sexta-feira, janeiro 25, 2013

O testamento das Lajes



– Lê-se e quase não se acredita no que ali está, mas aqui fica o texto disponível para consulta aberta e livre, neste endereço: http://www.azoresdigital.com/relatampv.baselajes.pdf.

Na verdade, na sequência de uma deliberação tomada, por unanimidade, na Assembleia Municipal da Praia da Vitória (AMPV), a 15.06.2012, foi a respectiva Comissão Permanente (CP) encarregada “de elaborar um trabalho para definir uma posição abrangente e, se possível, unânime, dos Órgãos de Poder Local da Praia da Vitória sobre a importância da presença Norte-americana na Base das Lajes […], bem como o grande impacto económico e social que esta presença tem para a Ilha Terceira e para os Açores”. 

E assim, nesse âmbito, foi decidido “realizar audições a várias entidades e personalidades que têm como área de intervenção e de investigação os assuntos relacionados com a presença Norte-Americana na Base das Lajes, nas suas diversas vertentes”…

Dito e feito: – Entre 30 de Julho e 9 de Novembro de 2012 a dita Comissão Permanente da AMPV promoveu quatro reuniões (sob a forma de “Audições”), nas quais participaram, a conhecidos e consignados títulos, as seguintes personalidades: Armando Mendes, Berto Messias, Emiliana Silva, Francisco Oliveira, Francisco Tavares, José Adriano Borges de Carvalho, João Manuel Barcelos, João Ormonde, José Paim, José Parreira, Norberto Messias, Paula Ramos, Paulo Borges, Paulo Ribeiro, Roberto Monteiro, Rui Castro e Victor Silva. 

Após tais consultas e o documento final elaborado, da responsabilidade da dita CP, dele foi dado devido conhecimento à AMPV, que o aprovou, a 14.12.2012, por unanimidade também!

E depois, ainda desta mesma crestomatia praiense foi feita solene e publicitada dádiva, no passado dia 11 do corrente, ao presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro, só não se sabendo, entrementes, quando ou se será entretanto a dita antologia de depoimentos também pomposa e formalmente entregue, como acordado, ao Governo da República!

Ora, independentemente daquilo que sobre tal ilustrado rebento municipal sobre a Base das Lajes terá de ser posteriormente dito, mas porque se trata de reais interesses e de imagens nossas (açorianas e portuguesas!), não posso deixar de confessar já ter sido com um misto de vergonha e de indignação que li semelhante e suposto "Relatório", para mais numa altura histórico-diplomática e com o destino estratégico e de soberania que, ainda por cima, lhe pretenderam e pretenderão dar…

– Bem sei (calculo...) que o dito “Relatório” não fará propriamente grande história (embora talvez provoque alguma mossa conjuntural, ou suscite dobradas e piedosas risotas historicamente humilhantes para todos nós!).

Todavia, e para além disso, que aquelas espantosas páginas hão-de certamente ficar para a História das nossas ilhas dos Açores (e de Portugal no seu todo, desde a mais humilde freguesia à mais científica e distinta Academia…) como um datado e pequeno monumento (significante na sua insignificância…)  à nossa menoridade, à nossa irresponsabilidade e ao nosso comprometedor e degradante retrocesso político, institucional, social, cultural e mental –, lá disso não haverá a mínima dúvida!

E ainda por cima quando o que ali fica arquivado para a posteridade provém de quem teve, e/ou tem, algumas (grandes e graves?) responsabilidades políticas (e partidárias) na nossa vida colectiva, por maioria de razão, o caso torna-se sobremaneira preocupante, angustiante e gerador de grande indignação, na exacta medida em que, em tão insólito, confrangedor e patético documento, o seu ultrajante e incauto conteúdo somente terá paralelo nas respectivas e quase inacreditáveis formas,  (i)literacias e arrojadas pretensões!

– Tudo isto, na verdade, é muito desolador (e seria carnavalesco, se não fosse dramático). Porém, francamente, ao fim de todos estes anos (de Democracia, de Autonomia e até de Escolaridade Básica...), chegarmos a tanto e a tão pouco, é mesmo de partir a alma!

Sem antecipar nada do que crítica e detalhadamente direi mais tarde, como me pedem, em contexto académico e no domínio de um estudo e abordagem crítica e socio-histórica – que verdadeiramente é aquilo a que me interessa especialmente atender nesta vasta problemática –, apenas quero hoje adiantar que – desde a inconcebível e desadequada metodologia usada, até à analfabeta transcrição técnica dos palavreados gravados; desde o comprometedor e escusado registo de afirmações e desabafos de estados viscerais e ultrajantes para o País e para as suas instituições e órgãos; desde as mais mirabolantes, desinformadas, irresponsáveis ou apenas levianas análises, até às mais inconsequentemente formuladas defesas dos nossos, esses sim, justos direitos, – quase nada do que ali consta abona a favor da Praia da Vitória, da mínima e exigível qualificação dos seus órgãos municipais, políticos e técnicos, até porque a todos eles e à nossa terra os expõe, mais do que o imaginável, a um atroz e ridículo estatuto institucional, pessoal, ético e cultural!

– E finalmente, ainda por cima ter-se pretendido provocar a chamada, e depois formalmente fazer inscrever nas Conclusões e Recomendações deste tosco testamento praiense sobre a Base das Lajes (da exclusiva e inconsciente responsabilidade daquela confrangedora e comissariada instância concelhia!) que se lamentava “o facto de o Comando Português e Comando Americano da Base das Lajes terem recusado ser ouvidos no âmbito deste trabalho”, francamente, nem sequer merece qualquer comentário sério…

Tudo isto que aqui adianto, evidentemente, não invalida o muito e importante que naquelas reuniões, em bruto, foi dito; o que questionamos e rejeitamos de todo é o modo como tudo isso foi tão mal e indevidamente trabalhado e relatado, chegando-se ao ponto de revestir o que ali foi validamente reflectido, ou irreflectidamente desabafado, na mais ridícula, leviana e improcedente demonstração narrativa da nossa dramática (e histórico-político-culturalmente imerecida?) condenação à subalternidade internacional e nacional, em conjugação com o nosso recorrente destino de menoridade e de exploração regional e local!
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Publicado em “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 27.01.2013);
RTP-Açores:
e Azores Digital:
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 26.01.2013).


sexta-feira, janeiro 18, 2013


DOIS RELATÓRIOS LETAIS




A Praia da Vitória está manifestamente atolada num perigoso paul, cujas verdadeiras e reais dimensões histórico-políticas, socioeconómicas, financeiras e estruturais não podem ser escamoteadas a nenhum título nem por nenhum cidadão ou organismo, sob pena de irresponsável cobertura, indigna conivência, abdicação de leitura e cidadania críticas, ou desonroso silenciamento dos mais elementares deveres e direitos de participação consciente e livre na vida actual e nos rumos determinantes do futuro colectivo e individual das nossas comunidades de origem ou adopção, suas organizações e seus múltiplos corpos sociais e políticos (aí incluídos todos os partidos).

– Assim, diga-se já, sem timoratos subterfúgios ou acomodados expedientes, que os dois últimos Relatórios vindos a público e respeitantes à Praia da Vitória constituem documentos altamente letais ou, pelo menos, dolorosa e penosamente confrangedores, quando não até comprometedores e vergonhosos para a sua população, para os seus órgãos representativos e – mais ainda – para os seus instalados governantes, putativos dirigentes, líderes e demais agentes e actores institucionais!



Na verdade, como se não bastasse o Governo Regional dos Açores (1) – a propósito da anunciada e próxima visita de uma delegação económico-militar norte-americana à Base das Lajes – ter vindo, com todas as letras oficiais, classificar de mentirosas, ou falsárias, as abusivas e imprevidentes declarações do prezado, mas politicamente incauto, jovem presidente da Câmara da Praia da Vitória (2), – agora foi a vez do Tribunal de Contas competentemente emitir uma arrasadora e impiedosa Auditoria (3) sobre o calamitoso estado financeiro e a gestão político-económica daquela autarquia terceirense, desmontando contas, desnudando erros e escalpelizando verbas, riscos, escritas e contos e descontos de palmatória ou leviano manejo de enquadramento legal, para – sem apelo nem agravo, nem encobrimento possível… – fazer a síntese criteriosa da dramática situação ali comprovada, pura e simplesmente deste feitio e nestes termos:

–“ A dinâmica imprimida à gestão orçamental no triénio 2009-2011, caracterizada por significativos défices, é incompatível com a evolução controlada da dívida municipal e com a reposição do equilíbrio das finanças municipais a curto prazo”! E para dizer tudo, por ora – estando o texto integral do resultado da Auditoria disponível na Página do Tribunal de Contas, em http://www.tcontas.pt/ –, isto basta...


Quanto ao outro “Relatório” – não menos aflitivo, humilhante (quase patético!) e penalizador para a imagem, as compreensíveis mas bem mal fundamentadas (contra)argumentações, razões e pretensões, realidades objectivas, interesses pragmáticos e direitos da governação e da soberania portuguesa (e norte-americana…), a par das diferenciadas expectativas e contrapartidas legítimas para a Praia da Vitória, para os Açores e para Portugal –, ficará o mesmo para a semana, que o dito não perde pela demora na leitura e na sua conveniente, merecida e pendente análise!
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(1)http://www.azores.gov.pt/GaCS/Noticias/2013/Janeiro/Esclarecimento+do+Governo+dos+A%C3%A7ores+sobre+visita+de+empres%C3%A1rios+dos+EUA.htm.

(2)http://www.acorianooriental.pt/noticia/governo-espera-que-empresarios-potenciem-valencias-da-base-das-lajes.

(3)http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2012/sratc/audit-sratc-rel016-2012-fs.shtm

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Publicado em RTP-Açores:
Azores Digital:
e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 20.01.2013).
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 19.01.2013).


sábado, janeiro 12, 2013


As Lajes em Fogos de Alto



Desmentindo e corrigindo uma anterior (talvez bem intencionada, mas pressurosa…) afirmação adiantada, incorrecta e precipitadamente – e até de modo algo abusivo, incauto, imprevidente e comprometedor …– pelo presidente da Câmara Municipal da Praia da Vitória, o Governo Regional dos Açores (GRA) entendeu “útil e necessário esclarecer”, em Nota Oficial (1), ser falso, e assim contrário ao referido pelo jovem autarca, que “o interesse dos empresários norte-americanos na ilha Terceira” resultasse “do trabalho desenvolvido pelo presidente do Governo Regional dos Açores (…) durante uma viagem aos Estados Unidos, no qual manteve contactos com políticos federais e estaduais com raízes açorianas, no sentido de encontrar soluções que minimizem o impacto da redução militar norte-americana na Base das Lajes” (2)…



Depois – porque o autarca ainda dissera que “esta informação lhe foi transmitida pelo próprio presidente do Governo…” –, o Gabinete de Vasco Cordeiro mais quis acentuar, “Em relação às notícias relativas à visita aos Açores de um grupo de empresários dos EUA”, ser a mesma “uma iniciativa do Governo dos EUA, promovida pela Embaixada dos EUA em Portugal em conjugação com o Comando Europeu há já algum tempo, como foi, de resto, publicamente anunciado pelo Embaixador dos EUA em Lisboa, em dezembro passado”!

– E finalmente, mais sublinhou e concluiu o GRA, para que não houvesse qualquer dúvida local (terceirense e/ou concelhia): “O programa da visita e as atividades a decorrer na Região estão a ser trabalhadas entre as autoridades dos EUA e o Governo dos Açores, sendo que, através deste, é promovida a participação das entidades representativas dos empresários da Ilha Terceira e o Município da Praia da Vitória”…



Ora estes sintomáticos câmbios, toques e retoques de argumentos, posições e mediações, ocorreram mesmo nas vésperas e coincidentes alturas de Vasco Cordeiro, na Praia da Vitória, receber um “Relatório” (3) da Comissão Permanente da sua Assembleia Municipal (sobre a importância e impacto da presença americana na Base das Lajes), logo depois de – para bons entendedores regionais e ilhéus… – ouvirmos todos ser-lhe afiançado, quase afrontosamente para os pequenos (dos) Açores, pela melíflua e soberana autoridade político-militar e diplomática do Ministro Branco, que as relações de Portugal com os USA (como se isso fosse novidade táctica ou estratégica actual de Lisboa…) iam poderosamente muito para além dos doirados “peanuts” (ou autóctones espécimes?) do Campo das Lajes...




Tudo isto tem muito que se lhe diga – e há-de chegar a ser dito, mais dia menos dia! –, muito para além daquelas peregrinas ideias e areias, propostas e mirabolantes cantilenas que agora (nos) fervem de todos os lados, modos e feitios, atiradas ao vento, às marés e às costas dobradas das nossas cada vez  mais novamente adjacentes e impotentes ilhas…


– E pudéssemos nós cantar-lhes hoje as mesmas Cantigas de outrora, como se pela voz do nosso Poeta: “Tanto caga-fogo de alto! / Tanto bidom, tanto prigo! / Cimento não dá pão alvo/ Como dava o nosso trigo.
RTP-Açores:
e Azores Digital:
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 12.01.2013).

sexta-feira, janeiro 04, 2013

As terras de Pessoa



Destinado anualmente a “pessoa de nacionalidade portuguesa que durante esse período – e na sequência de uma actividade anterior – tiver sido protagonista de uma intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou científica do país” –, o Prémio Pessoa 2012 acaba de ser atribuído a Richard Zenith –, cidadão de Portugal por dedicação e louvor  a uma Obra, a de Fernando Pessoa, uma Literatura, a nossa, e uma Língua, a portuguesa, conforme justificadamente explicou e explicitou Pinto Balsemão, ao anunciar o nome daquele último agraciado com o referido e prestigiado Prémio.


– “Não é por acaso – citemos do respectivo Regulamento – que o prémio se chama Pessoa e não Fernando Pessoa. A Unisys e o Expresso criaram, intencionalmente, uma certa ambiguidade entre a figura do grande poeta – que, aliás, nunca foi premiado em vida – e a pessoa, a personalidade portuguesa que, no ano relativo ao prémio, tenha assumido um papel importante para a sociedade em geral”…

E depois, o Prémio Pessoa “pretende […] ir contra a corrente de uma velha tradição nacional, segundo a qual o reconhecimento da importância da obra de algumas pessoas só foi verdadeiramente feito postumamente – tendo sido esse, precisamente, o caso de Fernando Pessoa”.

Mais: “Acreditando cada vez mais na necessidade de intervenção da sociedade civil na regulação do futuro do nosso País, a organização pretende com este Prémio contribuir anualmente para o alargamento e o aprofundamento da obra de tantas pessoas portuguesas, umas mais conhecidas outras menos, que necessitam e merecem ser encorajadas para fazer mais e melhor”!



– Norte-americano, natural de Washington, D.C.; formado em Letras pela Universidade da Virgínia; radicado em Lisboa desde 1987 após ter vivido na Columbia, no Brasil e em França; investigador apaixonado, estudioso e rigoroso tradutor de Literatura Portuguesa (especialmente de Fernando Pessoa, mas também de Camões, Antero e Sophia), – Richard Zenith tem tido na verdade um imenso labor cultural e literário, produzindo e divulgando obra geradora de “entendimento mais consistente” em “domínios relativamente inexplorados”, v.g. os da “aventura pessoana, registados e fixados nos escritos autobiográficos e na fotobiografia de Pessoa” (de quem tem aliás sido editor, “explicador da heteronímia, mas também o grande tradutor da sua poética para a língua inglesa", conforme se lê ainda na Acta do Júri do Prémio que lhe foi agora atribuído).

De resto, a lista sequenciada dos ilustres premiados com esta distinção, desde 1987 até 2012, é bem significativa e merece tornar a ser registada aqui, pelo que revela e exemplarmente sinaliza…

– Assim, são eles: José Mattoso, António Ramos Rosa, Maria João Pires, Menez, Cláudio Torres, António e Hanna Damásio, Fernando Gil, Herberto Hélder, Vasco Graça Moura, João Lobo Antunes, José Cardoso Pires, Eduardo Souto Moura, Manuel Alegre e José Manuel Rodrigues, Emanuel Nunes, João Bénard da Costa, Manuel Sobrinho Simões, José Joaquim Gomes Canotilho, Mário Cláudio, Luís Miguel Cintra, António Câmara, Irene Flunser Pimentel, João Luís Carrilho da Graça, D. Manuel Clemente, Maria do Carmo Fonseca, Eduardo Lourenço e Richard Zenith.


Mas agora, ao reler e fechar este texto, como não tornar a dever sublinhar aquilo que, não há muitas semanas, nestas colunas explicitamente reevoquei e sugeri de Fernando Pessoa e dos Açores:

– Angra do Heroísmo (por ele visitada, há 110 esquecidos e praticamente desperdiçados anos…); a genealogia real: ascendência jorgense (avó e tias-avós) e ramo materno (angrense) da família do Poeta; as casas e as gentes açorianas que conheceu e com quem conviveu (aqui, em Lisboa e na África do Sul); o seu notabilíssimo correspondente micaelense (Armando Cortes-Rodrigues), e – enfim, evidente e reconhecidamente –, os seus vários e diligentes editores, estudiosos e divulgadores açorianos!?

E todavia, que mais se há-de persistir em sinalizar, propor e dar a pensar, conhecer e ver, como no Livro do Desassossego – e também hoje, olhando para o nosso Presépio e para o Menino-Deus de sua Mãe, Pai e Homens seus Irmãos (que continuam, em alegria, a contemplá-lo junto à Manjedoira, na presença mansa do Burrinho, da Vaca, das Ovelhinhas, dos virtuosos Pastores e dos Reis Magos que nos chegam a caminho, na persistente noite que nos cerca e oprime sob o brilho esperançoso de alguma Estrela …) –, quando o próprio Poeta (não qualquer ambígua, presunçosa ou medíocre pessoa de figuração política, antes ele mesmo, o próprio!), reflectia deste modo, ali na sua melancólica e filosófica reclusão:


–“Chove, nesta tarde fria de inverno triste, como se houvesse chovido, assim monotonamente, desde a primeira página do mundo. Chove, e meus sentimentos, como se a chuva os vergasse, dobram seu olhar bruto para a terra da cidade, onde corre uma água que nada alimenta, que nada lava, que nada alegra”…
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Publicado em RTP-Açores:

Azores Digital:
e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 06.01.2013).
Outra versão em “Diário Insular” Angra do Heroísmo (05.01.2013).


sábado, dezembro 29, 2012

Um Final de Ciclo




Coincidindo com o final deste ano de 2012, as notícias e informações correntes sobre a Base das Lajes sinalizam cada vez mais também um outro encerrar de ciclo, ou fim de era, já não apenas no calendário periódico das nossas rotineiras cronologias formais – se é que algumas desse género, e somente assim de modo abstracto, alguma vez terão existido na contagem civilizacional, cultural e humanamente significante dos tempos e do Tempo… –, quanto, muito para além delas, assinalam algo de muito mais profundo, relevante e crítico na própria génese progressiva da História e dos seus ciclos conjunturalmente estruturantes, – a saber, no nosso caso e em primeira ou imediata proximidade, da História Regional e Local, conquanto na esfera mais ampla da História de Portugal e da História do Mundo, com destaque para o Ocidente e para o Atlântico.

– Ora é aqui mesmo que se tem revelado precisamente em toda a sua evidente e intrínseca limitação temática, precariedade metodológica, fragilidade científica e irrelevância político-institucional a maior parte dos discursos, posicionamentos e abordagens que sobre esta realidade una e compósita problemática tem sido produzidos, desde há sete décadas (cerca de 1943 até hoje…) que agora se fecham, sobre e com a Base das Lajes!

É claro que esta percepção não desconhece nem subestima em nada a grande qualidade de alguns estudos (regionais, nacionais e internacionais) sólidos, documentados, críticos e prospectivos, e bem assim a razoável quantidade dos montes e pilhas de páginas, películas e retóricas mais ou menos mediocremente oficiosas (quando não oficiais!), tidas e acolhidas como coisa valiosa e até digna da melhor mediatização bombástica, especulativa ou apenas de pura diversão passageira (à falta de melhor e maior solicitude para tudo aquilo que verdadeiramente interessaria pensar, reflectir e levar a justa consequência).

– Haveremos de voltar a este assunto no Ano Novo que aí vem, batidas quase as aziagas e desoladoras horas de um futuro já próximo, quando tantos açorianos da Terceira vão tornar a ficar condenados, talvez como no Corsário se prenunciava, “não já ‘a ver navios’, como os seus antepassados do alto da Serra da Praia espreitando o ilhéu do Espartel, sem outro horizonte aéreo que não fosse o de milhafres e pombos bravos, mas a ver aviões que nunca mais [os] hão-de levar aonde os seus sonhos o deitavam”…
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Publicado em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2320&tipo=col;
RTP-Açores:
e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 30.12.2012).
Outra versão: Jornal “Diário Insular”, Angra do Heroísmo, 29.12.2012.


sexta-feira, dezembro 21, 2012



Uma Estrela de Redenção




Presença basilar, fortemente simbólica e significativa no Calendário festivo, religioso e comemorativo dos Povos, Civilizações e Culturas da Era Cristã – embora provavelmente com raízes na festa pagã do renascimento cíclico do “Sol Invicto” (isto é, do culto da vitória cósmica do Sol sobre as Trevas no Solstício de Inverno) –, desde sempre, ou pelo menos bastante remotamente, todos os anos por esta altura, e sempre cada vez mais em crescente dimensão planetária, aos mais diversos níveis e nos mais variados campos da existência humana, constituiu o Natal motivo para variadas celebrações, evocações e inspiração para a criação de categorias de Pensamento, concretização de Acções e figurações de Utopia ou Imaginação.

Ora este nosso Natal,

– para além das tradicionais vivências profanas ou de marcado cunho mercantilizante (bem enxutas aliás, estas, devido aos flagelos da austeridade e aos cautelares medos e crises das anunciadas falências de trabalho, saúde e economia que já dobraram em Portugal – para não falarmos do Terceiro Mundo ali e aqui cada vez mais vizinho e batendo à nossa porta… – na esquina alienada do suportável com dignidade, ou, até, do mínimo de possibilidade de subsistência e de existência humama!);

– para além das comemorações familiares, socioculturais, artísticas e musicais que dão alguma graça, brilho, inocência ou enlevo à alma, aos olhos e aos ouvidos das crianças e dos adultos comovidos ainda pela saudade do Passado ou pela esperança do Futuro;

– para além, enfim, das celebrações religiosas ou propriamente litúrgicas, ou das encenadas representações da vária etnografia da Natividade de Jesus, em manjedoura deitado junto a Maria e José, entre pastores, anjos, simbologias animais e ecológicas, bucólicos franciscanismos de Natureza e reverentes Magos...



Para além, de tudo isto – dizia –, que vem entretecendo há séculos a Memória, a História, a Poética, a Filosofia, a Teologia e a Fé no mais profundo sentido redentor do Nascimento do  Menino-Deus (“mensageiro dum Deus universal”), bem lembrado (“Nas ondas do mar de Inverno”), como utópica, angustiada e comovidamente escreveram Aquilino e Nemésio, – talvez que este Natal possa e consiga, apesar de tudo, guardar e reflectir renovadamente todas as coisas e seres, com o Espírito daquela Luz que se abriu e manifestou como Espera ou Estrela de Redenção – oprimida mas resistente ainda a Terra perante o mundo iconoclasta, cruel e injusto que a cegou e continua escurecendo… –, para  que também tudo possa vir a ser redimido e salvo dos sacrifícios e sofrimentos, mitos, injustiças e violências, pecados ou esquecimentos do próprio Homem. 


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Publicado em RTP-Açores:
Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/
e Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 22.12.2012).
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 22.12.2012).



sexta-feira, dezembro 14, 2012

A Cultura do Refugo



Sem ser necessário recorrer às sugestivas propostas de Italo Calvino sobre as virtualidades múltiplas de um regular convívio, ou, pelos menos, de um periódico retorno à leitura dos chamados Clássicos … – tanto dos Antigos como dos Modernos e dos Contemporâneos, sejam eles do Pensamento e da Literatura Universal ou apenas da circunscrita Cultura Portuguesa (ou em Língua Portuguesa) que de tal estatuto plenamente forem dignos segundo minimamente exigentes cânones formais, materiais e estilísticos, e conformes ao exercício lúdico, reflexivo e histórico-hermenêutico da prática da Leitura, evidentemente… –, a verdade é que nada haverá de tão proveitoso (mesmo que dramático ou hilariante…) como dirigirmos hoje o nosso atento e informado olhar crítico para comparar a realidade circundante com o que está guardado (mas suficientemente disponível e vivo!) em muitas e tão ricas páginas do verdadeiro património memorial e imaginário de tantos Livros, Revistas e Jornais...

– Ora é novamente para este tema e para aquilo tudo que nele está ainda fundamentalmente em confluente questão, enquanto e na medida em que a sua mesma problemática entronca na Filosofia da Cultura e na Teoria Social, que se dirige a obra A Civilização do Espetáculo (Lisboa, Quetzal, 2012), de Mario Vargas Lhosa, que acaba de ser editada em Portugal.

Ali, como entendida pelo escritor peruano – Nobel da Literatura (2010), político de centro-direita e novel marquês (título hereditário que lhe foi concedido, em 2011, pelo rei de Espanha) … –, é feita uma acerba crítica à banalização global das artes e da literatura, ao triunfo do jornalismo sensacionalista, à frivolidade da política e ao desvirtuamento da Cultura como consciência da realidade e forma de autoconhecimento...


– E a essas decadentes formas e figuras de distracção alienada e de entretenimento alienante, opõe precisamente Vargas Lhosa os notáveis exemplos de Walter Benjamin e de Karl Popper, depois de ter perspectivado a sua própria reflexão pessoal face às posições, conquanto diferenciadamente aduzidas, de T. S. Eliot, George Steiner, Guy Debord, Gilles Lipovetski, Jean Serroy e Frédéric Martel …

Não há dúvida que este livro tem pertinência, neste advento de novas amarguras culturais, socioculturais, educativas e científicas no refugo circense, mediático e trágico-cómico em que se tornou a contumaz choldra nacional (já justamente zurzida pelo nosso clássico Eça, porém às vezes tão esquecida por alguns zelosos amanuenses institucionais e obscuros políticos…), ali mesmo com as tuteladas abas dos seus mediáticos sombreiros viradas para o mais que fosco vidro da sua indisfarçável mediocridade, incoerência, pressurosa submissão e infame cobardia!

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sábado, dezembro 08, 2012


As lições de Oscar Niemeyer






De entre todas as pioneiras obras concebidas nos anos 40 e seguintes do século XX por Oscar Niemeyer – o grande arquitecto falecido no passado dia 5 de Dezembro (2012) – conta-se o famoso complexo da Pampulha (em Belo Horizonte) que integra a Igreja de São Francisco de Assis (terminada em 1943, mas só canonicamente licenciada e benzida em finais dos anos 50!), uma Casa de Baile, um Iate Clube e um antigo Casino (actual Museu de Arte), – tudo inserido num conjunto arquitectónico concebido e construído em redor de uma límpida lagoa artificial e em harmoniosa convivência com jardins e passeios públicos, pinturas de Cândido Portinari, azulejos de Paulo Werneck e esculturas de Alfredo Ceschiatti, de tal modo que todo aquele projecto, tão modelarmente criativo e inovador, foi mesmo considerado pelo seu autor como inspirador para o posterior e arrojado “início de Brasília” (cidade concebida de raiz pelo urbanista Lúcio Costa e por ele próprio, em 1956, e depois inaugurada, em 1960, pelo presidente Kubitschek, como capital federal do Brasil).




Nascido no Rio de Janeiro (15.12.1907), Oscar Niemeyer, foi indiscutivelmente uma das mais representativas figuras da arquitectura modernista contemporânea, cuja produção estética edificada obedeceu a um geometrismo dinâmico, muito marcado pela predominância monumental de formas arredondadas, pela inserção dos volumes, perspectivas e planos numa envolvência espacial real ou artificiosamente ampla e aberta, pela utilização estilizada e pelo carácter mimético dos motivos geo-ambientais, naturais ou humanos seleccionados.



– Deste modo, todas criações de Niemeyer (também poeta, pensador crítico e etnógrafo…) ficaram marcadas por uma nunca renegada e compósita intencionalidade prática, axiológica, social, ideológica e espiritual, – dialéctica e diversamente assim detectáveis, por exemplo nos traçados do Museu Niemeyer, no Memorial da América Latina, no Palácio da Alvorada, na Sede do Partido Comunista Francês, na Catedral de Brasília, e … em Portugal, no Casino Park Hotel do Funchal, e em três outros projectos ainda engavetados na nossa penúria nacional e no nosso mais do que nominal, afunilado e fatídico subdesenvolvimento crónico: o algarvio Empreendimento Turístico de Pena Furada (1965), a nova sede da fundação Luso-Brasileira, na Quinta dos Alfinetes (1991) e, enfim, o arrojadamente sonhado (por Berta Cabral, honra lhe seja feita!) Museu de Arte Contemporânea de Ponta Delgada (2010), projecto este talvez justificadamente protelado, porém tão incrivelmente incompreendido, ignorado ou esquecido por cá e no País…, até nos mesmos dias em que todo o mundo evocava o desaparecimento e a memória do grande arquitecto brasileiro, resistente político e comunista convicto e coerente!




Sem adiantar aqui e agora mais nada sobre a vida, a personalidade e a obra de Niemeyer – sobre tudo aquilo de que foi símbolo, lenda ou ícone, e sobre os sinais, os olhares e os textos açorianos que com os dele se cruzaram –, lamento hoje apenas o que, nos antípodas das suas leituras teóricas, da sua estética vanguardista e da sua pragmática da Arquitectura, por aí cresce e apodrece, amiúde ainda à sombra de três dos mais insidiosos domínios aonde grassam tantas das nossas recorrentes, medíocres e provincianas mistificações e atentados patrimoniais: a Cultura, a Arte e o Pensamento…

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Publicado em Azores Digital:
RTP-Açores:
e Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 09.12.2012):































Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 08.12.2012).


sexta-feira, novembro 30, 2012

Portugal a Entristecer



Escrevo esta Crónica na data em que, em 1935, morria Fernando Pessoa (Lisboa, 13.06.1888 - Lisboa, 30.11.1935), cuja família materna era de Angra e morou ali mesmo junto ao edifício do já saudoso vespertino “A União”, que hoje também desaparece dos trabalhos e dos dias desta misérrima terra!

– E como se não bastassem esses tristes faustos e efemérides, lembro-me do Vasco (da nossa velha irmandade do Pio XII; do carinho e competência com que tratou o meu filho Tiago na sua adoptiva Graciosa; da sua vinda a Angra para o lançamento da minha Poética da Memória, e do seu tão trágico e derradeiro desencanto) …

E releio a Carta dos 78 (Soares, Bruto da Costa, Siza Vieira, Arnaut, Pires Veloso, Boaventura Sousa Santos, Eduardo Lourenço, Bento Domingues, Barata-Moura, Medeiros Ferreira, Júlio Pomar, Reis Torgal, Carvalho da Silva e Maria Belo, entre muitos outros que a subscrevem), dolorosa e revoltadamente sob os signos medonhos e alegados da perda de “toda e qualquer esperança”…

E enquanto nisto penso, ouço notícias de Santa Maria, com a reconfirmação da bem real, dura e emblemática existência de crianças famintas no Hospital; das galopantes patologias físicas e mentais da população; da pobreza, dos traumas e do desemprego; do garrote dos impostos e do OE; das denunciadas tontices retóricas, prosápias e contraditórias afirmações maquiavélicas da governança lisboeta sobre a Escola, o Trabalho, a Saúde e o Pão…

– E revejo ainda a patética, obcecada e nevrótica figura do PM, enquanto torno a presenciar, com indesmentível espanto e indignação, a ronha enrolante e mole de Portas e Branco, o discurso do atónito oficial aviador do EMFA, como que planando sobre a pista, sem radar e sem trem de aterragem aberto, esvoaçando por entre as negras nuvens que se adensam nas Lajes, nas vésperas de borrascas na Terceira e de mais naufrágios na Pátria, por entre cínicas brumas e neblinas, imprevidência, manigância, interesses inconfessados, ostracismos e ignorâncias de décadas que cegaram o Mundo, o País e as nossas Ilhas, desde o Terreiro do Paço aos Paços da Câmara da Praia, e desde Washington a Lisboa e Ponta Delgada, com tretas e petas para calar o indígena açórico, encher os paióis do Império e vender bugigangas bélicas e inócuas lentilhas de cooperação, ciência e desenvolvimento, nem sequer à moda terceiro-mundista, mas ainda então em gesto benfeitor, do Programa People to People

Finalmente em tudo isto reflicto, nesta Vigília de 1 de Dezembro de 2012, conquanto conjunturalmente banido também esse Dia do calendário comemorativo de Portugal, assim como se sem nenhum Brasão, sem Armas e sem as águas lustrais do melhor que de si histórica e honrosamente já houve para uma permanente Restauração…

– E todavia aqui permaneceremos atentos, resistentes e vigilantes, sempre contra Este fulgor baço da terra/ Que é Portugal a entristecer/ – Brilho sem luz e sem arder, / Como o que o fogo-fátuo encerra… 
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Publicado em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/;
RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/index.php?article=29924&visual=9&layout=17&tm=41;
Networked Blogs:
http://www.networkedblogs.com/blog/os-sinais-da-escrita?parent_page_name=source,
e Jornal "Diário dos Açores" ( (Ponta Delgada, 2 de Dezembro de 2012).
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 1.12. 2012).

sábado, novembro 24, 2012


Um Inventário Exemplar




Acaba de ser lançada a obra Arte Sacra no Concelho de Reguengos de Monsaraz, décimo volume de uma bela série editada pela Fundação Eugénio de Almeida (FEA) e dedicada ao Património Histórico-Religioso da Arquidiocese de Évora, no qual estão registadas e tratadas “peças de arte e devoção [que] são testemunhos do cruzamento entre as culturas Cristã e Oriental resultante da ocupação político-militar, da missionação e das dinâmicas comerciais implementadas ao longo de séculos”, conforme foi devidamente sublinhado no comunicado que a FEA distribuiu a propósito deste tão meritório evento.

Porém, todo este muito apreciável e rigoroso projecto merece hoje menção aqui, não só porque tem efectivamente procedido a um anunciado trabalho de “levantamento, estudo e catalogação do património artístico disperso por igrejas, capelas, seminários e instituições religiosas” de Portugal Continental – identificando e preservando assim muitas peças de interesse religioso, cultural e civilizacional –, mas também porque tem sido coordenado técnico-cientificamente pelo investigador açoriano Artur Goulart de Melo Borges.

– Natural da ilha de S. Jorge e residente em Évora desde 1979, antigo professor do Seminário de Angra e chefe-de-redacção do saudoso vespertino “A União”, também escritor e poeta, Artur Goulart é licenciado em Arqueologia pelo Pontificio Instituto di Archeologia Cristiana  (Itália), possuindo pós-graduações em Museologia e História da Arte, sendo que da sua longa e diversificada experiência profissional, sobretudo no Museu de Évora, destaca-se o cargo de Director desta mesma instituição (1992 e 1999), onde deu um precioso contributo à inventariação do seu acervo artístico, à investigação bibliográfica e ao estudo aprofundado de obras de arte e de material arqueológico, conforme é justamente salientado na excepcional Página Digital do projecto que tão competente e prestigiantemente tem vindo a dirigir e cuja visita vivamente recomendo, aqui: http://www.inventarioaevora.com.pt/inicio.asp.

Numa época em que, por esse Portugal fora e também entre nós (autónoma, esbanjante e auto-suficientemente, pois então…) tantos valores e patrimónios humanos, intelectuais, materiais, artísticos e espirituais vão sendo amiúde atirados à rua – ou aos brincos e argolinhas da mais incrível discriminação apadrinhada… –, o valioso labor e o dedicado exemplo cultural, educativo, ético e cívico de Artur Goulart, para além da amizade pessoal e fraterna que por ele nutro, não podiam ficar, nesta data, sem registo escrito e merecido louvor público!
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Publicado em Azores Digital:
Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 25.11.2012);


quarta-feira, novembro 21, 2012


Instituto da Democracia Portuguesa
apresenta Teses para o Plano C



O Instituto da Democracia Portuguesa  (IDP) – instituição fundada em 2007 e que se afirma como organização da sociedade civil congregando pessoas independentes e cidadãos com filiação em partidos de todo o espectro político – ­ acaba de apresentar uma nova obra onde estão reunidos Estudos e Ensaios críticos sobre a situação presente e as perspectivas de transformação da sociedade portuguesa.

Dos actuais órgãos directivos e conselhos consultivos do IDP (http://www.democraciaportuguesa.org/) fazem parte, entre outros, D. Duarte de Bragança, Fernando Nobre, Mendo Castro Henriques, Rui Moreira, José Alarcão Troni, Rainer Daenhardt, Carvalho Rodrigues, Ascenso Simões, Luís Salgado de Matos, Rui Rangel, Francisco Cunha Rego, Eduardo Ferraz da Rosa, Gonçalo Ribeiro Telles e o general Garcia Leandro.

Na apresentação do livro, editado pela Bertrand e intitulado Plano C – o Combate da Cidadania, O IDP manifesta não ter “pretensão de inventar conceitos, mas sim de os combinar numa narrativa diferente, numa demonstração apaixonada de que existem alternativas às políticas públicas que têm vindo a empobrecer o país”, elencando no seu manifesto editorial as seguintes ideias e ideais:

– “Combate da Cidadania, porque está em causa a sobrevivência dos portugueses numa Europa ainda sem rumo e numa Lusofonia ainda sem ritmo. Cidadania, porque ainda vamos a tempo de salvar Portugal das oligarquias que o ameaçam.

“Plano A é o da Troika, o notório Memorando do Nosso (Des)entendimento. Não queremos a nossa democracia troikada por políticos sem preparação. Planos B há vários, dos actuais programas partidários. São todos muito parecidos. Têm coisas boas e coisas más. Separados são insuficientes. Juntos são inexequíveis.

“PLANO C, finalmente, é o de todos nós, da cidadania, da sociedade civil, das associações mediadoras entre o indivíduo e o Estado. Um plano feito de alternativas concretas, propostas por quem conhece o país, o seu território e população, a sua história e cultura, as suas potencialidades, sonhos e empreendimentos”.

No Prefácio desta obra – que contém um breve capítulo sobre os Açores, da autoria de Eduardo Ferraz da Rosa –, D. Duarte de Bragança traça assim as grandes linhas orientadoras da reflexão do IDP:

– “A democracia é o regime da liberdade, pelo que é, também, o regime da responsabilidade (…). O futuro do nosso país não se esgota com as tarefas de um grupo de ‘políticos’ tradicionais, mas desligados da consciência colectiva. O discernimento e a intervenção, pelo contrário, são uma responsabilidade de todos.

“Esta acção concertada dos portugueses neste momento de crise nacional e europeia tem de firmar-se em ideias muito firmes e muito claras, sob pena de os seus objectivos serem corrompidos e desviados pelos interesses instalados. Sabemos como (…) o acessório tantas vezes se sobrepõe ao essencial, o espectáculo à inteligência, a celebridade ao mérito, a imagem à eficácia, a aparência à produtividade. E com uma comunicação social que perdeu muito do  seu  poder de vigilância e testemunho, sentimo-nos perdidos, perdidos nas ideias que nos devem guiar nos caminhos da democracia portuguesa, afastados dos  ideais que orientaram a nossa História e das pessoas às quais esses caminhos vão dar. Para intervirmos no nosso país, na Europa e no Mundo, precisamos afirmar os princípios que nos identificam.

“Esses princípios, para quem milita no IDP, nascem da cidadania, da sociedade civil, que hoje é urgente esclarecer, promover e divulgar”.
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Em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=17581
e Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 22.11.2012).

sábado, novembro 17, 2012

As Fachadas do Radicalismo


O que se passou na passada quarta-feira em frente à Assembleia da República não pode deixar de constituir motivo de profunda e urgente reflexão para todo o País, – tal o grau de virulência pública, de mediatização e de violência ali exercidas, de parte a parte, entre manifestantes, actores de provocação agressiva, autores de incontrolada e descontrolada contestação, mirantes incautos e agentes policiais (sujeitos estes a uma tremenda, continuada, afrontosa e imparável pressão)!

O fenómeno, em moldes bastante semelhantes, infelizmente não é novo, tendo sido amiúde visto um pouco por todo o mundo, com natural relevo em países sob regime de ditadura e discriminação, ou como corolário de várias e multiformes tiranias

– Mas em nada, nada disto se assemelha, novamente de parte a parte, àquilo que se passou em Portugal durante a Repressão fascista e a Resistência Democrática exercidas ambas no Estado Novo e até ao 25 de Abril, pelo que confundir estas duas realidades distintas é desvirtuar umas, falseando as outras, e só pode resultar de uma enviesada percepção da tipologia e da dinâmica dos conflitos sociais.

Aquilo a que assistimos em Lisboa revestiu-se pois de inusitadas (e não expectáveis?) características, só devidamente avaliáveis no contexto específico de toda a grave e complexa situação socioeconómica, laboral, política, sindical, partidária e psicológica que os portugueses vivem e sofrem no actual cenário de crise europeia e de reconfiguração global das economias, poderes, hegemonias e exploração dos recursos humanos, financeiros e naturais da Terra, – nesta Era Planetária cujas raízes filosóficas, antropológicas e socioculturais vem espiritualmente de muito longe e assentam na dominação, produção e distribuição (partilha, manipulação, controle ou voraz rapina…) dos bens e patrimónios da Humanidade inteira, segundo técnicas e tecnologias cada vez mais sofisticadas, totalitárias e unidimensionais…

– Porém, devindo crescentemente explosiva (por acumulação sistémica e determinante de factores histórico-civilizacionais remotos mas ainda calibrados em cadinhos estruturais e paióis estruturantes bem mais próximos de nós), a sociedade portuguesa talvez tenha agora pisado uma sinalética de risco que deveria fazer relembrar, entre nós, a de antigas (e premonitórias?) conjunturas, análises e teses críticas de Álvaro Cunhal no seu livro Radicalismo Pequeno Burguês (felizmente bem conhecido ainda pelo PCP e pela CGTP, ao menos nalgumas das suas fundamentações mais prudenciais, conforme, de certo modo, se tem comprovado ao longo das recentes jornadas de luta unitária; e não fora assim, provavelmente que os balanços da violência presente se assemelhassem mais aos de uma quase guerrilha urbana, como até o actual Governo e a Oposição socialista democrática não deixaram de implicitamente reconhecer…).

Ora tal releitura de estratégias militantes, à falta de melhor e actualizada literatura político-ideológica e sociológica, talvez até possa mesmo ser insuspeitadamente bem proveitosa para alguns dos (ir)responsáveis institucionais, governantes, sindicalistas, agitadores inconsequentes, anarquistas, analistas de estúdio ou cátedra, e outros comparsas ou reversos coadjuvantes da tragédia cívica e moral onde nos vimos atolando há décadas, e agora mesmo ainda mais, face às novas formas de exploração de classe e nação, marginalidade, implosão de subúrbios urbanos e explosões mentais, pobreza e miséria galopantes, degradação vertiginosa e terrorista da vida e dos valores, – enfim –, da total desesperança em qualquer futuro comum, digno, ética e fraternalmente trabalhado e construído em paz!

Aliás, ora por conhecimento ou experiência (de poucos), ora por ignorância ou imprudência (de muitos), ou por repugnante traição nacional (de outros mais), é que as fachadas, máscaras, barreiras e ruas de Lisboa terão começado a arder e a cair hoje, tão dramática e sofridamente, com pedras, sangue, medo e uma imprevisível tentação de insurreição à mistura, – se é que não a par e passo já de um provocatório e programado intuito de jugular à nascença toda e qualquer veleidade de atempada e possível alternativa democrática, justa e limpa à tão desesperada, insegura, assustadora, opressiva e podre realidade nacional portuguesa (e não só)...

– E enquanto tudo isto ocorre, o País degrada-se e enregela dia após dia, por aí abandonado às suas muitas insularidades continentais e ilhoas, iconicamente deitado nos acobertados chãos do Terreiro do Paço e nas arcadas dos seus cegos e surdos Ministérios, com as fogueiras apenas adormecidas no rescaldo das noites de um novo e angustiado entardecer pessoano de Portugal, somente à espera de outras ocasiões para novas imolações suicidárias, torcionárias reacções de resposta ou o afiar imponderável das lâminas das baionetas, das foices e das navalhas de ponta e mola…
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Publicado em:
Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 18.11. 2012);
Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2304&tipo=col,
RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/index.php?headline=14&visual=10,
Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 20.11.2012),
e Networked Blogs:


Os Fantasmas de Secretaria



O título desta Crónica talvez relembre logo – e com razão – um outro da fascinante obra de Jacques Bonnet (Des bibliothèques pleines de fantômes, Éditions Denoël, 2008), cuja primorosa tradução portuguesa, por José Mário Silva (diligente mantenedor do Blogue “Bibliotecário de Babel”), foi publicada pela Quetzal (Bibliotecas Cheias de Fantasmas, Lisboa, 2010) e constituiu então merecido escaparate na nossa acolhedora e informada Livraria In Folio.

O livro – na verdade, um livro de amor aos livros… – começa por relatar o encontro, em Coimbra, em 1983, do autor – um francês especialista em Bibliofilia e Teoria da Leitura, à semelhança de Umberto Eco, José Mindlín e Alberto Manguel (de quem aqui também já falei) – com uma obra de Maria José de Lancastre (Fernando Pessoa – uma fotobiografia, Lisboa, INCM e Centro de Estudos Pessoanos, 1981), na qual vem reproduzida uma carta de candidatura (datada de 16.09.1932) do poeta da Mensagem ao lugar de conservador-bibliotecário do Museu Condes de Castro Guimarães (em Sintra), cargo para o qual o criador do Livro do Desassossego foi preterido a favor de um medíocre “pintor obscuro”, hoje inominável, vago e insignificante manga de alpaca que era…

E isto aconteceu apesar do currículo profissional e da invocada e objectivamente abonatória obra literária e cultural de Fernando Pessoa, – nem se podendo sequer falar então ainda, naturalmente, da sua esplendorosa posteridade… –, e onde, a determinada altura e a propósito do dito concurso, se pode ler o seguinte:

– “Salvo o que de competência e idoneidade está implícito nas habilitações indicadas como motivo de preferência nos parágrafos do artigo, e portanto se prova documentalmente pelos documentos referentes às indicações de cada parágrafo, a competência e a idoneidade não são susceptíveis de prova documental. Incluem, até, elementos como o aspecto físico e a educação, que são indocumentáveis”…

O livro de Jacques Bonnet é apaixonante no seu todo, mas o registo da carta de Fernando Nogueira Pessoa acaba por abrir logo – para leitura crítica, bem entendido … – uma insuspeitada “janela de oportunidades” (como agora os gestores da nossa provinciana e compadrinhada nomenclatura vão debitando, à toa, nos seus altos postos e míopes postigos…), – ou não estivessem eles equiparados àquele antigo júri da Câmara de Cascais, o qual, “certamente perplexo com esta retórica insólita [de Fernando Pessoa, obviamente…], não se deixou convencer, tendo escolhido prudentemente um outro candidato”, – certamente menos brilhante e competente porém bem mais ao jeito daqueles pobres diabos jurados e arregimentados, criaturas submissas, serventuários mínimos e alinhados pela mais rasteira, venal e gémea bitola político-administrativa daquela época de trinta e tal, no século passado…
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Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 20.11.2012);

Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2304&tipo=col;
RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/?article=29783&visual=9&layout=17&tm=41
Networked Blogs:
http://sinaisdaescrita.blogspot.pt/2012/11/fantasmas-de-secretaria-o-titulo-desta.html,
e (outra versão) em Jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 17.11.2012).