segunda-feira, março 17, 2014



BAIRRISMO E RESPONSABILIDADE


Tem os últimos dias sido marcados por inusitada – conquanto não inédita nem surpreendente, nem sequer imprevisível... – onda de serôdio bairrismo (tomado o conceito e sua tradução prática no pior sentido).


 – Todavia, a par desse escorregadio e viciosamente escamoteado terreno ilhéu – que excede os inocentes remoques com os quais outrora, como ironizava Vitorino Nemésio, “entretínhamos a nossa concorrência humaníssima nos penhascos”... –, também não faltaram, nos diversos e antagónicos flancos feridos desta envenenada contenda, tanto razões fundamentadas quanto meras sensibilidades epidérmicas (muitas delas de pouco servindo a não ser para iludir o fundo da questão, à beira de precipícios e despudoradas retóricas corporativas, com as quais aliás se procurou enganar tolos com percentagens e bolos, enquanto a outros, ingénuos ou inocentes úteis, se pretendeu colocar bibes ou antolhos para lides espicaçadas à força de falácias, contas (des)afortunadas ou tabuadas combinadas só para estratégica redistribuição de traficâncias, prebendas, subsídios, cargos, assentos, representações e outros jobs para boys & leggy girls deste insular regime (dito e redito adulto e saudável nas diversas “vias” com que o vão crismando à vontade e voz dos donos)!

Porém, deste negativo imbróglio e lastimável refrega, com arreigados afãs de (des)conversa e (des)compromisso em todos os lados da barricada onde que os nossos politiqueiros se montam ensandecidos e em despique (na praça pública ou à socapa nas capitanias sonsas onde saltitam como murganhos...), muitos dos reais culpados e mandantes permanecem na toca das suas jogatinas e demissões...


– Ora antes perspectivassem o futuro, com profunda reflexão sobre o modelo de Desenvolvimento que os Açores precisam, com racionalidade, rigoroso planeamento, justiça, equidade, diálogo e solidariedade, sem complexos de hegemonia ou de inferioridade (perante os quais, no circunscrito alforge de recursos que temos, do Corvo a Santa Maria, não haverá unidade de espírito açoriano nem economia de matérias e meios que resistam à acefalia sistémica e à irresponsabilidade geracional que estão aniquilando uma Autonomia tão esperançosa, histórica e esforçadamente conquistada)!

De resto, tal como clara e firmemente salientei na minha Conferência de Encerramento da X Semana de Estudos dos Açores (Angra do Heroísmo, Março de 1992), permanecem hoje válidas – e afinal crescentemente revestidas de maior pertinência e inadiável retoma de reflexão colectiva, institucional e individual, para aguentarmos e levarmos a bom porto “Essas lanchas, aí, na carneirada”... – as seguintes conclusões:

– “Em parte total, a continuidade e a garantia do sucesso possível da Autonomia dos Açores assentam na preservação e no incremento fraterno da unidade dos Açorianos, de todas as Ilhas e das Comunidades Imigradas.

“Porque, e disso não tenhamos qualquer dúvida, divididos, antagonizados e encurralados, seríamos rapidamente vencidos!


“Tal desencantado espectro de fracasso das nossas energias, tal retrocesso cívico e cultural, sendo sinónimo antecipado de uma anemia sistémica das nossas comunidades, representaria um baquear geracional face às dificuldades, e teria consequências desmobilizadoras e degradantes, durante muito tempo inferiorizantes para o Arquipélago e para o País”...

– Mas para que tudo isto seja assegurado com transparência e lealdade é também necessário fortalecer novamente, ou recriar, uma sólida e crítica cultura de identidade colectiva, de comunidade e projecto de destino comum, de trabalho solidário, de estudo rigoroso e de desenvolvimento autêntico, cultivando-se em simultâneo apego e amor à terra e à sua gente, tal como ficou dito antes e vale ainda agora reler numa pequena grande obra de reflexão insular açoriana de 1989 (O Desafio Insular, de João Bosco Mota Amaral, obra que tive o gosto de prefaciar e que me ocorre citar muitas vezes):

“O desenvolvimento para ser completo e alcançar as suas finalidades humanistas – desenvolver o Homem todo e todos os homens – tem de ser feito, em qualquer comunidade, de dentro para fora. (...) É impossível, e ineficaz, pretender desenvolver as ilhas de fora para dentro, segundo esquemas pensados longe do meio insular e sem participação das respectivas populações”.

“ (...) Considero que o segredo da resistência e sobrevivência, no passado, em condições por vezes incríveis, de miséria e opressão, e também da vitalidade no futuro, está, para os povos insulares, na força da sua identificação cultural e na relação desta com a ilha.


“Assim, alcançados padrões razoáveis de qualidade de vida, e apesar do natural desnível com outras áreas, as ilhas onde floresça uma cultura própria continuarão a mostrar possuir força vital, fixando a população, inclusivamente jovem, em níveis razoáveis, mantendo laços e estreito intercâmbio com núcleos de naturais residentes no exterior, fortemente ligados à realidade insular, e enriquecendo a Humanidade com o seu contributo de diversidade”...
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Em RTP-Açores:






































e "Diário dos Açores (Ponta Delgada, 18.03.2014):























Primeira versão ("Acefalia e responsabilidade") 
em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 15.03.2014):




sábado, março 15, 2014


As Danças da Cadeira

No dia 19.08.2012 publicava-se aqui no “Diário dos Açores” um texto com título quase idêntico ao desta Crónica (então chamada “A Dança das Cadeiras”...), mal sabendo-se porém que passados cerca de dezoito meses haveríamos de ser levados a retomar a sua leitura, – tão actualizada e premonitória fora a respectiva escrita, e mais actual ainda o ali vislumbrado –, que nem valia sequer a pena reinventar outro discurso para reflectir o mesmo...

– E assim lá então se constatava que Berta Cabral ao ser confrontada (e fazendo frente a um gesto-alvitre nada inocente…) com a possibilidade de Maria do Céu Patrão Neves vir a deixar o lugar para que fora eleita no Parlamento Europeu (como é sabido, naquela altura em substituição inusitada, forçada e então muito mal aceite, de Duarte Freitas), de modo a poder vir a integrar um eventual futuro Executivo regional social-democrata, logo a dita antiga presidente do PSD-A se apressou a afastar tal hipotético cenário, dizendo mesmo que aquela (ainda actualmente em funções) deputada europeia permaneceria mas era muito bem onde estava, e que o seu casual ingresso num governo do partido de Passos Coelho nos Açores, presidido por si, lhe estaria, portanto, vedado!


 O caso, na altura, não trazia novidade por aí além e teria importância nula, porquanto Patrão Neves, quiçá injustamente, por razões várias e impressões pessoais, nunca fora figura implantada no PSD local, porventura devido a uma certa grassante inveja ou ciumeira pouco institucionalmente abonatórias, mas acima de tudo porque muitos membros do PSD-A ainda não se haviam esquecido de todo o processo que levara à candidatura daquela predilecta ex-mandatária e conselheira de Cavaco Silva…

– Todavia, por outro lado ainda, a ninguém que conhecesse minimamente Patrão Neves passaria pela cabeça imaginar aquela tão activa, insinuante e cativante nova especialista e tirocinada deputada europeia em Agricultura e Pescas comunitárias, depois de uma tão afanada e agenciada prestação política nacional e internacional, regressando a prazo certo, de humilde pastinha debaixo do braço, aos seus pequenos, conquanto luzidios canteiros departamentais e púlpitos na Universidade dos Açores (excepção naturalmente feita a uma, não tão mirabolante quanto isso, subida à magnificência reitoral da dita agremiação ilhoa de Ensino Superior, mal surgisse a oportunidade estratégica, recursiva ou eleitoral para tanto...)!

Ora não é que, tenha lá sido como foi ou tenham as coisas andado e desandado nos jogos internos de uns e outros, o que importava retirar da lógica inerente àqueles sinais e premonitórias peripécias pretéritas bem ficou à vista agora, com o duplo, simultâneo e letal afastamento tanto de Patrão Neves quanto de Berta Cabral (igualmente na anunciada linha da mesma corrida...) e das suas alternativamente hipotéticas, tão faladas e muito apontadas quase como nacionalmente prováveis candidaturas ao Parlamento Europeu, e em lugar selecto e elegível na lista da Coligação PSD-CDS/PP, tanto mais quanto era preciso ou conveniente lá meter-se um nome feminino, de preferência fora dos dominantes gineceus reinantes, ou a reinar, nos redutos da Lapa e nos assomos do Caldas...


– Mas depois foi o que se viu:

Para surpresa (?) das interessadas e dos interessados, cá e lá, com um firme quero, posso e mando, sai-se Duarte Freitas com a jovem sindicalista Sofia Ribeiro – e logo para aquele relevante e nunca dantes concedido 3.º lugar nas listas nacionais para o PE... – à frente de outros esforçados e nobres barões e reforçadas e defendidas baronesas, que assim se viram todos ultrapassados por uma como que jovenzita plebeia e fresquinha nestas andanças, aonde, no catedrático juízo de Patrão Neves só põem o pé ligeiro, o assento e a saia elegantes ou a mão em finesse de salon, antigos ministros e altas sumidades, que é como quem retrata experimentados cosmopolitas e europeístas convictos, poliglotas retóricos e outras gargantas de funda lábia técnica (ou sofística...), – tudo puras castas de infantes luzidios e cultíssimos, princesas de escorridas melenas e alta cerebração... – que não, que nunca à dimensão curricularmente depreciada de uma suposta imitação menor de alguns daqueles outros politiqueiros de Estrasburgo e Bruxelas..., e logo por uma quase desconhecida e humilde gatinha borralheira da Política, ainda um pouco juvenil e até proveniente dessa sempre duvidosa maltinha dos sindicatos (e logo dos professores abaixo do Ensino Superior...)!

– Despeito maior – oh! –, francamente, não era possível deixar escapar em certos remoques de má perdição... E logo então, por isso mesmo, é que estalou o verniz a muitos coligados correligionários dessa incensada Europa, num retorcido esgar de nervos e derramamento de lágrimas (quando não, como diz o povo, “de baba e ranho”...), numa queda em dominó de patrões e patroas da política regional e nacional, e desde algumas das mais primitivas vozes insulares (que em surdina engoliram colheradas de malagueta curtida, ou afogaram despeitos em cabisbaixas indignações...), até às mais tonitruantes e oleadas solturas analíticas de velhos Ângelos & Demónios lusitanos, estafadas correias da mais saloia (querendo-se sábia) e da ressabiada (mascarando-se de pura) prosápia político-partidária que a panela da Democracia à portuguesa caldeou para desgraça e desencanto do nosso subjugado, tutelado, parasitado e sonâmbulo País!

É claro que nada disto, nas reacções aqui e ali figuradas e na prosa que as deixa esboçadas – ao que cremos e queremos – envolverá nada de pessoal, embora nenhum observador nisso acredite, antes quase todos apontando já o dedo a Duarte Freitas para acusá-lo de “vingança” e “retribuição de saneamento” pelo que lhe fizeram atrás, a mando ou sob magistraturas de supremas influências na Nação e no seu fatídico PSD...


– Porém outros há que também já vão sentindo, ou pressentindo, em tudo isto os ares e inspirações que sobem dos novos talentos e rebentos com visão de futuro e em ascensão renovadora à volta do actual presidente do PSD-A, sejam eles os dos seus conselheiros privados e/ou independentes, sejam outros que ninguém imagina quem serão nem quanto tem ou valem nos seus currículos e testemunhos de cidadania activa...

Agora (mas anuindo em que todos foram ou serão novatos alguma vez em certas artes e ofícios...), no que a Maria do Céu Patrão Neves ainda diz respeito – e para além de simpatias ou antipatias particulares ou generalizadas, que não vem ao caso –, a verdade é que o que lhe fizeram, daquele jeito, não deixa de ser humilhante, aparentemente injusto, possivelmente imerecido e mesmo individualmente penalizador, além de poder, à primeira vista, vir a não fortalecer em nada a posição e a pretendida influência insular açoriana nas instâncias decisivas da União Europeia, até porque esta eleição ocorre num contexto de crises comunitárias delicadas, grandes e mais exigentes, num enquadramento nacional altamente imprevisível e comprometedor, e num cenário regional (político-económico e financeiro, técnico-governamental, parlamentar, cívico, cultural e até universitário...) bastante oscilante, resvaladiço e criador de uma série de anti-corpos à unidade interna das ilhas, à credibilidade das instituições autonómicas e à qualificação da actividade político-partidária, parlamentar, executiva e... sindical!


– Finalmente e perante a conjugação de todos estes factores e factos, há quem arrisque a previsão de alguma próxima agitação intestina no PSD-A, tanto mais quanto, tanto a composição do dito “Conselho Consultivo” privado de Duarte Freitas, quanto a escolha de Sofia Ribeiro – com tudo o que isso significa ou revela... – aparece quer a contra-ciclo daquilo que o projecto liderado pela equipa de Carlos Pacheco Amaral (ainda por especial relação à problemática europeia...) vinha começando a construir e que, doravante, poderá perder muito do seu mais fundamental sentido e dimensão, quer no que diz respeito a um mais sólido e prospectivo posicionamento nacional e europeu do PSD-Açores, quer ainda no que ao trabalho de reflexão interna, participada, amadurecida, convincente e mobilizadora dos seus quadros, militantes, simpatizantes e potenciais eleitores em todas as nossas ilhas concerne...

Por tudo isto, talvez, é que da antiga dança de 2012 às novas danças da cadeira em 2014, a distância pode não ser quase nenhuma, nem valer sequer o texto de nova Crónica! A ver vamos...


– Porém e seja lá como for, o que importa outra vez, como se salientou há meses, é concluir que, mais do que antecipar ou atender a novos ou repostos ensaios para certas carreiras no Poder estabelecido, mais valerá pensar, fazer pensar, decidir e trabalhar autenticamente e em conjunto para os Açores e com os Açorianos – com verdade, inteligência, isenção e generosidade –, naquilo que a Autonomia, a Democracia e o Desenvolvimento de nós exigem reforçadamente hoje, deixando o resto e o ajuste das contas da mercearia insular para último plano de intenções, ou para o balcão do fundo da estufa ou da adega político-partidária…, – se é que esses inferiores níveis de compra e venda de títulos passageiros e bugigangas institucionais já não desterraram ou usurparam de vez (em todos os partidos e nas suas listas...) a real importância do melhor que, a seguir-se por essas vias passionalmente enquistadas, clientelarmente obscurantistas ou apenas pessoalmente caprichosas, com toda a certeza faltará depois sempre em créditos éticos, decisivas competências, indiscutíveis credibilidades e solidários méritos mutuamente complementares, para o que verdadeiramente interessa defender, justamente consolidar e fazer progredir na nossa terra!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 15.03.2014):
















e "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 16.03.2014):


sábado, março 08, 2014




Memória e Evocação

de João Afonso

No passado dia 22 de Fevereiro, faleceu em Angra do Heroísmo João Dias Afonso, distinto Jornalista, Escritor e Investigador natural desta cidade onde nasceu em 27 de Agosto de 1923. Detentor de uma assinalável e relevante carreira, a sua vida foi marcada por uma grande diversidade de trabalhos de escrita, estudos, arquivos e prospecções documentais, na sua maior parte dedicados à Literatura, à  História, à Cultura e aos patrimónios intelectuais e sociais desta sua tão querida terra natal!

– João Afonso, cidadão angrense que em finais de 2013 foi justamente homenageado pela Câmara Municipal desta sua terra natal, estudou em Angra do Heroísmo até à sua ida para Coimbra a fim de frequentar o Curso de Direito (que teve de abandonar depois, por graves motivos de saúde – detectados pelo seu então colega de residência universitária Hélio Flores Brasil, futuro médico e personalidade já brilhante nos seus conhecidos dons e dotes clínicos). Regressado à Terceira, concorreu e exerceu o cargo de Bibliotecário Municipal – chegando mesmo a exercer como Director da Biblioteca Municipal de Angra –, carreira técnico-profissional que prosseguiu na Biblioteca Pública e Arquivo de Angra, até 1978.


Poeta, Conferencista, Tradutor, Historiador, Etnógrafo e Ensaísta – desde os iniciais e quase inumeráveis textos de intervenção cultural, cívica e institucional em defesa desta terra e da promoção do seu povo, em jornais, livros, revistas e simpósios os mais diferentes e reputados, até à sua monumental Bibliografia Geral dos Açores – 3 tomos publicados (e outros 7 prontos, que ficaram para edição...), naquele que foi e é um projecto verdadeira e exem­plarmente continuador do paradigmático Diccionario Bibliographico Portuguez de Francisco da Silva Inocêncio (1810-1876), e assim ainda da Bibliotheca Lusitana de Diogo Barbosa Machado (1741-1759) e entre nós de Ernesto do Canto... –, passando pela poesia de Medieval (1953), Enotesco (1955), Pássaro Pedinte e Ruas Dispersas (1960), e Cantigas do Terramoto (1980), pela produção vultuosíssima da década de 50 (Centenário Garrettiano, fundação do Grupo "Amigos da Terceira"...) e pelos estudos e intervenções das décadas de 60 e 70 (Antero de Quental, João Baptista Machado, Etnografia e Patrimónios açorianos, políticas de Turismo, Transportes e Comunicações, etc.) –, praticamente sobre tudo o que diz respeito à nossa vida e interesses colectivos, identidade histórica e espiritual e direito das gentes a serem gente personalizada, desenvolvida, mais culta e autenticamente emancipada, escreveu muito e bem João Afonso, para tanto bastando consultar, apenas só até 1985, as mesmo assim seleccionadas 237 entradas da sua própria bibliografia!

Comendador da Ordem do Infante, Membro da Academia Portuguesa de História, da Sociedade de Geografia, do Instituto Histórico-Geográfïco de Santa Catarina (Brasil), do Instituto Açoriano de Cultura e do Instituto Histórico da Ilha Terceira, João Afonso foi também um empenhado e pioneiro promotor do intercâmbio institucional, social e cultural com as Comunidades Açorianas no Brasil e nos Estados Unidos (especialmente no movimento de aproximação a Tulare e Cidades Irmãs).


– Todavia este homem ainda encontrou tempo para ser chefe-de-redacção do jornal "Diário Insular" (do qual foi co-fundador e onde, durante dezenas de anos, coordenou – foram mais de 600 páginas... – o excepcional e ímpar Suplemento de Artes e Letras) e ainda para ir fazendo Gazetilhas e outros Versos e Prosas (suas e de outros, que também muito traduziu de inglês, espanhol e francês, bastando lembrar James Merril, David Morton e Blaise Cendrars), e muito prefaciou e incentivou e promoveu nas Letras e nas Artes locais...

Por outro lado, a conhecida ligação pessoal e estudiosa de João Afonso a Vitorino Nemésio – conforme tive grata ocasião de afirmar na Apresentação que fiz da Conferência que o convidei a proferir (Nemésio em Angra, Angra em Nemésio, realizada no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Angra, no dia l de Junho de 2001) – reflectiu-se nos seus múltiplos textos e conferências sobre o escritor de Mau Tempo no Canal e Corsário das Ilhas, editados que foram em jornais, revistas de especialidade e outras publicações regionais, nacionais e estrangeiras, de entre os quais saliento apenas o mano-a-mano (naquele escaldante Verão de 1975...) Açores – Actualidade e Destinos (artigos de Vitorino Nemésio e seus, com Prefácio de Nemésio), Silêncio é peso de Deus (1978) e Imagem Açoriana de Vitorino Nemésio (estes apresentados como Conferências na Califórnia, no Consulado de Portugal em Providence e na Universidade de Massachusets).


– Colaborador de Quatro Ventos (do seu grande amigo Amândio César) e Ocidente e das revistas e boletins das nossas Sociedades e Institutos Históricos e Culturais, e primeiro Delegado da RTP nos Açores (quando ainda nem sequer Televisão tínhamos...), João Afonso, apaixonado por mares e viagens, estudou e quase como que envergou todas as vestes da alma e da prosa insular terceirense, talvez por isso tão bem sabendo visar e visionar roupagens e velas, âncoras e arpões, rendinhas e tatuagens em osso e pedra, em madeirames ou frágeis papéis e fumos do seu inseparável cigarro de escritor... – como os sonhos, utopias, desencantos e mitos daquele seu esplêndido Mar de Baleias e de Baleeiros (1998) – ou no sugestivo e encantador O Trajo nos Açores (19872) e nos apropriados e justos Açores em novos papéis velhos (1980) que dedicou ao seu mestre e amigo Luís da Silva Ribeiro (cujas Obras Completas esmerada e meritoriamente aliás fez depois levar por diante no Instituto Histórico da Ilha Terceira).

Membro de uma geração tão decisivamente e contextualmente situada na vida cultural e artística, na sociedade, no jornalismo e na história político-institucional de Angra, da Terceira e dos Açores de meados do Século XX e do Pós-Guerra em Portugal – onde a diferentes níveis e modos descortinamos ainda Nemésio, António Dacosta, Cortes-Rodrigues, Carreiro da Costa, Maduro Dias, Viegas da Silveira, Baptista de Lima, Adriano Figueiredo, Iracema Moniz, Francisco Valadão, Jr., Ramiro Valadão, Pedro da Silveira, Dutra Faria, Cândido Pamplona Forjaz, Teotónio Pires, Pedro da Silveira, Frederico Lopes, José Agostinho e muitos outros que afinal foram ou eram seus declarados amigos (e também alguns opositores por ideologia, inveja ou mediocridade, factores por cá abundantes...) próximos, correspondentes e fraternais companheiros de leituras, escritas e demandas culturais e intelectuais –, e daí ainda por tudo isto é que entendi dever tornar a deixar aqui e hoje estas palavras (que ele já não lerá) em sua memória e grata evocação, tal como o fiz no Suplemento que lhe dediquei em vida nas saudosas, irresponsavelmente liquidadas mas não olvidadas páginas do nosso jornal “A União” de 14 de Julho de 2001.

– Não sei como, se ou quando a sua terra mais o recordará no muito que lhe deve (apesar do que recentemente puderam escrever, ou bem disseram, Álvaro Monjardino, Jorge Moreira Leonardo, Helena Fagundes e Jorge Forjaz)...


Mas afianço que no ingrato, acinzentado e decadente alheamento a que tanto e tão baixo chegámos (e onde a muitos outros vamos deixando, por idêntica bitola ou desmedida, custosa e insularmente marginalizar ou esquecer...), nem todos de entre nós nos deixaremos cair ou enredar!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 01.03.2014):




















e "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 09.03.2014):



sexta-feira, março 07, 2014



Quotidianos intemporais




O tradicional costume terceirense de “correr danças e bailinhos” durante o Carnaval, ou agora, talvez melhor, de “esperar por elas e por eles” em salões comunitários ou frente a televisores e outros meios que ao vivo ou mediaticamente os levam e trazem ao interessado acompanhamento dos espectadores, tornou a repetir-se este ano por toda a ilha Terceira (desde clubes, sociedades e agremiações de freguesia, ou mesmo de lugar ou bairro, até às salas, anfiteatros ou auditórios de Angra do Heroísmo e Praia da Vitória, e assim enfim e afinal desde os Açores até às longínquas paragens da chamada diáspora açoriana onde esta quadra popular festiva é também mimada e seguida.


– E para quem, de um ou outro modo, conseguiu assistir a tais espectáculos e exibições certamente não terão faltado motivos vários para apreciação de tão fantástica manifestação da nossa Cultura e Arte Populares, onde Dança, Canto, Teatro, Música, Coreografia, Indumentária, Drama, Comédia, Humor, Cantigas de Maldizer, Crítica Social, Imaginários do Quotidiano, História, Mitos e Desconstrução de Mitos e Mitologias, Hagiografias, Amarguras, Dramas e Esperanças se fundem e confundem numa única e ímpar afirmação de Vida, Sonho e Fantasia, que tanto conseguem potenciar embrionários sentimentos de revolta e anseios de liberdade e justiça, como podem simplesmente servir de escapatória e descompressão de conflitualidades de outro modo não integráveis de modo pacífico (ou pacificado) na controlada ordem e no sistema de valores estabelecidos!



Todavia cá tornámos a ver e a sentir que quase nada escapa à pupila popular e à denúncia que a respectiva verbalização veicula, mesmo que apenas nos à partes ou nos interstícios de uma brilhante, sincopada e musicada declamação, onde as gramáticas se cruzam mas o alvo não escapa à certeira ou matreira rima:


– Talvez porque, como um dos seus mais esmerados artífices poéticos (Álamo Oliveira) tão paradigmaticamente escreveu no seu fabuloso Quixote, também este delírio saudoso de festa e de alegria triste, “nascido no mês intemporal dos homens” deixa sempre “terras de amor embrionário, para que cresça e amadureça e seja colhido ao fim do dia”...
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Azores Digital:
















RTP-Açores:
















“Diário Insular” (08.03.2014):























e “Diário dos Açores” (08.03.2014):



sábado, março 01, 2014



As máscaras da Praxe



Quando comecei a escrever esta Crónica estava agendada no Parlamento a discussão de 2 Projectos de Resolução (um do BE [1] – de 30.01, retomando o então chumbado em 2008; outro do PSD-CDS/PP – datado 20.02), ambos recomendando ao Governo a adopção de novas e moralizadoras medidas e a realização de um actualizado estudo com vista a mais profundo e alargado conhecimento das actuais “Praxes Académicas”, naturalmente com o esperável accionamento de regulamentações específicas, tanto mais urgentes quanto aqueles Projectos constatavam as múltiplas vertentes éticas, legais, cívicas, associativas, psico-comportamentais – e mesmo político-institucionais! – que confluem na grave matéria conhecida e apurada em prévios trabalhos de investigação (por credenciados cientistas sociais como Elísio Estanque, Arriscado Nunes, Rui Bebiano, Maria Eduarda Cruzeiro, Aníbal Frias, Álvaro Garrido, Miguel Cardina e Rita Ribeiro) e também diária e frontalmente denunciada em inúmeras análises e opiniões críticas (Pacheco Pereira, João Vila-Chã, Laura Ferreira dos Santos, Carlos Corrêa, Daniel Oliveira, etc.), e tal como ainda constava de idêntica reflexão apurada nos Relatórios oficiais do Observatório dos Direitos Humanos (2010) e da própria Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República (2008).


– Ora no caso da Proposta do BE fora a mesma entretanto até acompanhada de uma exemplar Moção subscrita por distintas personalidades da nossa vida académica, cultural, científica e artística (*)...

Porém, tudo testemunhos, factos e conteúdos apesar dos quais o documento do BE foi agora novamente chumbado na AR (apesar de 4 deputados centristas terem votado a favor dos pontos 3 e 4 do texto)! (**)


– Voltarei ao tema, passada esta veleira quadra de disfarces, máscaras, catarses e outras folias bailáveis, mais ou menos popularmente inocentes, divertidas ou (in)sondáveis, apesar, ou talvez exactamente devido à certeza das fatídicas cinzas que continuarão a atirar-nos aos olhos e à submissa e artificialmente pacificada cerviz do nosso chocarreiro e efémero quotidiano, já praxado a prazo certo...

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[1]http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c31684a535339305a58683062334d76634770794f5449354c56684a5353356b62324d3d&fich=pjr929-XII.doc&Inline=true

[2]http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c31684a535339305a58683062334d76634770794f5459334c56684a5353356b62324d3d&fich=pjr967-XII.doc&Inline=true
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(*) http://www.esquerda.net/artigo/bloco-recolhe-apoios-%C3%A0-iniciativa-para-p%C3%B4r-fim-%C3%A0-viol%C3%AAncia-da-praxe/31515;
 http://www.esquerda.net/dossier/praxes-humilha%C3%A7%C3%A3o-e-impunidade/31285

(**) http://www.esquerda.net/artigo/maioria-psdcds-pp-chumba-proposta-do-bloco-para-p%C3%B4r-fim-%C3%A0-viol%C3%AAncia-da-praxe/31545

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Publicado em Azores Digital:
















"Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 01.03.2014):























RTP-Açores:
http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?article=35558&visual=9&layout=17&tm=41,

e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 04.03.2014):