas as efectuadas no Brasil e as muito solicitadas e perdidas em Portugal, ou aquela famosíssima e italiana "Mãos Limpas" ("Mani pulite"), nos anos 90, que tentou sanear as finanças vaticanas das mafiosas golpadas bancárias e ambrosianas da Loja maçónica P2…

Porém, no caso actual, o que parece ter causado muita e maior indignação a alguns dos ditos e feitos (todos?) comentaristas – para além da ainda razoável crítica a uma possível (ou descuidada?) generalização inclusa no seu pronunciamento (o tal “ninguém”…) – foi o facto daquelas afirmações terem sido proferidas por um alto responsável da Igreja, – e vai daí foi um tal desancar na sua pessoa, na Instituição a que pertence e que também superior e responsavelmente representa, chamando-lhe (sem recuo sequer perante interjeições vulgares e ordinarices linguageiras!) de tudo e do pior, evocando-se à mistura velhas e consabidas misérias históricas reais do Catolicismo, discorrendo-se sobre calhas esquadrinhadas no mais serôdio anticlericalismo jacobino e maçónico, e fazendo-se superficial, ignorante e tendenciosa vista grossa ou distorcida sobre o inciso crítico, perfeitamente balizável e situado, que o discurso de D. José Policarpo comprovadamente contém:

– É que esse, de facto e ainda por cima, só se torna adequadamente interpretável por relação ao natural entendimento filosófico e antropológico da natureza ambígua de toda a acção política (e mesmo da pré-política, como o nosso antigo Reitor da UCP teorizava), tal como, aliás, saliento, acontece com toda a acção humana individual e com toda a própria história global da Humanidade e seus actos contingentes (enquanto e precisamente porque elas são formadas “pelas objectivações espácio-temporais da liberdade do homem, de uma liberdade empenhada e comprometida numa dialéctica de graça e pecado”…), como ele filosófica e criticamente elabora, lógica e consequentemente ainda enquanto teólogo e pastor, entre outros, no seu excepcional estudo Sinais dos Tempos (Roma e Lisboa, 1970/71).

Todavia tais pressupostos antropológicos e reservas éticas não podem nem devem implicar, nem solicitam – como também é bom ressalvar – o fomento do desinteresse, a alienação ou o resignado alheamento, pelos cristãos, da vida e da ordem sociopolíticas nas suas mais nobres, integrais e decisivas dimensões, sendo mesmo que, como a Exortação Christifideles Laici salienta, “As acusações de arrivismo, idolatria de poder, egoísmo e corrupção que muitas vezes são dirigidas aos homens do governo, do parlamento, da classe dominante ou partido político, bem como a opinião muito difusa de que a política é um lugar de necessário perigo moral, não justificam minimamente nem o cepticismo nem o absentismo dos cristãos pela coisa pública”…

– É claro que aqui e ali estamos em campos e universos conceptuais e existenciais completamente distintos, e assim o lamentável e fútil desconhecimento – pelos feitos e ditos comentadores – da pessoa, do pensamento e da obra do nosso Cardeal, não devia ter constituído gratuito móbil para tanta aversão anticlerical, parte dela a raiar até estilos de jacobinismo ou marteladas maçónicas de outrora…

E depois, ainda seria curioso (re)vê-los, a esses, noutras tribunas (políticas, jornalísticas e culturais…) menos esconsas ou ficcionais, mas em coerência de intenção radicada e idêntica verve, erguer semelhantes punhos e setas para bater, tão facilmente à distância ou à socapa, num velho académico e purpurado da Igreja em Portugal!

– Mas termino aqui:

Ainda não há muitos anos, na sequência de uma notável, exemplar e qualificada troca epistolar, depois vertida para livro com prefácio de Eduardo Lourenço, sobre o título de Diálogos sobre a Fé, Eduardo Prado Coelho escrevia a D. José Policarpo:

“O Meu Caro Amigo diz que desde sempre sentiu um desejo de pôr o diálogo em prática. Não tenho dúvidas. Se há algo que define a Igreja portuguesa, tem sido este clima relativamente recente como ela se integrou na democracia e como em muitos planos nos deu, a todos nós, verdadeiras lições de espírito aberto e dialogante. É natural que isto de faça de forma diferenciada conforme as personalidades, os lugares, as tradições e as responsabilidades. Mas a verdade é que a grande linha de orientação que neste momento domina é em muitos aspectos marcada por uma capacidade de ser positiva, afirmativa, expansiva – e isso merece de nós um aplauso unânime”.

– Boa ocasião porém e assim para um purificar de mãos, transparência de ideias e tino nas conscienciosas línguas de políticos, jornalistas e comentadores, tão pouco dignos afinal, nas suas cívica, eticamente (in)visíveis e impunes facetas… do Facebook!

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Publicado em: "A União" (08.10.2011): http://www.auniao.com/noticias/ver.php?id=25539,
"Diário dos Açores" (09.10.2011) e Azores Digital (http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2155&tipo=col).
Primeira versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 08.10.2011).

sábado, outubro 01, 2011

A alma e o corpo do PS

                                                            A consciência das dificuldades impede o facilitismo, enquanto
 a consciência das alternativas impede a autoflagelação".
                                                                                                                       BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

A possibilidade da(s) recandidaturas(s) de Carlos César à(s) liderança(s) do PS-Açores e/ou a um novo mandato como presidente do Governo Regional, como é sabido, continua(m) a constituir motivo de tácitos silêncios externos e debates internos sobre os estados presente e futuro da vida regional, naquele e nos outros partidos, no Executivo açoriano, nos OCS e na opinião pública (aberta ou privadamente manifestada…).

– Porém, e embora uma provável decisão já tenha sido alegadamente tomada pelo próprio – e até mesmo hipoteticamente transmitida a um reduzido e confidente círculo de auditores, agentes, militantes e decisores políticos muito chegados –, talvez que a decorrente resolução final ainda não tenha sido definitivamente pesada, medida e irremediavelmente assumida por ele e por todas as partes, actores e parceiros interessados, muitos deles nem querendo sequer arriscar inequívocas tomadas de posição convincentes, solidárias ou demarcantes, com receio delas poderem vir a condicionar ou, pior, a colidir com o do seu indiscutível líder, – e tanto mais quanto César vai recusando que lhe passem (política e metaforicamente, bem entendido!) “certidão de óbito”, todavia enquanto também, aparentemente, não consente, não fomenta nem incentiva, qualquer sinal ou movimento catalisador da sua esperada reencarnação (como alma aglutinadora, estruturante e dinamizadora…) no corpo bastante desvitalizado, estrategicamente híbrido e fragmentário (sem ele e sem ela…) do próprio PS-Açores!

Ora tudo isto sendo perfeitamente compreensível contabilizando os naturais pressupostos da avaliação partidária, sociopolítica e eleitoral que Carlos César vem desde sempre fazendo, já assim não o será tanto tendo em vista os específicos e legítimos interesses do PS, porquanto, exclusivamente a partir destes, a permanência do seu actual líder, simultaneamente à frente da condução do partido e como recandidato à presidência de um eventual futuro governo açoriano, parece em absoluto potenciadamente necessária, tanto mais quanto os próximos embates regionais se afiguram difíceis e exigentes, a conjuntura (nacional e internacional) problemática e aos presumíveis (alguns somente presumidos!) herdeiros ou sucessores de Carlos César, com todos os seus defeitos e indesmentíveis talentos e qualidades, a uns já não resta tempo para ganhos de maior qualificação estadística e os outros ainda não a possuem… Assim, como é perceptível, os actuais dramas e opções do PS e de Carlos César residem precisamente aqui!

– E as oposições, de corpo e alma, sentindo-o também, impacientemente esperam tirar todas as vantagens de uma sua irreparável claudicação (equivalente a uma isomórfica abdicação sem retorno!), seja ela histórico-política, democrática e constitucionalmente imposta, ou antecipada e voluntariamente infligida como autoflagelação escusada.

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Publicado em "Azores Digital" e "Diário dos Açores" (02.10.2011).
Outra versão em "Diário Insular" (01.10.2011).
 



sábado, setembro 24, 2011

As Qualificações Presidenciais


A visita do Presidente da República aos Açores provocou os mais díspares, antagónicos e contraditórios comentários, avaliações e juízos de valor e intenção, vindos de quase todos os quadrantes, agentes e actores políticos açorianos e continentais, – sendo que isto mesmo pode ser constatado tanto nos OCS regionais e nacionais quanto nas redes sociais que, constituindo também já um relativo indicador societário e ideográfico, cada vez mais desempenham um papel decisivo na formação da opinião pública, na mobilização cívica e na partilha da informação.

– Ora no meio de toda aquela significativa série de pronunciamentos, análises banais, propostas pertinentes (por exemplo as do PCP) ou meros balbucios de júbilo ou afrontamento, merece justamente destaque, registo e aplauso o responsável desempenho institucional e a postura sensata, estratégica e diplomática do presidente do Governo Regional dos Açores, especialmente por relação a alguns dos seus paradigmáticos antípodas (plasmados nomeadamente no segmento de azedume e gaiatice que pautou, como infelizmente já é usual, as sentenças radiofónicas de um controverso deputado do PS à Assembleia da República).

De facto, sendo embora conhecidas e resistentes (e até, uma ou outra vez, escusadamente colidentes) as opiniões e as posturas de Carlos César em relação às ideias, visões e práticas de Cavaco Silva (v.g. no que às Autonomias Insulares concerne), bem argutos, prudentes e pertinentes foram especialmente as suas reflectidas e legítimas destrinças críticas sobre a diferenciação (a propósito dos défices e abismos madeirenses) entre a “estrutura genética”, o bom senso comum e os imperativos éticos e técnicos dos governantes e decisores públicos, – considerandos depois seguidos, na ilha Graciosa, por um delineamento adequado da nova e exigente contratualização constitucional e financeira com o Estado (no quadro das obrigações decorrentes do programa de ajuda financeira a Portugal) e com o actual Executivo central (porquanto, como lucidamente afirmou há poucos dias António Costa numa assinalável entrevista ao DN, “mesmo discordando deste Governo, é preciso trabalhar com ele”).

Porém e ao contrário do talentoso líder do PS-Açores, lá ouvimos, outra vez insolitamente, o dito e mediático orador de fita, desta feita para tecer gaio endosso de  outro destino ao PR (mandando-o preferencial e alternativamente bailar na Madeira!), numa perfeitamente gratuita, míope e tosca avaliação dos contornos e potenciais (e já agora comprovadamente reais!) ganhos açorianos e autonómicos da última peregrinação insular do PR.

Todavia tais declarações tiveram ao menos uma utilidade, nesta altura em que se acentua uma desejável perspectivação da(s) (re)candidatura(s) de Carlos César, e em que, na lista dos putativos seus improváveis sucessores, alguns teimam em fazer deslizar o nome do redito e asseado tribuno:

– É que, de entre o elenco dos compulsivos patinadores no chão encerado dos nossos escorregadios palcos, palácios e bastidores político-partidários, alguns já vão mesmo a caminho de bem merecida desqualificação estadística, de passagem à sala de arrumos da casa, ou de uma bem merecida e aparatosa queda … artística!

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Publicado em:  Azores Digital (http://www.azoresdigital.com/) e "Diário dos Açores" (25.09.2011). 
Outra versão em: "Diário Insular" (24.09.2011).

sábado, setembro 17, 2011

As Teias do Sincretismo


À primeira vista, as caminhadas e peregrinações que por esta altura se realizam na ilha Terceira a Nossa Senhora dos Milagres da Serreta, e o discurso de Carlos César no último Congresso do PS em Braga nada terão em comum; e todavia…

Nos seus estudos sobre as novas configurações dos sistemas, geografias, práticas, crenças e pertenças religiosas contemporâneas – nomeadamente a partir de uma sugestiva proposta de análise das categorias-tipo do convertido e do peregrino –, Danièle Hervieu-Léger salientou a profunda ligação existente entre os processos de construção existencial e simbólica das identidades individuais e colectivas, e as modernas (des)regulações sociais, institucionais e de poder ideológico e espiritual, nomeadamente aquelas que se exprimem sob a forma de um grande sincretismo flutuante e de bricolage.

– E entre nós também assim acontece, pelo que é urgente comparar este fenómeno com outras manifestações formais mas de tangência conflitual no mesmo campo societário, que aqui e ali vão convergindo, tanto mais quanto a mera participação observante nas “idas à Serreta” e seus crescentes e proliferantes catalisadores e adjacências bem o reclama e sinaliza…

Entretanto e por outro lado – citando António Brotas quando escreve que “o PS não volta ao poder, ou pelo menos não volta trazendo um benefício para o País, sem uma grande transformação interna” –, José Medeiros Ferreira, com a habitual intuição, competência, experiência e visão da realidade sociohistórica portuguesa, num depoimento sobre o referido Congresso do PS, com justeza salientou que, sobretudo agora, deverá o partido “manter-se firme na representação política dos mais desprotegidos e de uma classe média largamente ameaçada”, enquanto que um seu novo ciclo implicaria mesmo uma profunda e necessária reflexão crítica, tanto mais quanto os “erros que se podem perpetuar devem ter prioridade no balanço crítico”, com “renovação das estruturas, mas com uma boa mistura de juventude e experiência”, porquanto o “mero critério geracional e a enorme teia de apoios recebidos podem ser o caminho mais curto para o congelamento de uma refundação”.

– Ora de refundação e de outras coisas igualmente responsabilizantes, importantes e a merecer atenção também falou Carlos César na sua assinalável intervenção naquele recente Congresso socialista, conforme está disponível e pode ser revisto em http://www.ps.pt/ps-tv/pstv/discurso-carlos-cesar/itemid-100003.

Porém, para quem conhece os métodos e teias das estruturas típicas de todos os poderes institucionalizados ou simbólicos, o sincretismo das palavras e das acções tanto pode significar um prenúncio refundador de identidades coerentes e de fidelidade a reais valores, quanto também, pelo contrário e infelizmente, poderá não ser mais do que uma mera deambulação retórica, ainda talvez “peregrina”, mas já apenas de “bricolage” ou para inconsequente estratégia de ritualização cíclica…

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Publicado em "Diário dos Açores" (18.09.2011), "Azores  Digital" (http://www.azoresdigital.com/) e ""Diário Insular" (17.09.2011).

sábado, setembro 10, 2011

Diplomacias e Ingerências


Mal sabia eu ao escrever no “Diário Insular” (DI) de 10.05.2008 que um seu Jornalista estaria novamente hoje a ilustrar alguns dos mais mediáticos sítios da nooesfera informativa e política…

– Porém, digo somente alguns, apesar desta retomada distinção muito mais e acrescida ponderação justificar sobre os respectivos conteúdos, significados e alcances!

Ora, na discutida rede WikiLeaks e seus mirrors acaba de ser vertido um Relatório – algo duvidoso na datação (30.01.2009) mas assinado pela então Vice-cônsul dos EUA nos Açores – aonde, visando-se o DI e o mesmo Jornalista, entre outros relevantes factos e dados geoestratégicos, diplomáticos, logísticos, laborais, económicos e deonto-lógicos, é feita uma interpretação do tema da Contaminação do Solo e Recursos Hídricos na Praia da Vitória.

– Todavia, se e quanto a isso parecem agora finalmente reunidos instrumentos político-jurídicos (executivos e parlamentares) potencialmente capazes para a viabilização de uma “ampla avaliação técnica do estado ambiental” das zonas poluídas e dos locais “presumivelmente contaminados por parte das entidades norte-americanas”, após concluído o pendente “processo de descontaminação e reabilitação” – conforme firme Resolução (Proposta do PS), aprovada pela ALRAA em 19.05.2011 e publicada no DR (1.ª série-N.º114-15.06.2011) –, já uma análise atenta das outras partes do dito documento (sobre “A presença militar dos Estados Unidos nos Açores”) poderá e deverá certamente vir a ser exercida pelo que revela, comprova ou desmente.

E isto para não acentuarmos já algumas das distorcidas leituras da realidade regional, das relações bilaterais e das negociações entre os nossos Países, que são ali urdidas contra a melhor e trustful tradição da grande Nação nossa amiga e aliada, à revelia da proclamada nova diplomacia de Solidariedade e rule of Law (que deve fundamentar a única filosofia e prática do Direito e das Relações Internacionais moralmen-te legítimas e soberanamente exigíveis), desde os mais credenciados departamentos dos Estados e das Regiões até ao nível dos pretensamente elucidativos cables de funcionários ou snipers menores (decalcados dos modelos e armas de ingerência das velhas agências consulares coloniais ou terceiro-mundistas, com ou sem real intelligence…).

EDUARDO FERRAZ DA ROSA
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In "Diário dos Açores" (11.09.2011); "Diário Insular" (09.09.2011) e "Azores Digital".

segunda-feira, outubro 18, 2010

A SETE PASSOS DE TI

APRESENTAÇÃO DO LIVRO
A SETE PASSOS DE TI
DE MARIA ARMANDA SANTOS

É sob evocação e para Lançamento da obra A sete passos de ti que intencionalmente começamos e nos encontramos hoje aqui, neste espaço bem simbólico e num envolvimento humano muito significativo, certamente, para todos nós – o que, nesta ocasião, me permito salientar –, porquanto eles, de certo modo, se prendem à vida e às heranças e envolvimentos da nossa jovem autora, Maria Armanda Santos.

Já conhecido o seu perfil biográfico e sinalizadas algumas pistas de leitura no Prefácio que tive o gosto de colocar no pórtico desta edição – e deixando portanto, neste ensejo, para Rodrigo Leal de Carvalho o abalizado desempenho formal de uma Apresentação propriamente dita ao livro cujo vinda a público celebramos, e bem assim endossando à Judite Parreira a sugestiva recitação expressiva de alguns dos seus seleccionados excertos –, limitar-me-ei pois e apenas a pontuar umas breves notas de abertura e mais ou menos de rodapé, mas confluentes, sobre a nossa novelista, a sua obra e os universos da escrita que nelas, ou a propósito delas, me foram suscitados.

Começo por reafirmar que não me foi nada difícil encarar com simpatia e responder positivamente ao gentil pedido que me foi feito para que prefaciasse esta obra:

– De facto, tantos e tais são os factos e as vivências próximas que me ligam à família da Maria Armanda que, ao vê-la, com 18 anos personificando figura de escritora, logo me lembrei que, no seu caso, de comprovado modo, bem se podia justificadamente repetir, como diz o ditado popular, que “quem sai aos seus não degenera”…

Desses seus, familiares relativamente chegados, bem me inclinei logo a lembrar dois (para já nem referir, evidentemente, ainda o nosso Apresentador desta noite, cuja vasta obra romanesca também tive anterior oportunidade de apreciar).

Porém – dizia – desses seus familiares relembro e invoco hoje especialmente Vitorino Nemésio (seu primo, de genealogia mais distante mas firmada) e Armando Santos (seu tio-avô), sob cujos auspícios propiciatórios, digamos assim, desejo precisamente colocar esta promissora estreia literária aqui neste nosso comum berço praiense!

Ora se do primeiro muito se tem dito, feito e escrito (embora menos se tenha efectivamente lido e mais merecidamente estudado, e ainda bastante menos, com razoabilidade e sem saturação contraproducente, se tenha dele e a fundo congeminado outras e desejáveis torres de alguns e melhores emblemas histórico-culturais…), já do segundo, como de muitos outros filhos e valores da terra, o proverbial desconhecimento público por estas bandas será generalizado e quase total…

– Mas quanto a Armando Santos – “primo e poeta” de rasgo (amigo e vizinho e companheiro de poesias, saudades, músicas, teatros e outras fitas), como o reconheceu e nomeou o mesmo Nemésio da "Casa das Tias", suas e comuns (e assim, também ainda, as da Maria Armanda), – ainda estou a vê-lo, tal como o descrevi nas Heranças da Terra, “também ele revolto no sonho (ou quase delírio…) das ilhas, naquele distante e sombrio bairro labiríntico de Lisboa, de pé no banco baixo da sua sala, como que visionário e no mais perfeito virtuosismo praiano: “Ó meu amigo Eduardo, Ó Ferraz da cambitola”, etc., etc., por aí fora, e até aqui, a esta Praia de antigamente, de agora e talvez de sempre…

É claro que falo de escritas, textos, poesias, novelas, contos e casos, mas poderia falar hoje também daquele, digo deste mesmo espaço que acolhe o Lançamento de A sete passos de ti, aqui neste paradigmático enclave conventual da ilustre e notável ex-Vila e do velho Salão Teatro Praiense e da Filarmónica União Praiense que, por via também de muitos empenhos cívicos, societária e culturalmente consequentes de alguns nossos concidadãos, parentes e amigos da Cultura, das Artes (Música e Teatro, nomeadamente) e das Letras de há quatro gerações já, se não me engano, nos une e reúne ainda na nossa Praia!

– E digo nossa, com plena noção socio-histórica e ainda institucional daquilo que este pronome realmente traduz de consciencializada e assumida pertença, velho e quase esquecido ou desprezado capital simbólico de herança e prospectiva, isto é, como resultado das obra dos nossos antepassados e, simultaneamente, como responsabilidade, ainda também nossa, no tempo presente!

– Mas que terá isto tudo a ver com a comemoração, digamos assim, do nascimento e do baptismo do livro da Maria Armanda Santos?, – interrogar-se-ão os amigos e convidados que em tão grande número, e sintomaticamente, aqui acorreram.

– Pois tem tudo!, digo eu, porquanto um Escritor e, por maioria de razão, uma jovem Escritora, também é isto mesmo que neles se reincarna e perpetua: uma memória, uma inteligência, uma vocação e uma vontade de linguagens, afectos, imaginários e valores sempre criativamente renováveis e transmutáveis à luz daquilo que vai sendo inspirado pelo mundo subjectivo, pelas aprendizagens, pelas afinidades liminarmente conscientes ou subconscientes, e depois também pelos mundos colectivos, pelos sonhos e pelos mitos que a todos e a cada um é dado intersubjectivamente viver e narrar…

E posto isto, com que termino, vamos continuar o nosso serão cultural, novamente com A sete passos de ti e com a expressividade das suas figuras e construções literárias, também elas reveladoras – na exemplaridade feliz, e na nova e autónoma existência que todas as obras, discursos e textos sempre ganham relativamente a nós, ou a quem os produz, ao serem lidos, ou dados ao convite da leitura por outros, – e todos, afinal, a seus modos e géneros e destinos diversos, análogos ao risco a às promessas e às esperanças do Amor, esse único e maior sentimento que supera a finitude de tudo e todas as nossas humanas limitações, – tal como a Maria Armanda, tão bela e felizmente intuiu e ficcionalmente lhes deu forma textual e voz genuína nesta sua esmerada primeira novela, conforme tão poeticamente as suas Cartas mais ainda acentuam, para que sigamos, vacilantes ou seguros, confiantes e ressurgidos, os seus próprios passos, pela mão de Alice…

Academia da Juventude da Ilha Terceira, Praia da Vitória, 3 de Setembro de 2010

quarta-feira, setembro 29, 2010

Unidade, Historicidade e Consciência Regional

1. No horizonte da Autonomia Regional Açoriana, se há questões recorrentemente debatidas – diversamente configuradas e respondidas mas permanentemente vigentes, e assim até criticamente constituintes e estruturantes dos diferentes ideários, imaginários e concretizações político-administrativas, jurídico-políticas, socioeconómicas e culturais dos projectos e modelos aqui historicamente arquitectados (pensados ou apenas sonhados, conquistados ou somente outorgados…) –, uma dessas é, com toda a certeza, a problemática da unidade regional entre as nove ilhas do Arquipélago.

– Por outro lado, como é facilmente constatável, a inteira questão da unidade, que não é exactamente sobreponível à outra e fundamental problemática da consciência regional – tal como não é subsumível à vulgar gestão, mais ou menos táctica e tácita, das retóricas ideológicas e dos sofismas político-partidários com incidência e materialização nos distorcidos esquemas, meios, querelas e fins de muita da governação e do parlamentarismo que ainda vemos hasteados entre nós… –, não deixa todavia de ser-lhe conatural, pese embora a sua indisfarçável disparidade de conteúdos e dimensões a nível da opinião pública mediatizada (ou silenciada!), da prática comentarista (mais ou menos inócua e unidimensionalmente anestesiante) ou até das prédicas e falas do senso comum e das suas impressivas narrativas, fábulas e mitos (às vezes proverbiais e precaucionais, porquanto marcados por décadas e acumuladas lições de experiência feita e conhecimento de causa…).

2. Embora só no Século XX tenha a reflexão sobre a especificidade identitária dos Açores e dos Açorianos atingido um mais relevante e incisivo corpus teórico-prático institucionalmente materializável – dele constando núcleos accionais e críticos sobre o atraso, o progresso e o desenvolvimento insular, o fomento de uma administração capaz e capacitada, e sobre a unidade regional e os factores mais representativos, reais ou fictivos, de uma legitimação historicizada da Autonomia (enquanto modalidade possível de auto-governo ou livre administração do Arquipélago, no contexto nacional português e no crucial horizonte euro-americano…) –, só depois da Revolução de 74 e à bolina de derivas separatistas e de avanços, recuos, lutas, repressões e conquistas democráticas insulares e portuguesas (todas com fenómenos de dissensão, conversão e reconversão doutrinária, estratégica e sociológica que não vem a caso e medida retomar aqui), é que ficou, finalmente, consagrado um substancial e merecido estatuto constitucional autonómico.

– E isto apesar de, em verdade, desde bem cedo na História, na Historicidade, na Historiografia e em múltiplos outros domínios, acontecimentos e registos temporais, narrativos, geo-antropológicos, simbólicos e psico-existenciais açorianos ter sido possível detectar, ou ter relevado, presenças ou marcas daquilo a que José Enes chamou de pensamento de uma sociedade sobre si mesma e do que ela forma através da sua experiência histórica

3. É no campo do devir e do acontecer histórico, filosófico, político e societário das nossas ilhas que tem sido assim detectados, ou apenas propostos ou sugeridos, vários índices sinalizadores ou modeladores de uma espécie de potencial ou latente intencionalidade de fundo ciclicamente emergente e afirmativa da Açorianidade, ou seja, de uma ontologia regional tornada cônscia como identidade e como consciência insular açoriana propriamente ditas (conquanto só depois formalmente plasmadas na ordem jurídico-política objectiva enquanto e como Autonomia), mas sendo precisamente que, a par destas categorias e com elas, sempre aí esteve pressuposto um determinado conceito crítico da existência ou da construção da nossa debatida unidade regional!

Depois, é por isso mesmo que – tendo presente toda uma possível, embora não unidireccional nem unívoca fenomenologia do espírito da Açorianidade (tematizável ainda dialéctica mas praticamente desde os primórdios do Povoamento até hoje, em perspectiva trans-histórica, multidisciplinar e multissectorial) –, uma reflexão aprofundada e livre sobre estas afins e confluentes problemáticas e paradigmas se torna novamente muito urgente, perante uma realidade global em profunda mutação e acelerada reconfiguração nacional, pós-imperial e pós-colonial, aonde a solidez dos afectos das gerações, as solidariedades comunitárias (mais ou menos imaginadas, como as classifica Benedict Anderson, mas à escala continental, regional, étnica, religiosa ou até neo-tribal…) e as irmandades destinais de outrora perderam muito do seu perfil tradicional e do seu significado consensual, substituídas que estão sendo pelo primado do efémero, do provisório, do pensamento mole ou movediço, da liquefacção ou da fragmentação de duplo sentido das fronteiras éticas, cívicas e psico-comportamentais (como propõe Bauman), do mercado unidimensional das mensagens, dos projectos virtuais, das linguagens discriminatórias, dos hábitos dúplices e predadores, e da disseminada violentação biopolítica da Humanidade, da Natureza e dos seres vivos e sencientes, – como se já nada pudesse ou valesse a pena ser preservado, com bondade e boa-vontade, em nome de uma verdadeira, autêntica e justa grande unidade de Espírito e de Ser, de coração, de utopia ou de esperança…

– De resto, exemplares momentos reveladores destas complexas e multimodais problemáticas universais (e da sua epidérmica recepção provincial…) entre nós, sempre natural e temporalmente situados na historicidade das ilhas e nas diversas configurações epocais da sua conscientizada assumpção prática, têm sido e mais poderiam ser ressaltados nas obras clássicas dos Cronistas Açorianos; na arquivística documental e no memorialismo; na conceptualização geopsíquica, filosófica e antropológico-cultural; na produção estética, plástica, musical, etnográfica, folclórica e iconográfica; no discurso jurídico-administrativo das sucessivas tendências e movimentos autonomistas; na criação literária (poética, contista, romanesca e teatral); nos valores, cosmovisões e ritualidades da religião cristã e da religiosidade popular; no capital simbólico e comunicacional pan-insular; nas migrações, mobilidades e diásporas internas e externas, – enfim –, na convivencialidade e intercâmbios académicos, científicos, associativos e grupais ilhéus…

4. Ora assim e só assim sendo, a questão da unidade real das nossas ilhas – discutida às vezes apenas e cinicamente a partir de referências menores e de interesses exclusivistas, ou de medíocres e inconsequentes artifícios e malabarismos político-partidários (que já nem prestariam sequer, como outrora, inter-distritalmente, inter-ilhas, inter-concelhiamente e por aí abaixo, para “inocentes remoques de vizinho”, como escrevia Vitorino Nemésio, nem mais servirão para improdutivamente entretermos “a nossa humaníssima concorrência nos penhascos”…) –, talvez encontrasse, alternativamente então, um fértil, construtivo, digno e unificado campo para uma regeneração cada vez mais urgente de ideais, práticas e discursos açorianos (insulares, mas racionais e generosos!), e para uma reflexão renovada, séria e prospectiva sobre o género de vida e o modelo de sociedade e de valores que queremos construir e legar aos nossos vindouros, nesta terra comum e com as nossas existências partilhadas.

Ilha Terceira, Setembro de 2010
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* Publicado na Edição Especial, subordinada ao tema Açores Unidos, do Semanário "Expresso das Nove" (Ponta Delgada, 23.09.2010) e reproduzido em "A União" (Angra do Heroísmo, 29.09.2010):


domingo, junho 20, 2010

Augusto Gomes: Uma Evocação de Memória à Porta da sua Casa

Em boa hora deliberou a Junta de Freguesia de Santa Luzia concretizar esta justa Homenagem a Augusto Gomes, inserindo-a – e bem! – numa série de outras iniciativas conhecidas, já programadas e anunciadas, e visando, todas elas, assinalar a vida e a obra de pessoas e instituições cuja existência esteve, ou está, de múltiplos, honrosos e exemplares modos, ligada a esta parcela da cidade de Angra do Heroísmo e aos seus patrimónios humanos, histórico-culturais e cívicos.

Deste unânime reconhecimento dá pois hoje sinal esta empenhada Junta de Freguesia, fazendo colocar uma Placa em sua Memória e Evocação, na presença associada – que também saúdo nesta cerimónia e nas que se vão seguir –, dos representantes das nossas principais autoridades camarárias e concelhias (Presidente da Assembleia Municipal, Dr. Ricardo Barros, e Presidente da Edilidade, Dr.ª Andreia Cardoso), do Rev. Mons. José de Lima, de parentes, amigos, vizinhos e demais amigos e companheiros presentes do homenageado.

A figura que hoje evocamos aqui – mesmo à porta da casa que durante tantos e tantos anos habitou, e que a muitos de nós também hospitaleiramente se abriu para amena cavaqueira, em tertúlia de Cultura e Gastronomia, ou apenas para múltipla e diversificada rememoração de outros tempos, linguagens e modos de viver da nossa terra e das suas gentes –, foi um honrado cidadão, um militar louvado e um exemplar e genuíno amigo da nossa Ilha Terceira e dos Açores:

– Comendador da Ordem de Mérito, Medalha de Mérito Militar, Medalha de Comportamento Exemplar (Grau Ouro), Medalha das Expedições e Medalha das Campanhas de África, Augusto Gomes, nascido em Angra do Heroísmo a 6 de Maio de 1921 e aqui falecido a 21 de Novembro de 2003, deixou-nos preciosos e incansáveis trabalhos de recolha, quase arqueológica, de comunitárias vivências e marcas socio-históricas constantes de uma produção de escrita vasta e variada, mormente em Conto, Teatro, Jornalismo, Crónica e Poesia, para além de uma significativa investigação de referência na área dos Estudos Etnográficos, culturais e populares açorianos, que hoje, bem a propósito e mais uma vez, merece ser recordada com carinho e adequado louvor.

Excepcional contista e apaixonante contador de pequenas grandes histórias do nosso passado – como anteriormente já tive oportunidade de referir –, com rostos, gestos, trejeitos, falas, cantos, olhares, indumentárias, crenças arcaicas e casticismos locais – tudo num paradigmático repositório societário de realidades, personagens individuais e actores institucionais que povoaram os nossos espaços públicos e os confinamentos reais dos nossos quotidianos e dos nossos imaginários mais ou menos circunscritos e privados –, Augusto Gomes dedicou-se também ao Teatro, como não podia deixar de ser em tão animada personalidade…

– E foi assim que ele próprio, homem de palcos e de viagens (com armas, binóculos, bagagens e lentes, por esse mundo de Deus fora e por essas paragens que foram de Portugal…), escreveu, encenou, ensaiou, dirigiu e representou as suas próprias Revistas (Em mangas de camisa, Alagado pingando, Talvez te enganes e Faz-me cócegas), noutras participando como actor (como em De vento em popa, Sabe-se lá e Fatias douradas, de Eduardo Melo), na peça Ao mar (de Manuel Coelho de Sousa), na opereta Glória ao Divino (de Frederico Lopes), ou ainda no seu próprio tentâmen operático regionalista de Amor campestre

Diligente estudioso das tradições e figuras da nossa memória colectiva, de manifestações teatrais, artísticas e gastronómicas populares, e da cultura oral e prática das nossas ilhas e das suas gentes, a tanto emprestou assim Augusto Gomes os seus talentos, verves literárias e ficções narrativas, servidos todos por uma grande capacidade de observação, fixação, reprodução e recriação de muitas das nossas raízes e heranças!

Jornalista de imprensa, membro da Gávea e colaborador da rádio (aqui manteve um rubrica, “À laia de conversa”, no programa Panorama do Rádio Clube de Angra), Augusto Gomes colaborou em quase toda a Comunicação Social açoriana, tendo sido Director do jornal “O Búzio” (órgão da Comissão de Apoio e Dinamização das Colectividades Culturais e Recreativas da Ilha Terceira), Chefe-de-Redacção da revista Ilha Terceira e do jornal “Kit-Bag” (na Beira, em Moçambique), e correspondente do “Correio dos Açores” (nos anos 50) e da revista Cooperação (anos 60). E por mim quero também recordar, com saudade nesta ocasião, a sua amável anuência ao convite que lhe fiz para participar no “Jornal da Praia” e em Diálogos, Suplemento de Cultura, Arte e Ciência que tive o gosto de dirigir no jornal “A União”.

– Em 1966, quando colaborava no jornal angolano “A Província”, foi o nosso escritor premiado (por um conto, depois publicado pela revista Mais Alto) nos Jogos Florais Castrenses de Luanda. Mas já em 1958, nas Comemorações Faialenses do Centenário de Florêncio Terra, havia ganho, com o conto “Perdoe pelo amor de Deus”, um Prémio no Concurso para Conto Regional, tendo sido distinguido, logo a seguir, na Ilha Terceira, com primeiros lugares nos lembrados Jogos Florais das Festas Sanjoaninas de Angra do Heroísmo, com os contos O Silêncio do Amor (1958), Ciúme (1959) e Mulheres (1960) …

A sua obra em livro, variada e muita sugestiva, continua a suscitar interesse e procura, dela constando os seguintes títulos:

Perdoe pelo Amor de Deus (com Prefácio de Manuel Coelho de Sousa), 1981; Cozinha Tradicional de S. Miguel (com Prefácio de Silveira Paiva), 1988 e 1997; A Alma da nossa Gente (com Prefácio de Jorge Forjaz), 1993; Teatro Angrense, Elementos para a sua História (com Prefácio de Joaquim Ponte), 1993; Cozinha Tradicional de Santa Maria (com Prefácio de Maria da Conceição Bettencourt Medeiros), 1998; Cozinha Tradicional da Ilha Terceira, com 5 edições até 2002 (com Prefácios de Jorge Forjaz, Manuel Lamas e Maria da Graça Vaz Cardoso); Filósofos da Rua, com 4 edições até 1999 (a primeira com Prefácio de Emanuel Félix e a última com Introdução de Sérgio Rocha de Ávila e Prefácio de Luísa Flores Brasil); O Peixe na Cozinha Açoriana (com Prefácio de João Gomes Vieira), 2001, e Danças de Entrudo nos Açores (com Prefácio de Eduardo Ferraz da Rosa), 1999.

Ora, se em Filósofos da Rua bem diversificada e exemplarmente revelou Augusto Gomes o seu pendor evocativo de contista e cronista do quotidiano e da convivencialidade de tantas figuras emblemáticas do nosso pequeno burgo, já em A Alma da nossa Gente os usos, costumes, festas, ritos, utensílios, artefactos, devoções e valores e contra-valores do Povo da Terceira reaparecem à evidência possível na sua arte de rememorar e numa visão maravilhada e enternecida dos cenários e dos protagonistas psicossociais, políticos, éticos e existenciais que marcaram e reflectem uma época, uma linguagem, uma plástica geracional e uma paisagem social e poética internamente muito coerentes.

Também por isso – ou melhor, por tudo isso mesmo –, pelo conjunto articulado e pelo respectivo e complementar labor de criação, investigação e conteúdo de arquivo patrimonial antropológico é que as obras deste terceirense de gema deixam palpitar e entretecer, ainda hoje, muito do perfil signitivo mais genuíno e crítico, simultaneamente condicionado e potencial, da alma da chamada Pátria Açoriana.

– E é ainda por isso que esta Homenagem da actual Junta de Freguesia de Santa Luzia ao nosso saudoso Augusto Gomes, tendo sido perfeitamente idealizada mas apenas humildemente concretizada nestas minhas breves palavras, nem por isso deixa de suscitar-nos, com o que gratamente finalizo, o mais sentido aplauso e a mais sincera solidariedade!

Angra do Heroísmo, 13 de Junho de 2010

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(*) -Texto da Intervenção proferida na Cerimónia de Homenagem a Augusto Gomes, em Santa Luzia (Angra do Heroísmo), no dia 13 de Junho de 2010. Publicado na íntegra no Portal "Azores digital" e nos jornais "A União" (Angra do Heroísmo) e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada). Notícia e Fotos em

sexta-feira, maio 21, 2010

Prémio SHIP da Imprensa Regional


A Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), com sede em Lisboa, acaba de atribuir o Prémio Anual de Imprensa Regional de 2010 ao Escritor, Ensaísta e Professor Universitário açoriano Eduardo Ferraz da Rosa, conforme deliberação do respectivo Júri Nacional constituído pelo Prof. Dr. Carlos da Silva Gonçalves (Presidente), Dr.ª Joana Ramada Curto (Secretária-geral da Associação Portuguesa de Imprensa), D. João de Castro de Mendia (Conde de Resende), Dr.ª Maria Noémia Leitão e Hélder Sobral de Mendonça.

O Prémio agora atribuído será entregue durante a Sessão Solene Comemorativa do 149º Aniversário da Sociedade Histórica de Portugal, a decorrer no próximo dia 24 de Maio, no Palácio da Independência, sede da Instituição, em Lisboa – fazendo-se o Premiado pessoalmente representar pelo Prof. Doutor Mendo Castro Henriques, Presidente do IDP –, e foi concedido, conforme deliberação do Júri, ao Dr. Eduardo Ferraz da Rosa pelo conjunto de Artigos e outros Textos publicados nos Jornais açorianos “Diário Insular”, “A União”, “Açoriano Oriental”, “Diário dos Açores” e “Correio dos Açores”, durante o ano de 2009.

Instituído em 1987 por esta Sociedade Histórica portuguesa (http://www.ship.pt/), o distinto Galardão (que inclui um Troféu, um Diploma de Honra e um Prémio Monetário), destina-se a “galardoar, anualmente, artigos publicados na Imprensa Regional do ano anterior à atribuição do Prémio e que salientem fundamentalmente os valores que contribuem para a definição da Independência de Portugal e da Identidade do País, nos seus aspectos culturais, políticos e económicos”.

Ex-Conselheiro Nacional de Educação em representação da Região Autónoma dos Açores (1991-92), Eduardo Ferraz da Rosa nasceu na Praia da Vitória (Ilha Terceira), a 2 de Outubro de 1954.

Fez Estudos Secundários em Angra do Heroísmo e nos EUA, é Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica Portuguesa (Lisboa), e Doutorando em Ciências Biomédicas no Departamento de Ciências do Comportamento do ICBAS (Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, Universidade do Porto).

Professor Assistente no Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores (1988-1999), leccionou na Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo e foi Director da Biblioteca Geral do Hospital de Angra do Heroísmo. É Investigador Associado do SEEBMO (Serviço Especializado de Epidemiologia e Biologia Molecular) e Consultor do Governo dos Açores (SRPCBA).

Antigo Assessor Cultural das Câmaras Municipais de Angra do Heroísmo e da Praia da Vitória, o Dr. Eduardo Ferraz da Rosa é Sócio Efectivo do Instituto Cultural de Ponta Delgada, da Academia Mariana da Horta, do Instituto D. João de Castro, da SHIP e do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira.

Com vasta produção bibliográfica em Livros, Revistas e Jornais, tendo ainda publicado Estudos e Ensaios académicos na revista Portugueses, Revista Portuguesa de Filosofia, Arquipélago, Boletim do IHIT, Atlântida e Insulana, Eduardo Ferraz da Rosa colaborou e colabora em todos os OCS dos Açores (Jornais, Revistas, Rádio, TV e Portais Digitais, sendo Colunista residente em “Azores Digital”), tendo também dirigido diversos Suplementos de Cultura, Arte e Ciência nos Jornais “A União”, “Diário Insular” e “Jornal da Praia” (Quinzenário de que foi Membro Fundador e seu primeiro Chefe-de-Redacção),

A Sociedade Histórica de Portugal é um instituto de Cultura e de Educação que visa a defesa da Identidade e da Independência de Portugal. Fundada em 1861, a SHIP é Pessoa Colectiva de Utilidade Pública (desde 1987), Grande Oficial da Ordem Militar de Cristo, Medalha de Mérito Municipal (Grau Ouro) da Câmara de Lisboa e Membro Honorário da Ordem do Infante.






quinta-feira, abril 22, 2010

Entrevista ao Jornal "Correio dos Açores"

1.ª - Nome, naturalidade, cidade e país onde reside?
– Eduardo [Manuel] Ferraz da Rosa.
Nasci na Ilha Terceira (Praia da Vitória), no dia 2 de Outubro de 1954.
A minha Mãe era terceirense e o meu Pai do Faial.
Moro agora em S. Mateus (Angra do Heroísmo).

2ª - O primeiro livro que leu?
– Não me recordo de qual terá sido essa primeira obra, para além daquelas publicações, muitas, que integraram as minhas leituras escolares, infantis e juvenis, porquanto nasci e cresci sempre rodeado de centenas de livros (especialmente de Literatura, Contos, Filosofia, Ciência, Arte e Religião).
Mas sei bem que comecei a ver e a ouvir ler, contar e recitar pela mão e pela voz de minha Mãe, desde muito pequeno...

3ª - Quando sentiu o chamamento para a escrita?
– Talvez tudo tenha começado familiarmente a partir daquelas primeiras lições de iniciação poética, expressiva, comunicacional e profética da Palavra…, logo seguidas de irreverentes intervenções socio-políticas e jornalísticas, de experimentações poéticas e teatrais, e depois progressivamente com a aprofundada percepção comovida e a assumpção voluntariosa das virtudes, das limitações e dos recursos da Linguagem, do Discurso da Razão e do Pensamento Crítico face às coisas, aos rostos e ao Mundo que me rodeavam e que se me afiguravam como precisando de ser olhados com o coração e reflectidos com ternura, amados com Alegria, transformados pelo Perdão e unicamente salvos pela Justiça e pela Graça…

4ª - Qual é o seu género literário?
– Tenho produzido Estudos, Ensaios e Trabalhos Académicos nas minhas áreas de especialidade e de docência na Universidade, de trabalho institucional e de investigação histórica, sociológica e científica, a par de Crónicas, intervenção sociopolítica e jornalística, Crítica Literária e Poesia.

5ª - Na Escola Primária era habitual ter boas classificações nas redacções?
– Sim, e na oratória, na leitura poética e na expressão verbal, expositiva e argumentativa também…

6.ª – Há algum livro dos seus que gostaria de reescrever?
– Obra propriamente já escrita, não! Porém, a poesia de O Mar este Silêncio deverá ser retomada lá mesmo onde ficou guardada ou suspensa…

7.ª – Quais os livros que publicou e o mais recente?
– Sem contar com as obras em conjunto, ou por mim editorialmente organizadas, os títulos, em edição autónoma ou publicados em separata, são principalmente os seguintes:
E o Mar este Silêncio (Poesia), com Carta-Prefácio de Vitorino Nemésio, 1980; Vitorino Nemésio: As Metamorfoses do Homem Interior, 1988; Vitorino Nemésio, Uma Poética da Memória, Prefácio de José Enes, 1989; Açorianidade e Autonomia, 1989; Esboço do Percurso do Método da Análise Expectante - Linguagem e Ser em José Enes, 1990; Uma Hermenêutica Trágica da Experiência do Mistério: Finitude e Esperança em Antero de Quental, 1991/93; Luís Bernardo Leite de Athaíde: Uma Estética da Açorianidade, 1991; Maria e a Ternura de Deus em Antero de Quental, 1992; Almeida Garrett, os Açores e a Praia da Vitória: Duas Memórias Garrettianas da Praia no Bicentenário do seu Nascimento, 1999; Memória Biobibliográfica Vieiriana, 2000; Heranças da Terra, 2000; De Vitorino Nemésio a António Cordeiro: A Restauração de Portugal como Ideal Histórico Açoriano, 2001; Memorial da Praia da Vitória, 2002; Nemésio, o Brasil e os Descobrimentos, 2002; Poder, Tradição e Utopia: Nemésio e a Autonomia dos Açores, 2004; O Risco das Vozes, Prefácio de Carlos Reis, 2006, e Sombras – Fotomemória e Antologia Musical, 2008.

8.ª – Indique-me um livro de um escritor açoriano de que gostaria de ter sido o autor.
As Saudades da Terra, de Gaspar Frutuoso; mas também O Pão e a Culpa, de Vitorino Nemésio…

9ª - Como se relaciona com outros escritores?
– Regularmente bem, com sentido crítico, solidariedade partilhada, estima mútua e amizade.
Procurei sempre dialogar com todos, da minha e de outras gerações, lê-los e estudá-los, na medida em que isso me foi possível em tempo, temáticas, estilo e gramáticas de compreensão de ideias, práticas, símbolos e valores…

10.ª – Pensa enriquecer como escritor?
– Esta é uma pergunta para sorrir… Não, claro que não!
De resto, sempre vivi do meu trabalho, embora tenha tido a sorte de nascer numa Família que pôde dispensar-me os meios para estudar, comprar livros e música, viajar, conhecer o Mundo, frequentar excelentes Escolas e Universidades, sem nunca ter sentido muitas das carências e das dificuldades a que outros, infelizmente, estiveram (e estão!) sujeitos.
Mas comecei a trabalhar, dando aulas, ainda com 20 anos…

11ª – Que livro nunca recomendaria a um amigo?
– Nunca recomendaria um livro tosco, pontuado com banalidades e mal escrito, ou que semeasse apenas o obscurantismo, a degradação das vozes e da linguagem humanas, a alienação afectiva, a cobardia e o rebaixamento intelectual, o vazio ou a subjugação espiritual!
Mas, em todo o caso, recomendaria sempre, como Nietzsche, qualquer obra aprumada e altiva, que constituísse um aberto desafio à inteligência e um firme apelo à coragem da procura do sentido, de modo criativo, livre e nobre, como quem oferece não a rédea mas o estribo, ou o selim, para o corcel da viagem…

12ª - Que livro gostaria de deixar e que ainda não escreveu?
– Um livro que revelasse as dimensões humanas, profundas e densas da memória, do imaginário e da esperança, a partir dos tempos, dos lugares e dos seres que incarnaram na minha vida, a partir da Praia da Vitória, e onde tudo o que aprendi existencialmente e estudei se fundisse com os signos universais e as permanentes cifras do Mistério do Futuro…

(Entrevista conduzida por Afonso Quental, para o Jornal "Correio dos Açores. 
Ponta Delgada, 22 de Abril de 2010)

quinta-feira, janeiro 14, 2010

Políticas de Integração Curricular
e Desintegração de Competências



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Mal sabia eu ao escrever aqui mesmo nesta coluna do “Azores Digital” na semana passada, a propósito de um empeçado projecto de ensino de Filosofia para Crianças, que as apressadas sentenças de abusiva colagem capitalizadora de uma suposta folha de serviços da SREF não tinha “a mais leve correspondência ao que se passa na verdade das políticas institucionalmente lideradas, tuteladas ou sofridas no quotidiano escolar açoriano…” –, quando, logo agora, uma semana depois, foram a opinião pública e os observadores políticos mais uma vez tristemente confrontados com novas e ainda mais convencidamente expeditas declarações governamentais (também em nome do PS?), desta vez pela própria secretária regional “socialista”, sobre uma proposta do PPM (que aqui passo por alto), de introdução do Ensino de História dos Açores nos currículos regionais do nosso Arquipélago e Região Autónoma.

– Dizendo discordar “completamente” de tal ideia, porquanto, em seu abalizado entendimento científico, pedagógico, académico e político, tal abstrusa inserção fugiria “à lógica que nós entendemos que deverá ser da integração do saber e não da segmentação”, no almejado quadro de “um currículo de educação básica abrangente, um currículo integrador” (sic), – ao que ainda consta, a dita e feita primeira executora da política educativa e formativa do Governo presidido por Carlos César, mais parece ter até conseguido reunir alguns supostos ou simulados (mas talvez apenas ligeiros e afinal contraditórios e pouco aprofundados) consensos ou concordâncias de Sindicatos de Professores, de um ou outro dos curiosos e exteriormente silenciados Deputados presentes na então decorrida reunião da Comissão Parlamentar dos Assuntos Sociais da Assembleia Legislativa regional, onde também parece ter estado presente o reempossado mas novel director regional da Cultura (não se percebe bem, da peça televisiva, se este também lá figurava para secundar as profundas teses da sua hierarquicamente relevada correligionária, se para dar algum prestabilíssimo aval político-cultural ao mesmo sentenciado assunto, ou se apenas para dar, de palanque, outras contas do seu rosário regulamentador de espectáculos tauromáquicos de natureza artística…).

Sem entrarmos aqui e hoje em mais detalhes de análise a este apaixonante tema e relevante problema do Currículo Regional (no âmbito específico da letra e do espírito da Lei de Bases do Ensino em Portugal e de uma também daí devida e co-implicada reflexão técnica e jurídico-programática, da territorialização processual e da gestão dos currículos, dos equilíbrios, na verdade a acautelar sempre, entre a autonomização do currículo e a das escolas, e depois sobre a então sistémica e consistentemente chamada integração curricular…) – questão que se arrasta, sem frutos reais, há anos sem fim nas acumuladas inoperâncias das sucessivas SRECs sociais-democratas e do PS até hoje, nesta vertente, e com a qual aliás se prende não só aquela discussão sobre a Filosofia e a História, mas também a Geografia, a Literatura, a Antropologia Cultural, a Sociologia, a História da Ciência, a Cidadania, o Direito e a Política, etc., e todas estas e outras Disciplinas aqui e ali indeclinavelmente perspectivadas por relação estruturante, efectiva e fundamental com as conhecidas, competentemente já pensadas ou diligentemente repensáveis abordagens e estratégias dos conteúdos e dos modelos curriculares da Escola (isto é, do Ensino, da Educação e da Cultura) –, quero apenas recordar o que se escreveu, subscreveu e ainda pode ser lido e posto em prática por quem, se calhar à margem ou na ignorância expedita dos ideais e das práticas perfilhados no Documento do Fórum 2013 (Açores – Ilhas de Futuro, 2008) e do que sobre esta problemática consta.

Efectivamente, ali, no Capítulo III.3, a páginas tantas (102-110), consta o seguinte, que – sem prejuízo de voltarmos ao assunto, noutro inciso de merecido tratamento –, fica hoje apenas à reconsideração de quem mais aprouver.

– Assim, embora dando por provado (o que não corresponde à realidade!) que a política educativa passada se tenha concretizado em todos os elencados pontos, é ali justamente reconhecido, afirmado e assumido que é preciso Continuar e aprofundar o desenvolvimento e a operacionalização do currículo regional, de modo a incluir no sistema educativo conteúdos que promovam e valorizem, em simultâneo, a diversidade e a unidade dos valores identitários de “ilha”, de “região” e de “país”, sendo que “o desenvolvimento de um currículo escolar regional, complementar do currículo nacional, [é] um passo estruturante para a afirmação das competências regionais na política educativa, sem esquecer, antes valorizando, as condições de competição dos jovens açorianos no contexto nacional”, pelo que, das medidas propostas, constam as adiante bem explicitadas no Objectivo 2, que abaixo seguem ipsis verbis, sem mais comentários, por ora:

1. Identificar os conteúdos identitários açorianos que, podendo integrar os currículos escolares do sistema regional de educação, enriqueçam os alunos açorianos no seu confronto com os seus colegas nacionais.


2. Incentivar o desenvolvimento, por cada escola ou agrupamento de escolas, de programas pedagógicos próprios que espelhem a realidade local, mas sempre perspectivada no contexto da ilha, da região e do país.


3. Promover o conceito de escola como centro da comunidade em que se insere e das comunidades de origem dos seus alunos.

– Ficamos entendidos?

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Publicado em "Diário Insular", "A União", "Diário dos Açores" e "Azores Digital"

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ENTREVISTA AO “DI”
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Sobre a Filosofia para crianças:
Um projecto promissor mas complexo

“Diário Insular” (DI) – Como Docente universitário de Filosofia, com responsabilidades que também assumiu de direcção no Curso de Formação de Professores (CIFOP-Terceira) e como antigo Orientador de Estágios de Professores dessa Disciplina no Ensino Secundário, como encara o projecto de Ensino de Filosofia para Crianças?


Eduardo Ferraz da Rosa (EFR) – Tanto quanto pude observar e avaliar minimamente – também pelas explanações do meu amigo Mário Cabral e por outros testemunhos de alguns docentes de Filosofia e de outras áreas disciplinares que não poderiam ficar à margem de um exigível envolvimento crítico nesse interessante projecto –, parece-me tratar-se de uma iniciativa em si e idealmente promissora, louvável e positiva, muito embora revestindo-se de uma evidente complexidade temática (científica, didáctica, pedagógica e curricular, ou seja teórico-crítica, epistemológica e metodológica), que não poderá deixar de ser integradamente equacionada, com rigor e sistematicidade pluridisciplinar.

DI – Parece-lhe possível e útil ensinar Filosofia a crianças?

EFR – Depende daquilo que se entender por Ensinar, por Filosofia e por Infância
– É por isso que sem uma reflexão prévia e aprofundada sobre as múltiplas e correlativas dimensões destes conceitos, categorias e valores, corre-se o tremendo e contraproducente risco de baratear aquilo mesmo que se pretende redimir ou semear…
De resto, para já não remontarmos à antiquíssima e sempre nova questão dialéctica do ensino-aprendizagem, bastará atender às conhecidas teses de Matthew Lipman (anos 70) e à posteridade das suas experiências e experimentalismos (especialmente nos Estados Unidos e na América Latina, em geografias mentais e até ideológicas muito díspares…), para compreendermos a fundo o que está aqui pressuposto e accionado!
– E depois, Lipman, como, mais tarde, e um pouco em algumas das suas linhas, Allan Bloom…, nem sempre serão lá muito conciliáveis por exemplo com Jean Piaget ou Paulo Freire, ou com clássicos filósofos das tradições naturalistas, iluministas, personalistas, etc., etc.

DI – O seu actual trabalho de Doutoramento (Ciências Biomédicas) pressupõe uma interface muito grande com a Ciência. Vê essa ligação presente no referido projecto de Filosofia para crianças?

EFR – No quadro histórico e sociológico da génese e das sucessivas mudanças de paradigma noético, epistemológico e ético nos saberes, nas artes e nas ciências, nunca o horizonte fundamental da reflexão filosófica esteve distante do mundo fenoménico e técnico-tecnológico da Ciência, sendo até que foi à Filosofia que sempre coube pensar e fornecer o quadro transcendental para o possível (conquanto limitado…) conhecimento do real.
– No projecto aqui em atenção vejo aliás ressaltada uma vertente de co-implicação lógico-matemática (material e formal), mais discutivelmente vista ou dita como lógico-dedutiva, quando me parece que a mesma podia e devia antes ser mais explícita e implicitamente de teor hermenêutico, compreensivo do sentido das coisas e dos seres, por via de uma especial atenção aos universos mais originários da Linguagem e da Narrativa, da Arte, da Afectividade, da Busca e da Revelação do Mistério, da Expressão da Beleza e da Bondade, da Cosmologia Ecológica, etc., e então por aí até às estruturações racionais da ordem e da finalidade…

DI – A Secretaria Regional da Educação e Formação classificou este projecto como “mais um exemplo da dinâmica e empenho das escolas açorianas em proporcionar (...) um ensino de excelência centrado na formação integral das crianças e jovens açorianos”. Quer comentar?

EFR – Prefiro não comentar com delongas, já que essa quase abusiva colagem ao projecto de Mário Cabral não tem a mais leve correspondência ao que se passa na verdade das políticas institucionalmente lideradas, tuteladas ou sofridas no quotidiano escolar açoriano…
– E tal não será certamente por culpa principal ou demissão dos professores; assim e antes, ao contrário, lhes fossem dados e respeitados os tempos, os meios, os devidos apreços e os reconhecidos méritos próprios!

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Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo) e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada)

sábado, janeiro 09, 2010

BALANÇAS DO TEMPO


Especialmente ao terminar cada ano civil – mas às vezes também com incidência sobre outros períodos convencionais variáveis ou padronizados (como décadas, séculos, legislaturas, mandatos, regimes, ciclos de festança, etc.) e cuja percepção de duração se afigura significativa… –, é costume já estabelecido, mormente nos OCS, fazer-se uma espécie de inventário mais ou menos crítico dos doze meses passados, assim a modos de um exercício de reavaliação retrospectiva e global dos principais acontecimentos, factores, agentes e actores que marcaram a vida, a história e os discursos do mundo, dos cidadãos ou de uma determinada sociedade durante aquele mesmo período de tempo.


– Ora, como é evidente, as leituras daquele dito inventário – às vezes também denunciadamente feito segundo parâmetros mais próprios de certos balanços político-comerciais, de balancetes de créditos e de existências malparadas, ou para ajuste de velhas contas pessoais em véspera de saldos… –, que nem por nunca poderem ser totalmente neutros nem incondicionalmente objectivos – e até exactamente por isso… – não deixam lá por isso de traduzir mesmo, ou de insinuar em parte, muitas das linhas de inércia ou de força que, recebidas do passado, vão já regendo o quotidiano e perspectivando os futuros próximos.


Contudo – e tal como se costuma dizer que “a cada cabeça sua sentença”, também aqui, à paralela medida em que vão sendo seleccionados, pesados e medidos os dados do aludido inventário de 2009, sempre conforme os pesos e as medidas que tiverem sido usados na balança das análises e nas contas e pautas dos diferentes observadores e contextos em presença – muitas vezes, mais interessante do que desfiar o rol das escolhas seria analisar a relação entre elas e os seus analistas jurados (júris de selecção ou juízes de opinião…).

No caso provincial da vida portuguesa e das suas periferias, semi-periferias e ultra-periferias – que a tal graduação se chegará facilmente nestes inícios da segunda década do Século XXI e nos alvores comemorativos da primeira centúria daquela indistintamente encomiástica ética republicana que até ao nosso encabulado PR fez subir o tom de um discurso inocuamente moralista e destituído da mínima dimensão historicamente crítica…, – que mais se há-de acrescentar ao que já foi escrito?

– Nada, porventura, que as balanças do tempo não dão para mais e falarão por si à consciência espiritual profunda de cada um, pontual e institucionalmente talvez apenas a par e passo com algumas das vozes mais lúcidas da Igreja, face aos desafios inauditos e aos ventos perigosos que aí estão a fustigar a sociedade portuguesa e a parasitar a deformada alma de um País abúlico, condenado de novo aos expedientes de um medíocre marasmo fatalista e rasteiro, que só tem servido afinal a quem o domina, despreza e explora, com impiedade cruel e proveito garantido…

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In "Diário Insular" e Azores Digital (09.01.2009



sexta-feira, dezembro 18, 2009

Encargos de Advento



A entrega do Prémio Pessoa 2009 a D. Manuel Clemente (Bispo de Porto e presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações) – uma iniciativa do “Expresso” visando distinguir a personalidade portuguesa que mais se tenha destacado durante o ano e que tiver protagonizado uma intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou científica do País –, e cujo Júri (presidido por Francisco Pinto Balsemão) integra Faria de Oliveira, António Barreto, Clara Ferreira Alves, Fraústo da Silva, João Lobo Antunes, José Luís Porfírio, Maria de Sousa, Mário Soares, Miguel Veiga, Rui Baião e Rui Vieira Nery, constituiu uma agradável surpresa intelectual, um bom sinal sociocultural e uma sugestiva indicação ética e cívica bem oponível a outros factos e indícios que marcam (mas pela negativa…) o quotidiano real e mediatizado da vida corrente dos Portugueses:

– “Em tempos difíceis como os que vivemos actualmente, D. Manuel Clemente é uma referência ética para a sociedade portuguesa no seu todo”, ao mesmo tempo que “leva a cabo a sua missão pastoral” e desenvolve “uma intensa actividade cultural de estudo e debate público”, – pode assim ler-se na Acta da Reunião daquele Júri, tal como justamente ali se realça ainda que, para além da sua vasta obra historiográfica, “a sua intervenção cívica tem-se destacado por uma postura humanística de defesa do diálogo e da tolerância, de combate à exclusão e da intervenção social da Igreja”.

Nascido em 1948, Manuel do Nascimento Clemente frequentou a Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, onde se formou em História, tendo na mesma altura sido aluno residente do Colégio Universitário Pio XII (ao que já fizemos referência em Crónica anterior). Concluída aquela sua primeira Licenciatura, ingressou no Seminário Maior dos Olivais (1973), vindo depois a licenciar-se (1979) e a doutorar-se (1992) em Teologia Histórica pela Universidade Católica Portuguesa com uma tese intitulada Nas origens do apostolado contemporâneo em Portugal. A "Sociedade Católica" (1843-1853). Ordenado Presbítero (29 de Junho de 1979), foi coadjutor das Paróquias de Torres Vedras e Runa, Reitor do Seminário dos Olivais e, desde 1997, membro do Cabido da Sé de Lisboa, diocese da qual foi depois Bispo Auxiliar (2000).

Professor na Universidade Católica Portuguesa, onde lecciona História da Igreja e dirigiu o Centro de Estudos de História Religiosa, D. Manuel Clemente é autor de vários livros e estudos sobre temas das áreas de História, Teologia e Pastoral, publicados em edições próprias e Revistas da especialidade, e de entre os quais, entre muitos outros, destacamos:

Portugal e os Portugueses (2009), publicação apresentada por António Barreto, conforme anteriormente aqui já anotámos; 1810 - 1910 - 2010; Datas e Desafios (2009); Um Só Propósito. Homilias e Escritos Pastorais (2009); Igreja e Sociedade Portuguesa do Liberalismo à República (2002); A Igreja no tempo (2000); “A sociedade portuguesa à data da publicação da Rerum Novarum: o sentimento católico” (in Lusitania Sacra. Segunda série. Lisboa, 6, 1994); “Igreja e sociedade portuguesa do Liberalismo à República” (in Didaskalia. Lisboa, 24, 1994); “Fé, razão e conhecimento de Deus no Vaticano I e no Vaticano II” (in Communio. Lisboa, 10:6, 1993); “A Igreja e o Liberalismo. Um desafio e uma primeira resposta” (in Communio. Lisboa, 9:6, 1992); “Clericalismo e anticlericalismo na cultura portuguesa” (in Reflexão Cristã. Lisboa, 53, 1987), e “Notas de cultura portuguesa. Do teatro sagrado ao teatro profano” (in Novellae Olivarum. Nova série. Lisboa, 6-7, 1983).

Ora o actual Bispo do Porto, comentando na altura a atribuição que acabara de lhe ser feita do Prémio Pessoa 2009, salientou então que a referência ética era um quadro de valores, logo precisando que a sua missão era a de estar com as pessoas, “animá-las, dar-lhes esperança” e garantir-lhes que, “como representante da mais antiga instituição cultural do País, estava ao dispor” em tudo aquilo que pudesse contribuir!

E mais na ocasião acentuou o Prelado portuense: – “Agradeço, (…) reconhecendo que não sou merecedor de um galardão como este, que tomo como um encargo e uma responsabilização, também, porque sou um homem de Igreja e tento ser um homem da Cultura e da Sociedade, no sentido mais constitutivo do termo”.

– Humildes, animadoras e exemplares palavras estas, e bem a propósito da exigente quadra que atravessamos, aonde nenhum apenas pontual (voluntarioso, benemérito ou ilusório?) apoio caritativo, psicossocial ou técnico, há-de substituir-se ao trabalho solidário e fraterno da construção progressiva, paciente e pacífica, de um mundo mais livre e mais justo porque integralmente mais humano…

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(*) Publicado em "Correio dos Açores".

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Caudais de Risco e Ribeiras de Desgraça


Ribeira da Agualva e velha Ponte de Madeira destruída pela mortífera Enxurrada de 8 de Dezembro de 1962 (Foto da época).


A freguesia da Agualva, situada na zona norte da ilha Terceira, em conjunto com outras localidades do Concelho da Praia da Vitória, foi novamente atingida este inverno por fortes chuvadas que provocaram enxurradas de grande caudal e imparável violência destrutiva sobre moradias, estradas e redes públicas de abastecimento de água e saneamento básico, – tendo o cenário físico das devastações provocadas já sido, com propriedade, adjectivado de dantesco e diluviano.

– Porém, ao contrário do que sucedeu em outras trágicas ocasiões e eventos catastróficos ocorridos e bem lembrados nos Açores, agora e felizmente, não há vítimas humanas mortais a lamentar, muito embora sejam perceptíveis dolorosas marcas traumáticas pessoais e familiares, e notoriamente avultados os prejuízos materiais apurados em bens particulares, infra-estruturas essenciais e equipamentos colectivos, – sendo que aqui e para a urgente, rápida e competente reposição mais segura e precaucional dos mesmos é de esperar uma absolutamente necessária, devida e determinante articulação reforçada, solidária e supletiva de meios financeiros e técnicos, e de confluentes programas específicos entre a Câmara Municipal da Praia da Vitória, o Governo Regional, as Juntas de Freguesia, os habitantes das zonas sinistradas e as diferentes entidades privadas e público-privadas directa ou indirectamente envolvidas e interessadas numa responsável e responsabilizante resposta a tão momentosa e capital calamidade!

Por outro lado, embora ainda muito em cima dos primeiros e dramáticos momentos e espaços deste sinistro – onde não faltaram as devidas presenças testemunhais e simbólicas de Carlos César e de José Contente –, e também já com uma devida nota de apreço pela capacidade e esforço de intervenção demonstrados pelas autoridades, serviços públicos e associações socioprofissionais e assistenciais mobilizados, a par da histórica e quase heróica dimensão da resiliência novamente avivada na alma do Povo desta terra, – mas exactamente por isso mesmo! –, é que é preciso que, atendendo às ocorrências secularmente conhecidas de alguns (nomeadamente a de Setembro de 1813) ou contemporaneamente preservadas na memória de muitos (especialmente a de 8 de Dezembro de 1962), não se deixe que da cura possível das feridas humanas e da limpeza radical das lamas residuais se passe a um branqueamento estratégico das águas ou ao desvio, apenas errático, perigoso e contraproducente, daquilo que, por adiamento ou interesse de conjuntura, apenas canalizará renascentes caudais de risco e de sofrimento para as ribeiras da próxima desgraça...

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(*) Publicado em "A União", "Diário dos Açores" e "Azores Digital".