sexta-feira, novembro 09, 2012

Os políticos da Política



1. Acaba de ser colocada no mercado a nova obra de Tibério Cabral – A Política dos políticos, II Volume [Entrevistas] (Angra do Heroísmo, IAC, 2011) –, embora, ao contrário do que acontece com tantos outros autores e livros (aonde amiúde se forçam e forjam merecimentos…), sem qualquer sessão de Apresentação e Lançamento que as suas qualidades, especificidades e potencialidades plenamente justificariam…

O livro – embora sem precisa referência técnico-editorial – inclui também um sugestivo texto de abertura, a modos de prefácio (“Antes de ler as entrevistas”), por J. G. Reis Leite, relevando este conhecido historiador açoriano, com justeza, para além de algumas questões pertinentes de metodologia histórica e de crítica historiográfica, o especial valor das Entrevistas de Tibério Cabral, enquanto e porque elas constituem precisamente e “acima de tudo documentos e fontes orais para a nossa história contemporânea”, inscrevendo-as por isso, e bem, no âmbito das problemáticas próprias do “uso das fontes” e da consciência (maior ou menor, quando não até nula…) que disso mesmo os Entrevistados teriam quanto ao seu “papel de actores e construtores de uma memória”…


2. Neste 2.º Volume de A Política dos políticos, ao longo das suas 621 páginas, estão assim reunidas Entrevistas, todas datadas, que o Jornalista terceirense efectuou entre 1984 e 2009, sendo todavia que as mesmas reflectem a bastante diferenciada qualificação, desigual perfil, formação e estatuto dos seus Entrevistados, cujos posicionamentos conseguem ganhar aliás, lidos hoje, contornos quase incríveis ou patéticos, fabulosas (in)coerências de percurso, (in)consequências e (des)ilusões, a par de outras concatenações cuja comicidade, inverosimilhança ou futilidade chegam a atingir foros dramáticos…, atendendo às responsabilidade dos respectivos autores-actores mediáticos (ou apenas mediaticamente construídos!), e tanto mais quanto alguns dos dialogados discursos estão claramente marcados por naturais pré-conceitos, circunstancialismos, meras conjecturas de opinião interessada, e outras conveniências ou oportunidades de juízo volátil…

– Ali e nisso veremos todos enfim justificados os motivos para a retoma desta questão crítica, porquanto, sobretudo e de facto, como Reis Leite salientou, “na história política temos assistido a uma transformação do discurso em retórica memorialista e muitas vezes justificativa, que oblitera a função primordial da historiografia”!


3. Tibério Cabral, nascido em 1957, na freguesia das Fontinhas (ilha Terceira), desde cedo mostrou notável vocação para a prática e a escrita jornalísticas, afirmadas e confirmadas depois e até hoje por uma vasta, rica e diversificada experiência na Comunicação Social açoriana (Rádio e Jornais), documentada no seu currículo (também cultural e artístico) e na sua já significativa e talentosa produção reunida em O que eles disseram (1998), A Política dos Políticos, I (2001) e Igreja – Virtudes e Pecados (2004).

– Tal como escrevi anteriormente, no estudo de Introdução ao igualmente notável 1.º Volume (2001) desta série, também estas Entrevistas tornam a dar paradigmática conta, através das palavras ali suscitadas, ditas, entreditas e interditas, tanto da recorrente ou previsível indigência, quanto da extraordinária reserva e limites de humanidade que nestes domínios e discursos acolhidos e recolhidos nas nossas ilhas grassam, exactamente como naqueles parabólicos campos do trigo e do joio que socio-histórica, cultural e espiritualmente sempre juntos crescem, mas que o Tempo se encarrega, mais tarde ou mais cedo, de separar para a ceifa e para a recolha da Verdade …
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Publicado em Azores Digital:
RTP-A:
Networked Blogs:
e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 11.10.2012):
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 10.11.2012):




sexta-feira, novembro 02, 2012

As Passarolas Visionárias


Vá lá saber-se se por uma qualquer causa real e efectiva, conquanto desconhecida ou pouco positivamente verosímil, ou se apenas fruto de uma fortuita coincidência de factores mais ou menos aleatórios, mas todavia misteriosamente conjugados – a modos de conjunção escrita nos astros, no destino ou no fado, como diriam certos crentes em ordens sobre e infranaturais (ou em outras disposições mais astralmente próprias de um mundo ainda visto e dito sob modelos aristotelicamente sublunares…) –, a verdade é que parece haver na história dos homens, dos povos, das regiões e das tribos um significativo número e uma espantosa variedade de factos e fenómenos que, aparentemente querendo escapar a uma explicação linear e objectiva (no que respeita à sua origem, instrumentos, formas de manifestação e subjacente finalidade), prestam-se depois aos mais mirabolantes esquemas e propostas de causa/efeito…

– Ora foi isso mesmo que se tornou a verificar com as fúrias do Sandy, tempestade que se abateu nos últimos dias catastrófica e especialmente sobre a costa leste dos Estados Unidos e com emblemático expoente naquela metrópole que ainda não há muitos anos, por outras causas, cérebros e mãos, viu desabar apocalipticamente dois dos seus mais exemplares ícones de negócio e orgulho (ambos, embora confiantes “em Deus”, arranhando o Céu, ou melhor, como bem corrigiria o velho Platão, os céus, entendidos estes como algo cá mais por baixo, com nuvens escuras, visíveis e hodiernamente rasgáveis por naves inter-planetárias, satélites espaciais, mísseis, aviões, balões e outras passarolas voadoras (todas afinal cridas e queridas herdeiras, para elevação do orgulho lusíada, daquela nave do padre Bartolomeu de Gusmão, que Saramago, para nosso regalo de leitura, tão inspiradamente também faria subir, mesmo contra velhas e novas inquisições culturais, lá pelos maravilhosos ventos ficcionais e romanescos do seu Memorial…).

É claro que sobre o furacão Sandy não faltaram genéticas teses surreais, desde as míticas e “religiosas” certezas de um tal McTernan (pregador e invocador de castigos celestes “made in USA”), até às mais tecnologicamente sofisticadas e visionárias teorias energéticas e climatéricas (espécie de feitiço com chuvas, ventos e danças à Obama, nas vésperas da eleição presidencial na nação mais poderosa do planeta Terra)!

– Porém, cá na Ocidental Praia, os vaticínios tem sido bem mais rasteiros, e o grande adivinho de serviço por estes dias de todos os santos e fiéis defuntos (ou a caminho disso, na romaria nacional que orçamentalmente a tanto e tal se perfilha…), foi apenas um baixote, enorme e substancial comentador do PSD, um dos tais que por essas ilhas abaixo (e de baixo!) andaram pregando, sem convencer nem converter ninguém, com as suas dissimuladas, quase extra-terrestres e pueris narrativas!

Agora, que a nova passarola vai levantar voo, veremos todos até onde o seu vespertino rumo a vai levar, com nove ilhas a bordo e algumas asas e penas feridas à nascença…
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Publicado em RTP-Açores:
Azores Digital:
Networked Blogs:
e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 04.11.2012).
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 03.11.2012).

sábado, outubro 27, 2012

O Vazio da Sala




Das muitas imagens mediaticamente divulgadas, daquilo que elas traduzem de significativas perspectivas do mundo político-partidário, psicossocial e ético que nos cerca, e das confluentes realidades e valores em que vivemos e vegetamos, constituiu amostra bem documentativa as que foram transmitidas, a partir da sede do PSD, em Ponta Delgada, no passado dia 14, data das últimas eleições regionais.

De facto, foi algo de muito evidente e revelador o que foi possível visualizar daquele ambiente, quando – sabendo-se já dos mais que comprováveis e fracassados resultados nas urnas para os ditos social-democratas ilhéus –, as câmaras de televisão e a vacilante reportagem do jornalista para ali destacado deram conta da constatável e quase embaraçosa e confrangedora atmosfera naquele recinto: um fantástico cenário de deserto pessoal (e de pessoais deserções!), – tão pesada e densa que os experientes e benevolentes homens dos OCS presentes nem jeito ou ânimo tiveram para exibir, em toda a sua escancarada crueza, semelhante descida a tão gélido purgatório nocturno que – mais do que surpreendente, inacreditável até – naquele patético salão, patente estava…

E assim se foi esperando e fazendo esperar, e circundando a cobertura, e apenas fazendo-se chegar a substancial conteúdo de anúncio verbal a chegada dos poucos vultos que por ali, salientes e despontando, a soluço assomavam, excepção feita a Mota Amaral (em dignidade, ainda e sempre, o primeiro!).

Mas logo depois, então, foi o que à exaustão, à mostração nua e dura, se viu e transmitiu para quem tanto e mais quis acompanhar e sentir, por esse atónito arquipélago adentro…E lá começaram os penosos reconhecimentos da derrota, os agradecimentos da praxe, as respostas evasivas, as suspensivas reservas e omissões, e o realinhamento (com acenos de aflitiva chamada à linha ou à cara) do cabisbaixo entourage mais firme e proximal da grande candidata e timoneira desta mal fadada campanha; e pouco mais!

– Dos rostos e saracoteamentos arrogantes ou gananciosos de outrora, da evanescente e lesmática claque de ontem, dos ilustrados e recorrentes capangas de “olho na faca, olho na lapa”, ouvidos sempre na onda e no calhau para o salto oportunista, como dizia o outro, nem sombra; nicles!

O resto, que não se conta aqui por pudor (e quase vergonha pelas culpas e pecados alheios, mas que de algum modo a todos nós devem fazer reflectir…) ficará para depois. E todavia, a cumprir-se o maldoso (e talvez injusto, porque genérico) chiste açórico, da actual toca do Coelho, “nem por carta nem por escrito”!

– Por isso mesmo, não será talvez tão cedo que aquela sala e aquelas cadeiras, agora medonhamente vazias, desguarnecidas e desguardadas, tornarão a encher-se com gente capaz, esperançosa e honrosamente perfilhada em defesa da nossa terra, pacificamente construindo e partilhando o pão do Povo em Liberdade, como no seu antigo, porém agora desbaratado e desafinado hino de glórias passadas e novas ilusões futuras…

E assim as mesmas salas, cadeiras e câmaras, de mal a pior, vão continuar provavelmente ainda mais ocas e irrelevantes, sem a mínima presença que mereça crédito limpo, generoso empenhamento político-partidário ou confiança ética!
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Em  Azores Digital:
RTP-Açores:
"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 28.10.2012);
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 27.10.2012).

sábado, outubro 20, 2012

Leituras para o Outono





Na próxima semana e depois a decorrer entre os dias 26 de Outubro e 4 de Novembro, começará na cidade da Praia da Vitória (Academia de Juventude da Ilha Terceira, Auditório do Ramo Grande e Casa das Tias) mais uma edição (a sétima) do Outono Vivo, um Certame cultural e artístico fomentado anualmente pelo respectivo pelouro municipal da Cultura (e animado pela perseverança institucional e a conhecida insistência e diligência pessoais do respectivo vereador…).

Tratando-se de facto de uma iniciativa válida e única no seu género entre nós – aliás cujas virtualidades socioeducativas e múltiplos e reprodutivos alcances nunca será de mais relembrar nos tempos que correm, conquanto, como é evidente, à dimensão possível dos recursos financeiros, logísticos e humanos presentemente disponíveis e esforçadamente disponibilizados pela autarquia praiense –, não pode assim a efectivação do seu já divulgado e promissor Programa (disponível na íntegra em http://www.outonovivo.com/pdfs/material/3.pdf) deixar de granjear aqui uma palavra de merecido aplauso, tanto mais quanto o mesmo resulta de um verdadeiro e meritório esforço de promoção da Cultura, das Artes e das Letras nos Açores e com Açorianos.

– Este ano subordinado ao tema “Açorianidade – Percursos à volta de casa”, o Outono Vivo incluirá Conferências (Luís Fagundes Duarte, Eduardo Ferraz da Rosa, Ivo Machado e Daniel de Sá), Lançamentos e Apresentação de livros (Vamberto Freitas, Reis Leite, Avelino Meneses, Álamo Oliveira, Vasco Pereira da Costa e Manuel Machado, entre outros), Concertos, Exposições, Workshops, Teatro, Filmes, Documentários, um Colóquio/Debate (“Os Escritores Açorianos – que futuro?”, moderado por Sidónio Bettencourt) e a já habitual Feira do Livro.

Alberto Manguel, numa obra fascinante sobre livros e bibliotecas, afirmava que a leitura, porque libertadora do pensamento e do agir, bem que se podia dizer estar justa e criticamente “na base do contrato social”, até porque “uma multidão de analfabetos é mais fácil de governar”…

– Talvez também por isso é que todos os Outonos, desde que livres, vivos e despertos, (com palavras, sons, cores e alma…), podem mesmo ajudar a decifrar os signos do tempo, contribuindo decisivamente para a progressiva evolução das mentalidades e a cada vez mais urgente transformação do mundo!
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Publicado em RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/index.php?article=29280&visual=9&layout=17&tm=41;
"Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 20.10.2012);
Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/;
"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 21.10.2012),
e Networked Blogs:
http://www.networkedblogs.com/blog/os-sinais-da-escrita?parent_page_name=source.

sexta-feira, outubro 12, 2012

O Cinquentenário do Concílio



Passados 50 anos da sua Abertura (11.10.1962) por João XXIII, o Vaticano II – terminado a 8.12. 65 (já sob o Pontificado de Paulo VI) – representou para a Igreja e para o Mundo um marco espiritual, pastoral, histórico-civilizacional e cultural verdadeiramente notável, pelo que, nesta efeméride do seu quinquagésimo aniversário, esse grande Concílio começou já a ser justamente relembrado, evocado, relido e reaprofundado – dos mais diversos, inspiradores e complementares modos, nas suas amplas vertentes e dimensões, e em várias regiões e países (incluindo Portugal) –, naquilo que se espera seja mesmo um movimento de real empenho na recuperação renovadora do seu original, mais fidedigno e genuíno aggiornamento como e enquanto cristã “tensão positiva” entre as Duas Cidades (para compendiarmos em termos agostinianos…), tal como acabou de propor o actual Papa (ele próprio membro de uma antiga e brilhante geração de Teólogos – Rahner, Chenu, Lubac, Congar, Calvez, Dubarle, Schillebeeckx… – acompanhantes e animadores daquele tão promissor 21.º Concílio da História do Catolicismo).

Convocado em 21.12.1961, pela Bula “Humanae salutis”, o Vaticano II decorreu em quatro Sessões e produziu 4 Constituições, 9 Decretos e 3 Declarações, nele tendo participado (ou apenas comparecido…) mais de 2.000 prelados – entre os quais 39 portugueses (alguns naturais dos Açores: Costa Nunes, José Pedro da Silva, José Vieira Alvernaz, Jaime Garcia Goulart e Paulo José Tavares –, Cardeais, Arcebispos, Bispos (o de Angra também, Manuel Afonso de Carvalho) e um Sacerdote.

– “Ainda hoje estamos felizes, mas a nossa alegria é mais sombria, mais humilde”, afirmou Bento XVI ao inaugurar em coincidência o presente “Ano da Fé”, mas bem podendo aliás ter retomado as consagradas e programáticas palavras do pórtico da Gaudium et Spes, ou finalizado com a retoma dos gestos reiterados na “Mensagem dos Padres do Concílio ao Mundo” (em Novembro de 1962), para uma urgente atenção prática, denúncia profética, comprometimento alternativo, generosidade e partilhado testemunho de Fé e de Vida autênticos, face às alegrias, esperanças, tristezas, angústias, misérias morais, sofrimentos e aspirações dos Homens e dos Povos, do nosso e de todos os tempos…
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Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 13 de Outubro de 2012):
Azores Digital:
RTP-Açores:




terça-feira, outubro 09, 2012

As Lentilhas do Parlamento




Na Assembleia da República, quando da discussão parlamentar da última Moção de Censura ao Governo (apresentada pelo BE e pelo PCP), a deputada e vice-presidente do PSD, Teresa Leal Coelho, a dada altura da sua intervenção, bradou:

– “E para terminar pergunto apenas ao senhor deputado João Semedo [BE] se pode olhar nos olhos dos portugueses e dizer-lhes que este debate está a ser pago, está a ser financiado, não por um Moscovo soviético mas por uma Troika que financia os vencimentos de quem aqui falou” (sic)!

Ora este já famoso grito tribunício, que continua disponível em https://www.youtube.com/watch?v=uDYqjiiNhTQ&feature=player_embedded, sendo logo bem revelador de uma confrangedora emoção discursiva, chega mesmo a atingir as raias de uma inconcebível e intolerável falta de senso patriótico e de pudor político-parlamentar e pessoal (ali exemplarmente documentados e talvez só freudianamente explicáveis de maneira mais consentânea…).

– Todavia, o que acima de tudo e nesse cenário se revelou mais insuportável foi ver-se uma representante nacional – portuguesa! – querer amarrar (cerceando-o com o aceno da dramática e pendente hipoteca que vexativamente impende sobre toda a nossa Nação…) o direito à crítica tal como o BE a entendeu fazer – ou outra que fosse, independentemente até do respectivo conteúdo! –, tentando de seguida travá-la censoriamente, ou pretendendo submetê-la à tutela e – vamos lá, para sermos mais duros… – ao gosto, ou à paga, da ração que lhe(s) cai na malga parlamentar...

Ou então, dito de outro modo, querendo fazer afinar as pautas (portuguesas, apesar de tudo), na Assembleia República, pelo tom, ou pela conveniência, da voz de comando dos donos ou dos capatazes (estrangeiros) que, provisoriamente (?), co-governam Portugal a meias com o desastrado Executivo de Passos Coelho e com a conjuntural e já periclitante maioria parlamentar que o suporta!

Na verdade, conforme tem sido salientado, o que está aqui primeiramente em causa, porque é politicamente desonroso para os Portugueses, é exactamente essa espécie de rendição cabisbaixa às imposições (a todas elas, e às vezes mais até do que a elas próprias…), a troco de um suposto merecimento de alguns pratos de lentilhas para a mesa do Parlamento e de mais alguns euro-trocos para o Povo (?) Português…




– E depois, é evidente que na trepidação saída daquele excitadíssimo peito “social-democrata” estava também presente uma outra vertente que – essa, sim – sendo político-ideológica e partidária mas nem sequer estando aqui em discussão, de resto, foi lá metida, conquanto de modo extemporâneo e historicamente abstruso, a primário, invertido e descabido talho de foice e martelo... 

Porém, nem é sequer tanto por isso que as vibrações e os agachamentos da dita deputada nacional – portuguesa… e logo da bancada do partido tão dignamente fundado por Francisco Sá Carneiro! – deixam de ser menos patéticas.

Todavia, que se há-de fazer, quando são desta qualidade os talentos parlamentares e os supostos e apregoados patriotismos das actuais classes dirigentes alfacinhas e das suas claques políticas europeias que – em Berlim, Bruxelas e Lisboa (ou ainda, recorde-se, lá pelas ruas de Paris, por onde se esgueira sorrateiro e calado, impune e expatriado, o outro nominal troca-tintas do figurão grego …) – tem vindo a reduzir a realidade e a imagem de Portugal, agora sob um novo Ultimato, à triste figura de uma pequena e pobre colónia recheada de caloteiros e agiotas, e que – por isso mesmo – apenas tem merecido ser governada, sem soberania nem crédito, sob um regime de humilhante protectorado, como se fosse um País e um Povo sem História, sem Pensamento, sem Personalidade, sem Cultura, sem Alma e sem Honra!?
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Em: “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 10.10.2012);
“Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 10.10.2012);










sábado, outubro 06, 2012

As Obscuridades da EDA


Não há dúvida que a formosa Empresa de Electricidade dos Açores (EDA) tem um invejável historial de bem servir e alumiar os seus clientes, proporcionando, há décadas, na ilha Terceira – e provavelmente também em todo o nosso restante Arquipélago – uma produção, distribuição e assistência de alto gabarito energético!

– Por aqui e hoje, na mesa de trabalho e estudo onde esta Crónica costuma ser escrita, já foram várias as vezes em que subidas e descidas de corrente deram sinal dessa excepcional e fiável prestação pública, atirando sistemas e programas abaixo e acima, enquanto as luzes, apitos e aparelhos de toda a casa ganham inusitada agitação e parecem ir finar-se a espaços oscilantes e imprevistos, sendo que nem sequer os normalmente suficientes estabilizadores e suas precaucionais e acopladas unidades UPS (outro acrónimo, mas este de “Uninterruptible Power Supply”…) conseguem haver-se em conta com tão eficiente abastecimento…

E o caso, nesta circunstância, até se ficou por menos, não tendo o diabo vindo tecê-las para ficarmos em apagão, horas a fio, como ainda há poucos dias voltou a suceder!

– É claro que aos prejuízos, avarias, incómodos, arrelias, atrasos, indemnizações e avultadas despesas de manutenção, que desses negrumes técnicos recorrentemente decorrem, nem vale a pena contabilizar, ao lado daquilo que tanto tem sido dito, escrito e protestado em vão, desde as associações de Comércio, Serviços e Indústria à mais pequena e bucólica casinha dos contribuintes açorianos.

Todavia, este caso não poderia ficar desfocado e sem mais uma achega face a alguns velhos e conhecidos papéis, arquivos, relatórios e recortes onde não faltam números, potências, centrais, geradores, redes e demais panóplia para registo do brilhante cadastro empresarial da dita EDA, a par de alguns bem recordáveis, co-responsabilizáveis e sucessivos administradores, delegados, antigos e actuais responsáveis planeadores, gestores, “public-relations”, imparciais e ajuizantes conselheiros de sentença sempre oportuna, iluminados académicos e/ou ressabiados e descansados comissários político-administrativos de alta e baixa tensão…, – todos eles já em postos de transformação para melhores diferenciais (e sem choques nos respectivos e inocentados padrinhos institucionais, nem curto-circuito nos fusíveis das suas condensadas memórias, ascensionais carreiras ou douradas reformas…), atirando pedras, calhaus, raios e coriscos aos filamentos virgens das lampadazinhas dos outros, agora que a luz se apaga, ou alguma baixa nos débitos cúmplices de outrora recomeça a manifestar-se com as ventanias e ameaças deste inseguro e eleitoral Outono dos patriarcas e suas luminárias!
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Publicado em:
"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 06.10.2012);
"Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 05.10.2012);

sábado, setembro 29, 2012

O RACIONAMENTO 
da Vida e da Morte




O Parecer que acaba de ser emitido (64/CNECV/2012) pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida sobre Um Modelo de Deliberação para Financiamento do Custo dos Medicamentos – e sobre o qual logo se quis dar conferência de imprensa “para esclarecimento de todas as questões relativas a esta temática” (sic) –, teve o condão de começar a gerar todo um salutar e expectável coro de indignados protestos, críticas e repulsas, desde a Ordem dos Médicos (que o rotula de “redutor e desumano”, interrogando: “Vamos regressar ao princípio Ceausescu de que o mais barato é o doente morto? Quem vai perguntar aos doentes se prescindem de viver mais dois meses porque é caro?”), a Liga Portuguesa Contra o Cancro (que o dá como “desnecessário, inócuo e perigoso na medida em que isso pode abrir a porta para que tratamentos, que estão perfeitamente aceites do ponto de vista mundial, possam ser cortados", adiantando: "Penso que o Conselho deveria ter dito que era que todos os medicamentos que fossem comprovadamente úteis na cura, sobrevivência e na qualidade de vida não deveriam ser cortados aos doentes"), e a coordenação do Plano Nacional de Prevenção das Doenças Oncológicas (precisando que racionamento é "utilização limitada de um medicamento"), até às reacções – que assumidamente mais quero relevar e que politicamente partilho – de António Arnaut (“O Estado não tem autoridade moral para cortar naquilo que é essencial à vida e à dignidade humana”; “uma discricionariedade perigosa”; “uma aberração ética e um absurdo médico”) e de Maria de Belém Roseira (“a estratégia de comunicação, que fala em racionamento em vez de racionalização, é o pior que há. O sublinhado no racionamento é extraordinariamente perigoso, sobretudo na presente época”; “o direito à saúde é um bem social e o pior que pode acontecer é que se transmita às pessoas a ideia de que estar doente é um peso social, ou que estar com uma doença grave é algo que tem de ser visto ponderando os custos da pessoa, esquecendo completamente os princípios éticos que devem presidir a qualquer decisão”; “Eu não quero viver num país onde a mensagem que se transmite é que os velhos são um peso para a sociedade, porque são pensionistas, e em que os doentes são considerados um peso para a sociedade, porque gastam muito dinheiro”)!

– Ora já não é a primeira vez que este órgão consultivo (cujos regime jurídico, constituição, produção doutrinal, etc., podem ser consultados em http://www.cnecv.pt/index.php) emite opiniões que se revestem de evidente carácter controverso, sabendo-se ainda e para mais muito bem qual o tipo de dissensões e diferenciações internas (disciplinares, filosóficas, técnico-científicas, políticas, religiosas e éticas) que dividem os seus 17 membros (dos quais, aliás, só 11 estiveram presentes na reunião que aprovou – e quantos deles reprovam ou subscrevem? – o dito Parecer…).

Porém, neste documento – apesar dos facetamentos que a sua leitura integral não deixa de ressalvar parcialmente, conquanto mesmo assim de modo dúbio –, a verdade é que o juízo ético-político, a percepção global e a decorrente prática técnico-institucional, real ou potencialmente ali desenhados e acolhidos, encontram mesmo nele uma aberrante fundamentação (e cobertura!) para quanto perspectivam e avaliam sobre a vida humana e sobre as suas derradeiras temporalidades neste mundo, a enfermidade e o sofrimento crónicos e – por fim e implicitamente – sobre a própria prestação de cuidados médicos, clínicos, de enfermagem, paliativos, continuados e outros afins, que aos cidadãos nessas condições deveriam ser sempre imperativamente proporcionados!

Fruto de uma visão distorcida da condição humana e da justa ordenação sociopolítica, jurídico, económica e ética – aliás denunciadora de uma alienante e alienada perspectiva materialista, economicista e até eugenista da doença e da gestão da Saúde e da Assistência Social –, este papel do CNECV, elaborado no seguimento e para satisfação do “pedido formulado por Sua Excelência o Ministro da Saúde [e] diz[endo] respeito à elaboração de um Parecer sobre a fundamentação ética para o financiamento de três grupos de fármacos, a saber retrovirais para doentes VIH+, medicamentos oncológicos e medicamentos biológicos em doentes com artrite reumatóide” (sic) –, é bem revelador de todo um conjunto de outros e idênticos racionamentos (sic) ou cortes nos direitos e deveres das pessoas e das instituições, na dignidade constitucional dos cidadãos, na justiça social e até na garantia do exercício ético, técnico e espiritual da compaixão, da competência, da salvaguarda da vida e da protecção dos mais fragilizados, indefesos ou dependentes, para não dizer da preservação do direito à vida e à morte, sem tortura, padecimento, agonia, sadismo ou para-assassinato psicofísico (e metafísico, evidentemente, para quem desta dimensão tiver o mais ínfimo vislumbre antropológico, religioso ou apenas moral…)!

– Pior do que tudo isto que agora parece tecer-se, ao que se entende, de facto, só mesmo a legalização da eutanásia, coisa que talvez não deixará de vir a caminho e de seguida, enquanto paira já nas mentes e nas cartilhas das causas “fracturantes”, como o reverso incoerente e conspurcado daquilo que hoje se irá condenar e mais há-de servir para arremesso apenas táctico nas campanhas eleitorais do costume, para entretenimento de espíritos entorpecidos e canalização dos votos incautos dos mais cegos, ou dos mais estúpidos…

E assim aqui chegámos, nesta desgraçada e ignara Pátria, nestes tempos de decadência, de opressão desumana e de irresponsabilidade:

– Gasta-se uma vida inteira de trabalhos, descontos, sacrifícios, impostos e contratualizadas e legítimas expectativas, para, ao final dela, uma qualquer corja política de uma qualquer série de governos de pacotilha e seus celerados ministros e conselheiros, poderem aplicar ao Povo, depois de lhe tirarem a saúde e a esperança, o trinco na corrente do soro, ou a última injecção letal!

E enquanto tudo isto se passa, o outro, coitado, na sua assustada plástica de mandarete a prazo, vai recitando Camões, como se o tivesse lido e compreendido, com a cabeça dentro da toca… 
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Em “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 30.09.2012).
Id. em Azores Digital:
RTP-Açores:
e Networkedblogs:
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 29.09.2012).




terça-feira, setembro 25, 2012

Economia, Moral e Política



           Depois de escrito e publicado neste jornal a nossa habitual Crónica da semana passada, tiveram lugar as mais do que expressivas, impressionantes e gigantescas manifestações populares nacionais (que falaram por si!) contra a política do governo de Passos Coelho, a par da continuação das já esperadas ou previsíveis e consabidas tomadas de posição por parte dos partidos, parceiros e formações sociais, das quais é justo salientar o exercício de equilíbrio político-partidário (com algum denunciado mas notável e controlado malabarismo à mistura…) de Paulo Portas, e bem assim os reacendidos argumentos de políticos, economistas, sociólogos e analistas sociais, e de entre eles os de Manuela Ferreira Leite (no jornal i do dia 15) e de Vítor Bento (https://www.youtube.com/watch?v=QVscITlSkTY&feature=player_embedded), em entrevista à TVI.

Quanto a esta última intervenção, mesmo sem entrarmos de pleno em âmbitos fundamentais e próprios da Filosofia Política, ou logo em questões ideológicas (conquanto estas nunca possam ser escamoteadas nas respectivas funções e escalas!), deve ser dito aqui que muitas das suas reflexões, vindas aliás na linha de abordagens prévias (v.g. em http://www.youtube.com/watch?v=TaXilMs8250&feature=related), haviam já sido feitas anteriormente também por outros, embora com variantes de discurso e argumentos.

– De qualquer modo, como seria de aguardar de um economista (e Conselheiro de Estado) tão sério, ponderado e consciencioso como Vítor Bento, é sempre bom repensar, frontalmente e sem falsificações iníquas, as doenças do País, o remédio e o seu sucedâneo, como ele diz… Coisa que Passos Coelho, infeliz, irresponsável e incompetentemente, não soube, nem nunca certamente saberá fazer!

De resto, muitas das questões teóricas e práticas aqui e ali abordadas andam irrecusavelmente centradas naquilo que na obra Economia, Moral e Política (Lisboa, FFMS, 2011) vem assumido assim:

– “Como se poderá verificar […], sustento, nomeadamente, que a Economia, enquanto estudo da realidade ou, mais propriamente, do comportamento humano relacionado com a actividade económica, é uma ciência positiva e, como tal, (praticamente) autónoma de considerações morais. Mas que a economia, enquanto actividade humana, funciona sempre em contextos morais. E que toda a acção que visa influenciar o funcionamento da economia, ou mesmo os juízos formulados sobre esse funcionamento e os seus resultados, são, sempre e por natureza, moralmente orientados e dependentes da escala de valores morais de quem julga ou de quem age (ou quer agir). E que uma tal acção pertence, também por natureza, à Política.

“ […] É claro que, quanto mais diversas forem as escalas dos intervenientes, mais difícil será a eficácia da acção política, quer se trate da sua formulação, quer se trate da sua concretização. Por isso, as sociedades que melhor conseguem articular o seu funcionamento e a sua acção política são aquelas em que é possível criar consensos morais para a acção política”…

– Lúcidas e prudentes palavras estas para os perigosos e abismais dias que correm, aonde, na inversão exacta da expectável e paciente ordem das coisas, dos valores e dos sacrifícios, quiseram vender lebre por gato a todo um adiado e agora revolto País …
Por outro lado e entretanto foram-se sucedendo as mais diversas tomadas de posição sobre a muita crítica e real situação do País, para a qual, aliás, não é fácil encontrar uma solução equilibrada, justa e minimamente prestigiante, tanto interna como externamente e face ao essencial que importa salvaguardar, como todos os portugueses puderam certamente tornar a constatar hoje perante a cegueira, a surdez e o mutismo invertido (ou de substituição) que se verificaram no debate realizado na Assembleia da República!

Porém, nos Açores, o tempo tem sido de tempestade, de esgalhar árvores e apresentação de listas de candidatos, sabe-se lá qual das tormentas a mais difícil de suportar, gerir e remediar no futuro, – seja ela o dos anticiclones autonómicos, a dos ventos e assentos parlamentares, a da dança das pastas executivas próximas ou a das Autárquicas do ano que vem (para onde muitos dos ditos estariam de facto e estrategicamente tão bem posicionados como dedos numa luva à medida…), – mesmo sem levar em linha de conta as produções, talentos mediáticos, audiovisuais ou quejandos que as mais ou menos felizes ou conseguidas feituras de dobragem de voz, enredo e legendagem – nas máquinas partidárias ou em outros centros de propaganda e contra-propaganda anónima, clandestina ou apenas mafiosa e incautamente (en)coberta… –, vão vendendo à porta de cada um e nas redes sociais, à falta de melhor e mais assumido meio e assinatura, entre pequenos grandes ramos e areias atiradas aos olhos dos eleitores e contribuintes…

E para tal nem será sequer necessário abrir o YouTube, o Facebook ou os sítios partidários que muito em moda e alta estatística de acesso e recomendação de consulta vão granjeando por aí:

        – Basta abrir a portinhola da caixa do correio, a janela de casa ou a do carro, para sentir no ar um antigo cheiro a pólvora, como antigamente se dizia e fazia em Ilhéus, no tempo recorrente ou remoçado dos velhos e duros coronéis, capitães do mato, jagunços e suspirantes moças românticas e passionais, todos à espera da hora da telenovela dos outros, quando não ou afinal eles mesmos já propriamente dentro dela, como figurantes inocentes (?) mas úteis de uma tragicomédia, insularmente repetida ad nauseam, porém que tornará a ultrapassá-los irremediavelmente de novo e mais depressa do que se imagina!
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Publicado em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 23.09.2012).

sábado, setembro 22, 2012


Um Filme de Ilhéus



Nos últimos dias, nos Açores, o tempo tem sido de grande tempestade, de esgalhar árvores e apresentação de listas de candidatos, sabe-se lá qual das tormentas a mais difícil de suportar, gerir e remediar no futuro, – seja ela verdadeiramente a dos anticiclones autonómicos, a dos ventos e assentos parlamentares, a da dança das pastas executivas próximas ou a das Autárquicas do ano que vem (para onde muitos dos ditos estariam de facto e estrategicamente tão bem posicionados como dedos numa luva à medida…).

– E isto mesmo sem levar em linha de conta as produções, talentos mediáticos, audiovisuais ou quejandos que as mais ou menos felizes ou conseguidas feituras de dobragem de voz, enredo e legendagem – nas máquinas partidárias ou em outros centros de propaganda e contra-propaganda anónima, clandestina ou apenas mafiosa e incautamente (en)coberta… – vão vendendo à porta de cada um e nas redes sociais, à falta de melhor e mais assumido meio e assinatura, entre pequenos grandes ramos e areias atiradas aos olhos dos eleitores e contribuintes…

De resto, para tal nem será sequer necessário abrir o YouTube, o Facebook ou os sítios partidários que muito em moda e alta estatística de acesso e recomendação de consulta vão granjeando por aí:

– Basta abrir a portinhola da caixa do correio, a janela de casa ou a do carro, para sentir no ar um antigo cheiro a pólvora, como antigamente se dizia e fazia em Ilhéus, no tempo recorrente ou remoçado dos velhos e duros coronéis, capitães do mato, jagunços e suspirantes moças românticas e passionais, todos à espera da hora da telenovela dos outros, quando não ou afinal eles mesmos já propriamente dentro dela, como figurantes inocentes (?) mas úteis de uma tragicomédia, insularmente repetida ad nauseam, porém que tornará a ultrapassá-los irremediavelmente de novo e mais depressa do que se imagina!   

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Publicado em RTP-Açores:
“Diário Insular” (Angra do Heroísmo” (22.09.2012):
Azores Digital:
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http://www.networkedblogs.com/blog/os-sinais-da-escrita?parent_page_name=source

sábado, setembro 15, 2012

O Golpe do Coelho




1. No vocabulário clínico, biomecânico e da sinistralidade ortopédica e neurológica é usada a expressão “pancada ou golpe do coelho” para denominar um grave impacto (geralmente pela retaguarda, popularmente dito pelas costas ou no lombo, e tecnicamente designado whiplash: à letra, chicotada, choque, embate de chibata ou vergasta) e a eventualmente decorrente letal lesão cervical ou lombar que, na sequência desse violento golpe, é gerada com a desarticulação ou destruição de vértebras, desagregando-as, destroçando-as e podendo assim até provocar o esmagamento profunda da própria medula espinal.

Ora – conquanto sem culpa nenhuma dos mimosos e adoráveis bunnies domésticos, pascais ou outros que magicamente saem das cartolas dos prestidigitadores… –, e pese embora a real carga arrepiante que a metáfora aqui lembrada contém (além da efectiva praga que os ditos mamíferos orelhudos podem às vezes consumar…), foi essa analogia, de entre muitas, aquela que mais exactamente me ocorreu ao ler e cotejar selectos depoimentos – cinco ao todo, como os dedos diferenciados de uma mesma mão –, a propósito das últimas medidas fiscais anunciadas pelo governo PSD/CDS-PP de Lisboa & Troika…

Na verdade, as antinómicas intervenções e os respectivos conteúdos, exemplares cada um a seu modo – de Passos Coelho e Vítor Gaspar, por um lado, e de Marcelo Rebelo de Sousa (na TVI), Pacheco Pereira (com o notável artigo "A mudança do tempo político", no Público de 8 de Setembro) e Manuela Ferreira Leite (na sua excepcional entrevista à TVI 24), por outro –, constituem outros tantos documentos preciosos para a caracterização político-institucional, socioeconómica, crítico-ideológica e ético-política dos cruciais e controversos tempos históricos que Portugal dramática e agonicamente calcorreia, a modos de uma procissão de penitentes, desfile de condenados ou coro de escravos…, porém quando já despontam ao final da avenida as marchas da resistência e da justa revolta do Povo e da Nação!

– E tudo isto é tanto mais espantoso quanto, para além daquilo que os restantes partidos unanimemente condenaram com todo o fundamento (e mais tornaram a repudiar após a patética entrevista do Primeiro Ministro à RTP), foi mesmo de dentro do PSD (nacional) e do CDS-PP (nacional e regional açoriano…) que se levantaram agora as mais altas vozes contra o descalabro político e a hecatombe social com que a incompetência, imaturidade, insensibilidade, casmurrice, autismo e fraudulenta retórica e prática do (des)governo de Coelho e Portas golpearam Portugal e os Portugueses.

Mas isto é também uma boa lição para quem aparou todas as irresponsabilidades de antigas e execráveis lideranças políticas, ou ainda lhes venera a miserável memória dentro do Partido Socialista – cuja história e nobreza de ideais ao serviço de Portugal e da Democracia, felizmente, estão muito para além da vulgaridade interesseira de alguns daqueles que dele famigerada e conjunturalmente se serviram – e amiúde ainda se servem! – para desonra ou hipoteca de nós todos…, o que aliás explica muitas das conhecidas relações turbulentas de tantos e tantos Socialistas verdadeiros e sérios com o seu e nosso partido, como quando o PS estiolou e se afundou sob a regência de medíocres sofistas, oportunistas encartados ou expeditos carreiristas!

– E depois, finalmente, é por isto mesmo que também sempre senti, como escrevi antes e posso novamente subscrever hoje, as límpidas e corajosas palavras do meu velho e estimado amigo e camarada José Medeiros Ferreira sobre um tal de Sócrates e o seu pesado e obscuro legado nacional e partidário: – “Nunca o apoiei. […] Não fazia parte da minha cultura política. Uma diferença de natureza”!
                                              

2. Agora, e postas as coisas no decisivo e esclarecido ponto em que estão após a autêntica ameaça que as opções do PSD/CDS-PP acrescida e comprovadamente representam para o País inteiro, mais importante então será garantir uma alternativa vitória nos Açores, de modo a ser dada aqui, simbólica e estrategicamente também e por este meio democrático, mais um sinal de resistência e uma firme voz de protesto – uma espécie de convocatória cívica – para regeneração urgente, retoma da esperança, desenvolvimento justo e gradual libertação de todos os Portugueses, em novos moldes…

De facto e neste contexto, caberá aos Açores desempenhar e cumprir um duplamente exigente papel:

– Vencer os partidos que suportam e se suportam (n)o actual governo reaccionário, insensato e discricionário de Lisboa, e assegurar, com generosidade, solidariedade, humildade, seriedade e transparência, uma nova etapa e o relançamento de um modelo efectivo e sustentável de desenvolvimento integral, isto é, de crescimento económico, de emprego, de equilíbrio financeiro, de empreendimentos produtivos e rentáveis, de promoção humana e cultural sistemáticas, de aplicação criativa e de valorização prioritária do trabalho, da saúde, da educação e da justiça social e fiscal – enfim –, do possível, necessário e merecido para uma vida mais digna, mais próspera, mais culta e mais feliz para os Açorianos, através da reafirmação efectivamente renovadora de valores e dos ideais da nossa identidade pessoal e colectiva, na construção de uma confluente Autonomia progressiva!

Todavia tal desiderato não poderá, evidentemente, deixar de atender auto-criticamente aos recorrentes falhanços institucionais, programáticos e individuais de sucessivas governações, bancadas e governanças, reequilibrando finanças, pagando dívidas, acertando contas, saneando e corrigindo vícios, gerindo e aproveitando virtudes, e chamando os melhores para pensar e dialogar, dirigir e administrar com consciência e mãos limpas o que é de todos e o Bem Comum, sem tentações de vender almas ao diabo e a palavra aos açaimes, e sem corromper, por abastardamento violento ou alienante, ou com tratamentos de choque mortal, todo o corpo societário e moral da nossa sociedade, já de si tão vulnerável, empobrecida, confusa, amedrontada, descrente e ferida por tantos (suicidários, intencionais ou incautos, vergonhosos e quase identicamente patéticos) golpes de coelho

           
3. Entretanto e já depois de escrita uma primeira parte deste artigo (14 de Setembro), tiveram lugar as mais do que expressivas, impressionantes e gigantescas manifestações populares nacionais contra a política do governo de Passos Coelho (que falam por si!), a par da continuação das já esperadas ou previsíveis e consabidas tomadas de posição por parte dos partidos, parceiros e formações sociais, das quais é justo salientar o exercício de equilíbrio político-partidário (com algum denunciado mas notável e controlado malabarismo à mistura…) de Paulo Portas, e bem assim os reacendidos argumentos de Manuela Ferreira Leite (no jornal i do dia 15) e de Vítor Bento (em entrevista à TVI).

Quanto a esta última intervenção, mesmo sem entrarmos de pleno em âmbitos fundamentais e próprios da Filosofia Política, ou logo em questões ideológicas (conquanto estas nunca possam ser escamoteadas nas respectivas funções e escalas!), deve ser dito aqui que muitas das suas reflexões, vindas aliás na linha de abordagens prévias (v.g. em http://www.youtube.com/watch?v=TaXilMs8250&feature=related), já haviam sido feitas anteriormente também por outros, embora com variantes de discurso e argumentos.

– De qualquer modo, como seria de aguardar de um Economista tão sério, ponderado e consciencioso como Vítor Bento, é sempre bom repensar, frontalmente e sem falsificações iníquas, as doenças do País, o remédio e o seu sucedâneo, como ele diz… Coisa que Passos Coelho, infeliz, irresponsável e incompetentemente, não soube, nem nunca certamente saberá fazer nem transmitir!

De resto, muitas das questões teóricas e práticas, quase todas afinal as aqui abordadas, andam irrecusavelmente centradas naquilo que na obra Economia, Moral e Política (Lisboa, FFMS, 2011) vem assumido assim:

– “Como se poderá verificar […], sustento, nomeadamente, que a Economia, enquanto estudo da realidade ou, mais propriamente, do comportamento humano relacionado com a actividade económica, é uma ciência positiva e, como tal, (praticamente) autónoma de considerações morais. Mas que a economia, enquanto actividade humana, funciona sempre em contextos morais. E que toda a acção que visa influenciar o funcionamento da economia, ou mesmo os juízos formulados sobre esse funcionamento e os seus resultados, são, sempre e por natureza, moralmente orientados e dependentes da escala de valores morais de quem julga ou de quem age (ou quer agir). E que uma tal acção pertence, também por natureza, à Política.

“ […] É claro que, quanto mais diversas foram as escalas dos intervenientes, mais difícil será a eficácia da acção política, quer se trate da sua formulação, quer se trate da sua concretização. Por isso, as sociedades que melhor conseguem articular o seu funcionamento e a sua acção política são aquelas em que é possível criar consensos morais para a acção política”…

– Lúcidas e prudentes palavras estas para os perigosos e abismais dias que correm, aonde, na inversão exacta da expectável e paciente ordem das coisas, dos valores e dos sacrifícios, quiseram vender lebre por gato a todo um adiado e agora revolto País …


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Em “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 16.09.2012);
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“Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 18.09.2012):
RTP-Açores:
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Regressos à Escola


Com o início do ano escolar regressam estudantes e professores às suas labutas, deixadas para trás as férias grandes, com saudosos dias de praia e campo, noites (ou noitadas…) de Verão, amores e desamores estivais de um tempo cujo ritmo apenas se deixa medir pelo brilho solar ou pelo envolvimento enluarado do sonho, da viagem, das batidas e passos livres do olhar, do corpo e da alma, pelos mais reais ou imaginários caminhos e atalhos da terra e das suas simbólicas matérias ou físicas paragens, e dos céus e das mais variadas leituras, geografias e poéticas, numa proporcionada conjugação de Clássicos, Modernos e Contemporâneos (Calvino, Borges, Onfray, Lévi-Strauss ou Theroux, ao lado de Camões, Mendes Pinto, Pessoa, Saramago, Aquilino, Alçada, Garrett ou Nemésio, entre tantos outros, para peregrinações distantes ou interiores, e regressos de mundos outros ao quintal da casa…).

Entre nós, a estação que agora declina a par dos dias que encurtecem, ficou como sempre marcada pelos cíclicos festejos, correrias e corridas de gente e toiros – festas e folguedos (profanos e religiosos cada vez mais híbridos!) – por estas ilhas fora e em quase todas as freguesias, paróquias e lugarejos da Terceira.

– E depois ainda as célebres e celebradas Sanjoaninas e as Festas da Praia articuladas com renovados roteiros inter-ilhas e encadeados Festivais de mochila, tenda, chinelo e demais apetrechos para dormir ou apenas superficialmente passar pelas brasas de esquivas rêveries, talvez em busca de um tempo já perdido ou ainda para chegar das brumas de uma crise que a todos atinge e reflexamente condiciona…

Porém regresso à Escola são também, cruamente, livros caros, mega-escolas contra freguesias e comunidades locais (“pólos de desenvolvimento”, qual o quê!?), desemprego ou desmotivação de professores e famílias inteiras, desadequação de programas, indisciplina, sobrelotação e miscigenação etária corrosivas, proliferação de droga, horários saturantes, subculturas reinantes e preguiças de estudar, aprender e ensinar!

– Assim, o resto e o que nos resta é só mesmo a Esperança, igual à alegria dos desenhos das crianças no quadro negro da Escola que os vai receber, sabe Deus como…
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sábado, setembro 08, 2012

UMA EVOCAÇÃO
DE ADRIANO MOREIRA 



Na passada quinta-feira, dia 6 de Setembro, comemorou o Prof. Adriano Moreira o seu nonagésimo aniversário de vida, efeméride justamente lembrada em diversos círculos intelectuais, académicos e mediáticos, com especial destaque para o Jornal de Letras e para a RTP1 (com as Entrevistas respectivamente feitas por Soromenho Marques e Fátima Campos Ferreira), para o Público (com a publicação de um belo texto de Isabel Moreira sobre o seu Pai) e para as redes sociais (v.g. no Facebook, onde temos e vimos acrescidamente agora partilhados, com outros reconhecidos amigos, depoimentos e apreços pela sua exemplar figura).

Por mim – que tive, há cerca de trinta anos, a feliz possibilidade de conhecer Adriano Moreira e de poder contar desde então com a generosidade honrosa da sua Amizade pessoal e da sua colaboração institucional –, não podia deixar passar esta significativa ocasião sem, também aqui e a partir destas insulares paragens, evocar a sua longa Vida e a sua vasta e rica Obra, mesmo que apenas na circunstância de um breve e localizado testemunho.

– E é assim que estou a vê-lo chegar, vezes sem conta e anos e anos a fio, ao gabinete de trabalho do Padre Aguiar (seu irmão de peito, trabalho e cosmovisão…), lá no nosso saudoso Colégio Universitário Pio XII, para dialogar, desabafar, ensinar, conferenciar, moderar, animar e partilhar tantos e tantos sonhos, certezas, medos, desencantos e persistentes projectos alternativos ou complementares, ajudando a pensar sempre e a agir a par e em consequência para a frente e para cima (como recolhera de Teilhard de Chardin), naquele seu carismático e testemunhal misto de sapiente e vivo olhar crítico, simultaneamente esperançoso, céptico, ansioso e utópico sobre o Mundo e a História, a Política e a Estratégia, a Cultura e a Fé Cristã (nomeadamente face ao “desafio que a doutrina conciliar trazia ao legado humanista europeu” e não só…), – enfim, sobre a Identidade e a comunidade de Destino de Portugal e dos Portugueses (afinada com Agostinho da Silva), numa incansável, inquebrável, indomável e amiúde crucificante procura agónica e redentora dos sinais do Tempo (categoria histórico-civilizacional e metafísica sempre presente em toda a sua pujante reflexão intelectual e nas suas narrativas literárias, memoriais e espirituais, como A Espuma do Tempo, Memórias do Tempo de Vésperas paradigmaticamente revela).

Numa época tão indigente como a nossa, evocar o Prof. Adriano Moreira, gratamente escutar a sua palavra e atentamente auscultar a memória das suas experiências e lições, configura um dever de exercício de verdadeira cidadania universal e um direito de apelo à inteligência nacional, – como ele escreveu, para a urgente “nova definição do estatuto de Portugal, [actualmente] mais resultado colateral do globalismo do que da responsável governação”…
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Em RTP-Açores:
Azores Digital:
“Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 08.09.2012):
e Networked Blogs:
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 08.09.2012):
http://www.diarioinsular.com/

sábado, setembro 01, 2012

O Poder das Teias


Em finais de Novembro do ano passado, tive oportunidade de publicar nestas páginas um texto intitulado “As Colunas do Poder”, onde registava a grande notoriedade – especialmente em importantes OCS nacionais – que haviam então merecido conjugadamente a Maçonaria e a Política lusas, numa “significativa, ampla e desusada abordagem, à qual não faltaram muitos dos atraentes motivos e ingredientes que sempre estiveram, e ainda estão, associados àquela aureolada instituição”, não deixando de reparar ainda que causava alguma estranheza o facto de ser precisamente em época de crises generalizadas que entre nós esses temas tivessem sido trazidos ao espaço e ao conhecimento da generalidade da opinião pública da forma como o foram, sendo porém que o que mais terá motivado muita da oferta de tal produto mediático fora certamente o rol de nomes dos “irmãos” por ali e na ocasião elencados como pertencentes à dita associação secreta, – para além, naturalmente, do facto de tal tema ser mesmo apaixonante, revestindo-se de inusitados alcances, directos e indirectos, para o estudo da História e das Mentalidades.

Ora agora, conquanto nada disto sendo novidade de maior, cá vemos outra vez o assunto nas manchetes dos OCS e nas redes sociais, só que desta feita com a divulgação confluente, no Blogue “Casa das Aranhas” (http://casadasaranhas.wordpress.com/), de uma vasta lista (cerca de 1.400 membros da Maçonaria), onde figuram, embora pela ordem alfabética divulgada apenas até à inicial “M”, nomes, provavelmente reportáveis a 2004/5, de figuras públicas nacionais e de alguns reconhecidos indivíduos dos Açores e da Terceira (v.g. na Loja “Vitorino Nemésio) …

– Todavia a relevância do caso advirá talvez, para alguns, ou da comprovação daquilo que já era de há muito mais ou menos sabido, ou então, por outro lado, conforme já afirmaram António Reis e António Arnault (antigos Grão-Mestres do GOL), devido a esta divulgação ser “muito preocupante” por assinalar uma “intrusão” no sistema informático da sociedade secreta a que pertencem, ter sido obra de um “infiltrado” ou fruto de uma “imprudência”!

Seja lá como for, do elenco dos tão ilustres maçons vindos presentemente à luz do dia creio poder tornar a concluir-se que na Maçonaria, como em todas as instituições, haverá gente de bem, de mérito e de genuína valia, a par de outros – como hoje é mais do que evidente continuar a poder ser constatado! –, cuja errática e oportunista carreira, mediocridade humana, intolerantes práticas e pérfidas jogatinas de poder, influências e fortuna serão mesmo o contra-testemunho contínuo e recorrente de quaisquer tipos de nobres ideais fraternos e humanistas (ou assim pretensamente assumidos como tal nas cabeças trianguladas e nas pedreiras brutas daquelas lojas e lojecas) …

– E depois ainda, como escrevi antes, se este é um assunto também profunda e propriamente filosófico, político-institucionalmente muito crítico e cujos contornos sistemáticos, teóricos e práticos devem ser sempre relembrados com frontalidade –, não menos importantes, fundamentais e decisivos são os problemas do secretismo institucional, do conflito de interesses e até da hipocrisia pessoal e do cinismo ético e convivencial que estão aqui profundamente co-implicados, – passando até e amiúde (ou imaginando passar…) os ditos “irmãos” a toda a restante sociedade civil e à livre comunidade cívica comum um repugnante e inadmissível atestado de menoridade mental, cultural e espiritual, quando não até a reivindicação de um estatuto de excepção, intolerável à luz da transparência social e democrática do Direito, da Justiça e da Verdade!
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Publicado em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 01.09.2012):  
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Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 01.09.2012):