segunda-feira, março 07, 2016



Os Cerrados da Crise
(2.ª versão revista e aumentada)
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A anunciada descida do preço do leite aos produtores tem vindo a gerar justificadas apreensões em todas as ilhas (mormente na Terceira, como é sabido e era expectável!) e a todos os níveis da vida no arquipélago, por tudo quanto integradamente envolve e implica do ponto de vista político-económico-financeiro e empresarial, técnico-laboral, socio-familiar e cultural.



 – Esta preocupante situação, a somar a outras de uma crise global que tem tanto de estrutural quanto de conjuntural, embora não seja historicamente inédita, tem na sua configuração específica e no actual quadro das complexas e movediças realidades regionais, nacionais e internacionais (especialmente europeias...), uma série de contornos e parâmetros que devem ser pensados em conjunto para a urgente e exigível procura de soluções minimamente consistentes, consensuais e mobilizadoras, que assegurem, tanto quanto possível, uma saída clara para este perigoso estado de coisas.



Desde sempre os Açores viveram sob o signo de modelos produtivos caracterizados pela vigência de paradigmáticos ciclos “mineiros” (isto é, de monoculturas predominantes ou hegemónicas) – trigo, pastel, laranja, pastagem, carne e leite (estas últimas típicas da denominada “monocultura da vaca”) – com todas as causas e consequências resultantes de:



1) Imposições dos poderes estabelecidos (e do acatamento e subordinação aos mesmos!);

2) para mais condicionadas as ilhas por decisivos factores geo-humanos (demografia, emigração, qualificações, mentalidades e hábitos, rotinas ancestrais, socioeducativas e cívicas);



3) sucessivos condicionamentos histórico-políticos, comerciais, industriais, aduaneiros e logísticos;

4) dependências típicas de economias territoriais e de escala muito restritivas, e enfim


5) sujeições governamentais, legislativas e administrativas a divisionismos e desequilíbrios internos, abandonos, mercancias e trocas de favorecimentos nacionais e diplomáticos, militares e financeiros, numa constitucional adjacência (amiúde quase ou para-colonial...), apesar das mais-valias reais ou potenciais, das valências naturais e antropológico-culturais e dos progressos conseguidos...




– E tudo isto, permanecendo ainda hoje a nossa Região Autónoma numa plataforma e modelo de desenvolvimento bastante assente em fragilidades grandes, sustentabilidades precárias e narrativas dúbias, muitas delas derivadas de planos, práticas e opções políticas discutíveis!


Ora é por várias dessas vigências estruturais e super-estruturais que continua a parecer-nos adequada a supracitada expressão ciclos mineiros, que intencionalmente retomamos de um conhecido estudo sobre os Açores e que aqui usamos de modo análogo e crítico pelo que traduz da caracterização daquilo que é próprio de um sistema de aproveitamento, produção e comercialização de tipo intensivo, em regime de monocultura, à semelhança daqueles que moldaram (e moldam) histórica e sociologicamente os ciclos de exploração de matérias-primas (ditas ali como se de “minérios” em sentido material próprio, como é evidente, desde o ouro e a prata ao volfrâmio e ao urânio), em terra e no mar... 



 – Claro que, no nosso caso, as riquezas (e as falências...) produzidas, os minérios, as minerações e até as minas (que se foram redondamente esgotando em crises e saturações internas e externas consecutivas) eram de outros metais, amiúde explorados e comercializados em regimes de (des)medidas e pautadas correlações estruturais, de acordo ainda com mecanismos e lógicas quase ou para-colonialistas, capitalistas, liberais ou neo-liberais... E que, tal como com estes e aqueles, aliás, também foram abrindo e fechando ciclos produtivos e de exploração de produtos, recursos, terrenos, solos e subsolos, a par de toda uma arquitectura socioeconómica e sociopolítica que envolve sempre estruturas de poder e exercício do mando, classe, propriedade, mão-de-obra, detenção fundiária e dos meios de produção, conhecimento, etc., etc., cujas variações, estratégias, vigências e perpetuações históricas, sociológicas e ideológicas são sobejamente sabidas!



 De resto, neste contexto global e por andar insular, os presentes cerrados das ilhas (que oxalá, ainda por cima, não venham a atingir o conexo sistema bancário local!) são apenas mais um dos pastos em que – com maiores ou menores resgates e reconversões de práticas e teorias... – continuaremos caídos e peados, ao final das contas e das pessoas...
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Em "Diário dos Açores!" (Ponta Delgada, 08.03.2016):




























e RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/comentadores/eduardo-ferraz-da-rosa/os-cerrados-da-crise_49724.





sexta-feira, março 04, 2016


Os Cerrados da Crise (*)
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A anunciada descida do preço do leite pago aos produtores tem vindo a gerar justificadas apreensões em todas as ilhas (mormente na Terceira, como é sabido e era expectável!) e a todos os níveis da vida no arquipélago, por tudo quanto integradamente envolve e implica do ponto de vista político-económico-financeiro e empresarial, técnico-laboral, socio-familiar e cultural.




– Esta preocupante situação, a somar a outras de uma crise global que tem tanto de estrutural quanto de conjuntural, embora não seja historicamente inédita, tem na sua configuração específica e no actual quadro da complexa e movediça realidade regional, nacional e internacional, uma série de contornos e parâmetros que devem ser pensados em conjunto para a urgente e exigível procura de soluções minimamente consistentes, consensuais e mobilizadoras, que assegurem, tanto quanto possível, uma saída clara para este perigoso estado de coisas.


                                                                                                                                 Foto: João Montes Palma (2016)

Desde sempre os Açores viveram sob o signo de modelos produtivos caracterizados pela vigência de ciclos “mineiros” (monocultura predominante ou hegemónica) – trigo, pastel, laranja, pastagem e carne (“monocultura da vaca”), com todas as consequências resultantes de imposições dos poderes estabelecidos (e do acatamento e subordinação aos mesmos!), para mais condicionadas as ilhas por decisivos factores geo-humanos (demografia, emigração, qualificações, mentalidades e hábitos, rotinas ancestrais, socioeducativas e cívicas); sucessivos condicionamentos histórico-políticos, comerciais, industriais, aduaneiros e logísticos; dependências típicas de economias de escala muito restritivas, e (enfim...) sujeições administrativas e territoriais a divisionismos e desequilíbrios internos, abandonos a mercancias nacionais e trocas de favorecimentos diplomáticos, militares e financeiros, numa constitucional adjacência amiúde quase ou para-colonial... –, apesar das mais-valias e valências naturais e antropológico-culturais e dos progressos conseguidos, permanecendo a Região numa plataforma ainda assente em fragilidades grandes, sustentabilidades e narrativas dúbias!



 – O presente cerrado (que oxalá não atinja o sistema bancário local) é mais um dos pastos em que continuaremos caídos e peados...


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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 05.03.2016):





























Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3122:


























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(*) N.A.  - Uma segunda versão, revista e aumentada deste texto será publicada em "Diário dos Açores".

segunda-feira, fevereiro 29, 2016


Um Truque Iconoclasta
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Independentemente de estimas intelectuais ou amizades por algumas das suas figuras e próceres – ou até da partilha pontual de leituras, causas marcantes e justificadamente “vanguardistas” –, foi com algum (mas não inédito) espanto – e, mais do que isso, com indeclinável desagrado e sentido de reprovação – que parte da opinião pública (ao menos aquela que observou a dita peça em pré-vaticinada colagem e expansão mediáticas) terá reagido ao novo cartaz congratulatório e propagandístico do Bloco de Esquerda (BE), com o qual se pretendia festejar o anelado fim da “discriminação na Lei da Adoção” por casais homossexuais, obtido por votação de reconfirmação no Parlamento a 10 do mês de Fevereiro (137 votos a favor, 73 contra e 8 abstenções), e depois promulgado (19.02) por Cavaco Silva, que havia vetado o diploma em 25 de Janeiro.

– Ora esse imaginativo reclamo do BE, para além das sub-reptícias mensagens que proclama e espaventosamente divulgaria até às pontas da sua icónica estrelinha cabeçuda, não se ficou por menos e não teve melhor fixação simbólica nem fraseado de juízo que juntasse ao seu manifesto a não ser a frase “JESUS TAMBÉM TINHA 2 PAIS”, iconoclastamente inserida ao lado de uma reprodução da figura de Jesus Cristo (segundo uma identificável figuração representativa do Coração de Jesus)...



Entretanto, para quem não percebesse nada da complexidade (apenas teológica!?) do tema exposto na dogmática fachada radical e no decorrente alcance do dito “fora-de-porta”, logo veio à liça em cunha uma abençoada deputadinha do BE, explicando à ignara massa dos crentes, teólogos e exegetas, e à (outra) sua estrelada trupe, que os “dois pais”, a que se refere o dito placar, são “o pai espiritual e o pai terreno” (sic) de Jesus de Nazaré!

Assim sendo, era só esperar para ver no que mais daria este caso de cartoon lisboeta (e não só), para regalo de imitantes menores do Vilhena, ensinança a leitores politico-religiosamente (des)avisados de Cunhal (sobre uns tais “pequeno-burgueses” de classe e mente), e a certos “compagnons de route” da cada vez mais dessacralizada geringonça que oxalá não dê com todos os pais e deserdados filhos e afilhados do Rato nas águas turva do Tejo...

– Ora agora, como era de esperar, vimos assistindo a uma verdadeira catadupa de reacções em cadeia, verificando-se mesmo uma certa radicalização de posições e de avaliações divididas, tanto no sentido de procurar justificar (quando não louvar!) o bloquista cartaz, quanto opondo-se-lhe frontalmente a partir de quadros de leitura e valores muito diversos, não apenas por observadores ou analistas independentes e à margem de filiações ou perfilhações religiosas, político-partidárias ou doutrinárias, mas também de figuras dirigentes ou destacadas no próprio campo político-ideológico (aliás não uniforme, nem consensual, nem unanimista) do BE.



E foi assim que pudemos presenciar desacordos de assumidos activistas da LGBT (Isabel Advirta); da “comunidade católica” gay portuguesa (José Leote: “A utilização do ícone católico está no mínimo deslocada. Somos defensores da construção de pontes...”), e prontas tomadas de posição (entre outras que muito sintomaticamente se manifestaram, enquanto alguns da mesma trupe permaneceram cumplicemente encabulados...), nomeadamente de militantes e/ou responsáveis do BE, como Marisa Matias e Francisco Louça, unânimes, apesar de tudo, em salientar o carácter (pelo menos) “inoportuno” (e porque não oportunista?), errado e equívoco desse manifesto, a par das atabalhoadas explicações de Catarina Martins que procurou descalçar a chinela de um pé auto-furado e claramente apanhado a trilhar o terreno escorregadio onde evidentemente se enfiara ou deixou que expeditos ideólogos, estrategas, artistas/cartoonistas, sociólogos culturais e militantes seus se metessem, pisando complexos domínios ignorados (ou então, pior ainda, se sobejamente conhecidos, insensata, abusiva e errantemente movidos em intencional tropelia simbólica ultrajante, ofensiva, vilipendiante e obviamente tanto mais imbecil quanto queria ter entrado, à desmiolada tripa forra, a dar-se brado mediático, até supostamente de pleno direito, segundo Louçã, em consequência de um simplista “conceito moderno de liberdade e de responsabilidade”, que arrogaria como natural “que se use, neste terreno de humor, símbolos religiosos”?!)...

– Por outro lado, apesar de alguns denunciados tiques de esporádico e insólito “ofendidismo ultramontano”, como escreveu Mário de Carvalho – expectáveis e por isso antecipadamente evitáveis, em todos os terrenos da barricada! –, não se fizeram esperar indignados (e fundamentados!) comentários nos OCS e Redes Sociais; discordâncias político-partidárias do CDS-PP e do PSD; silenciamentos indefiníveis (?) do PCP e do PS (embora Brilhante Dias tenha falado em divisionismo “infantil”), e – enfim – legítimas objecções firmes, pessoais e institucionais, por parte de católicos responsáveis e da Igreja Católica como D. António Marto, João Vila-Chã, Gonçalo Portocarrero de Almada, Anselmo Borges, Vaz Pinto, Teresa Toldy, Alexandre Franco de Sá e Manuel Barbosa (porta-voz da Conferência Episcopal), todos confluentemente classificando o famigerado e estulto cartaz de afrontoso para os crentes, “lamentável”, “injurioso”, “ridículo”, “sem gosto e inoportuno”, “de teor sexista”, “desrespeitoso para com as convicções dos outros”, etc., reforçando o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, para quem o cartaz do BE é “negativo”, “falseia uma verdade” e “desqualifica quem a propaga”, sendo que falsear uma verdade “é a pior das mentiras”!



O assunto, como se compreende claramente, é complexo e envolve múltiplas e delicadas dimensões políticas, sociais, filosóficas, religiosas, cívicas, simbólicas, jurídicas e éticas, todas muito para além de um afinal mero cartaz com truques de propaganda pouco inteligente, dúbia e viciada (além de provincianamente copiada de um deslocado slogan metodista da americana gender equality), mas que nem por isso deixa de merecer ser profunda e criticamente pensado a partir daquilo que, na sua (in)significância malévola e banal, revela e oculta...




– Infelizmente, porém, quanto à maioria dos Católicos e de muitos dos nossos crentes e clérigos, cuja coerência e exemplaridade evangélicas, coragem e integridade de vida cristã (e cultura teológica!) amiúde deixam muito a desejar, talvez nem tenham reconhecido, com específica precisão, na dita peça iconoclasta, uma esbatida figuração da imagem do Sagrado Coração de Jesus (“não só um símbolo, mas também uma espécie de compêndio de todo o mistério...”), e com certeza maior, ainda para cúmulo das palavras e dos gestos que correm nestes injustos e violentos dias de crise e alienado tempo civilizacional em que vivemos, nem terão sequer ouvido falar da bem memorável Haurietis Aquas...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 01.03.2016):




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Nota:
A primeira parte deste texto foi publicada no jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 27.02.2016) e em "O Sinais da Escrita" (http://sinaisdaescrita.blogspot.pt/2016/02/a-familia-do-cartaz-independentemente.html), tendo a respectiva sequência, aqui integralmente incluída, sido publicada separadamente também no mesmo jornal, em 01.03.2016):















sexta-feira, fevereiro 26, 2016



A Família do Cartaz
e o Sagrado Coração de Jesus
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Independentemente de estimas intelectuais ou amizades por algumas das suas figuras e próceres – ou até da partilha pontual de leituras, causas marcantes e justificadamente mais “vanguardistas” –, foi com algum (mas não inédito) espanto – e, mais do que isso, com indeclinável desagrado e sentido de reprovação – que parte da opinião pública (ao menos aquela que já observou a dita peça em pré-vaticinada e triunfante próxima colagem e expansão mediática) terá reagido ao novo cartaz congratulatório e propagandístico do Bloco de Esquerda (BE), com o qual esta organização pretende festejar o anelado fim da “discriminação na Lei da Adoção” (por casais homossexuais), obtido, conforme o anúncio timbra, por votação de reconfirmação no Parlamento nacional a 10 do corrente mês de Fevereiro (137 votos a favor, 73 contra e 8 abstenções), e depois promulgado (19.02) pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, que havia vetado o diploma em 25 de Janeiro último.


– Ora esse imaginativo reclamo do BE, para além da mensagem jurídico-política e sociocultural que proclama e espaventosamente divulgará até às pontas da sua icónica estrelinha cabeçuda, não se ficou por menos, – e não teve melhor fixação simbólica nem fraseado de juízo que juntar ao seu manifesto a não ser a frase “JESUS TAMBÉM TINHA 2 PAIS”, iconoclastamente inserida ao lado de uma reprodução estilizada da figura de Jesus Cristo (segundo a conhecida figuração do Sagrado Coração de Jesus)...



 Entretanto, para quem não percebesse nada da complexidade (apenas teológica!?) do tema exposto na dogmática fachada radical e no decorrente alcance do “fora-de-porta” bloquista, já lá veio à liça, no jornal “Público” e em outros OCS, uma abençoada deputadinha do BE, explicando à ignara massa dos crentes, teólogos e exegetas, e à (outra) sua (deles!) estrelada trupe, que os “dois pais”, a que se refere o placar, são “o pai espiritual e o pai terreno” (sic) de Jesus de Nazaré!


– Assim sendo, é só esperar para ver no que dará este caso de cartoon lisboeta (e não só...), para regalo de imitantes menores do Vilhena, ensinança a leitores politico-religiosamente (des)avisados de Álvaro Cunhal (sobre uns tais “pequeno-burgueses” de classe e mente...), e a certos “compagnons de route” da cada vez mais dessacralizada geringonça que oxalá, mais dia menos dia, não dê com todos os pais e deserdados filhos e afilhados do Rato na água turva do Tejo...

P.S. - Em próxima Crónica, voltarei a este assunto, à família política do Cartaz, à sua trupe cultural e às suas insensatas, abusivas e errantes tropelias simbólicas...
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 27.02.2012):






Devoção Mariana congrega
paradigmáticas significações
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Entrevista ao Jornal “Diário Insular”
(Angra do Heroísmo, 26.02.2016)

 “Diário Insular” (DI) – A VISITA DA IMAGEM DE FÁTIMA AOS AÇORES ENVOLVE NOVAMENTE MÚLTIPLAS MANIFESTAÇÕES E SIGNIFICADOS. COMO INTERPRETA ESTE COMPLEXO FENÓMENO?

                                          Foto: António Araújo

Eduardo Ferraz da Rosa (EFR) – Trata-se sem dúvida de um notável e complexo fenómeno socio-religioso, agora intencional e simbolicamente reactivado no âmbito do Ano Santo da Misericórdia e da preparação das comemorações do Centenário das Aparições, envolvendo e integrando importantes e decisivas dimensões espirituais, antropológico-culturais e teológico-pastorais.



DI – ESTA É A TERCEIRA VINDA DE UMA IMAGEM PEREGRINA. EM QUE CONTEXTO DEVE SER SITUADA?  

EFR – Enquanto manifestação conjunta de uma estratégia evangelizadora da Igreja, de acolhimento valorizante da piedade popular e da profunda componente mariana do Catolicismo em Portugal (marcado por devoções cristãs ancestrais, às quais Fátima e a sua Mensagem vieram trazer específico conteúdo e alcance ímpares), estas visitas das “imagens peregrinas” devem ser compreendidas tendo em atenção todas essas dimensões.

– A primeira, em 1948 (nas dramáticas sequências do pós-guerra) e a segunda (em 1991) traziam, cada uma a seu tempo e modo, finalidades e configurações próprias, cuja apreciação detalhada fornecerá apaixonantes motivos para análise...

                                          Foto: Humberta Lima

DI – A COMPONENTE MARIANA DO CATOLICISMO PORTUGUÊS, COMO DIZ, É RELEVANTE. COMO TEM SIDO ESTUDADA?

EFR – Tal configuração pode ser detectada e relevada tanto na produção histórico-doutrinal, pastoral, artística, festiva, votiva e iconográfica católica (Encíclicas e suas recepções nacionais, Oratória Sacra, Cartas Pastorais, Devocionários, Arte Religiosa, assumpções e reproduções dogmáticas, categorias do discurso catequético, dedicações, peregrinações e consagrações, etc.), como na Literatura (Poesia especialmente), no Pensamento, na Música e nas Ciências Sociais.

                                                                 Foto: Margarida Quinteiro

– No caso de Fátima, toda a complexa fenomenologia situada, sistemática e crítica das Aparições continua a ser motivo para estudos multi-disciplinares cuja importância para a Teologia, a Mariologia e a Cristologia (releia-se a Lumen Gentium...) deve ser realçada, e para a qual a Filosofia, a Antropologia Cultural e a Sociologia devem ser logo chamadas a reflectir em conjunto, para aquilo que é afinal, quando não a partilha das vivências e esperanças de tantas gerações (e orações...) cristãs, ao menos a inteligência ou a hermenêutica da Fé!

                                          Foto: Humberta Lima

DI – NOS AÇORES ESTAS DEVOÇÕES TÊM HISTÓRIA?

EFR – Sim, sem dúvida! História, tradição, brilho e vigência de alma quase intemporais. Desde os historiadores até aos poetas – por exemplo, Antero, com a sua saudade trágica do rosto materno de Deus, ou o Nemésio das laudes à Virgem do Lenço –, sempre um imaginário feminino-mariano está presente...


E para nós, sem ser necessário invocar aqui grandes filósofos lidos ou teólogos conhecidos, ainda revejo e relembro hoje o nosso Padre Coelho de Sousa, lá na minha Praia, fazendo o Sermão da Procissão das Velas, na festa de Fátima, que era de lenços medianeiros e de lágrimas fundas e quentes derramadas ao vento, no adro da Matriz de Santa Cruz, na esperança do perdão, na saudade da infância, do embalo maternal e do socorro da Graça de Maria, – símbolos e metáforas sempre recorrentes na parenética do seu verbo passional e no seu pranto, para dizer, chamar, pedir ou ficcionar o Céu, o Sonho, o Lume, o Divino, o Rosto de Deus na ternura da Mulher, o Silêncio, a Verdade, o Amor, a vitória sobre a rastejante Serpente do Mal e o único e derradeiro alívio de todas as Dores e gemidos da Criação, pela mão e pelos olhos doces da Mãe, unidos ambos nos passos cansados daqueles que vieram (e vão) a pé de muito longe, ao cântico do Avé, Avé, Maria!

                                          Foto: António Araújo
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 26.02.2016):




sexta-feira, fevereiro 19, 2016


Desafios de uma Entrevista
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A Entrevista que o meu amigo Mário Cabral concedeu à RDP-RTP-A – e à qual o "Diário Insular" (de Angra do Heroísmo) na sua edição da passada sexta-feira deu justificado destaque – constituiu um relevante e significativo momento para a divulgação de um testemunho pessoal e de reflexão partilhada sobre a recente experiência vivida da doença oncológica que atingiu aquele escritor, poeta e professor de Filosofia na Escola Secundária Jerónimo Emiliano de Andrade.


– De resto, quem não conseguiu acompanhar esse trabalho dirigido pelos jornalistas Luciano Barcelos e Armando Mendes, nem pôde ler a citada, alusiva e subsequente reportagem, por certo, como recomendamos, não deixará de o fazer ainda, ou no em breve certamente disponibilizado arquivo de vídeo da TV regional açoriana.


Ora o depoimento de Mário Cabral veio a lume tanto na ocasião em que foram reveladas novas e preocupantes estatísticas sobre a incidência, variedade e prevalência global e específica do Cancro, como também numa altura em que se tem multiplicado nos OCS e nas Redes Sociais toda uma série de registos e narrativas pessoais sobre o impacto que o diagnóstico clínico, o tratamento, os percursos terapêuticos, os efeitos e os desenlaces dessa doença geram nos pacientes e suas famílias, nos profissionais de saúde, nos cuidadores e nos decisores político-sociais, – sendo também esta uma matéria que tem vindo a suscitar crescente atenção e diversificada abordagem no campo das investigações e estudos biomédicos, psicológicos, filosóficos, teológico-pastorais e antropológico-culturais, a par de tematizações confluentes e complementares nos domínios da literatura e das artes.


– Todavia, a Entrevista de Mário Cabral, para além das questões afloradas em resposta proporcionada às perguntas dos dois jornalistas, deixou ainda pendentes muitas outras questões profundas e complexas que merecerão certamente ulterior, sistemático e integrado tratamento crítico, tanto do ponto de vista antropológico-filosófico, ético, psíquico e metafísico, quanto numa perspectiva médico-clínica, socio-assistencial e de prestação de cuidados continuados e paliativos (cuja concepção, operacionalização em rede e extensão integrada continuam leviana e irresponsavelmente dissipadas de modo injusto e dilatório, estruturalmente inabilitado ou pura e simplesmente sujeito às consabidas e desgovernadas improficiências que ameaçam os sistemas de Saúde...). 
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Em Azores Digital:

























"Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 20.02.2016):