domingo, novembro 17, 2013


Memória e Presença
de Albert Camus

1. No passado dia 7 de Novembro ocorreu o centésimo aniversário do nascimento de Albert Camus, escritor, ensaísta, dramaturgo, jornalista e filósofo francês nascido na Argélia (Mondovi, Constantina, 1913) e falecido em França (Villeblevin, Yonne), num acidente de viação, a 4 de Janeiro de 1960, conforme sucintamente tivemos já ocasião de evocar aqui. 


 – Todavia, por sugestão feita ao DI, retomamos hoje desenvolvidamente o texto dessa memória, registando ainda que o desaparecimento de Camus foi então também assinalado entre nós, neste mesmo jornal angrense, logo na sua edição de 5 de Janeiro, e ainda com uma posterior e específica evocação inserida na sua página de Letras e Artes (Nº. 284, 1º. da 2ª. Série), então dirigida por Emanuel Félix, na qual foi inserido, em caixa, um breve mas denso e significativo extracto de La Chute (A Queda), no qual se desenha uma característica reflexão camusiana sobre a morte, o suicídio, o martírio, o esquecimento, o escárnio, o aproveitamento e a complexidade existencial da compreensão…

Figura de referência na Literatura do Século XX, Camus é autor de uma vasta obra que inclui, entre outras títulos, O Estrangeiro (adaptado ao cinema, em 1967, por Visconti), A Peste, O Homem Revoltado, O Mito de Sísifo, Os Justos, O Exílio e o Reino, A Queda e Cartas a um Amigo Alemão (com um desenho de capa por Lima de Freitas), todos editados pelos “Livros do Brasil”, muitos deles traduzidos em português (nomeadamente por António Quadros, Urbano Tavares Rodrigues, José Carlos Gonzalez e Virgínia Motta), sendo que alguns incluíam notáveis e pioneiros Prefácios ou Estudos originais no nosso País (especialmente no caso de António Quadros); versões das respectivas introduções às edições francesas, como a de Jean-Paul Sartre (de quem aliás Camus se afastaria em 1952 por divergências políticas e filosóficas) para O Estrangeiro, traduzida de Rogério Fernandes; a de Jean Sarochi para A Morte Feliz; a de Paul Viallaneix para Cadernos II - Escritos de Juventude), e outras sugestivas explanações informativas ou ensaísticas (como a do posfácio de Liselotte Richter a O Mito de Sísifo).


2. Filho de um humilde trabalhador rural e apesar de grandes dificuldades materiais, Camus frequentou a Universidade de Argel, onde terminaria uma licenciatura em Filosofia com uma tese sobre S. Agostinho e Plotino. Depois, tendo sido forçado a deixar a carreira académica por motivos de saúde, dedica-se ao teatro e ao jornalismo, tendo trabalhado no Paris-Soir e sido chefe de redacção (terminada a II Guerra Mundial e a ocupação nazi da França, contra a qual lutara ao lado da Resistência) no jornal Combat.

Prémio Nobel da Literatura (1957), todo o pensamento, as acções e os livros de Albert Camus foram exemplar e genuinamente moldados e movidos por profundas inquietações existenciais, humanistas e metafísicas, e político-ideológicas e éticas, estando fundamentalmente marcados por recorrentes motivos de reflexão e tematização sobre a condição humana, a finitude e a angústia, o absurdo e a revolta, os totalitarismos e a resistência moral, a arte e a paixão pela vida, o compromisso e o perdão, o sofrimento e a violência, o medo e a morte, a justiça e a felicidade.

Esta efeméride camusiana tem vindo a ser assinalada um pouco por todo o mundo, sendo todavia que na própria França não foi possível promover nenhuma comemoração oficial sob a égide do seu Ministério da Cultura e da Comunicação, não tendo igualmente chegado a concretizar-se qualquer evento evocativo na Biblioteca Nacional, nem sequer tendo chegado a ter lugar consensual a prevista Exposição, no âmbito da capital europeia da cultura, em Marselha e Aix-en-Provence…


– E assim, pelos vistos, a memória de Camus, o seu pensamento, as suas tomadas de posição, as suas acções e militâncias, e tudo aquilo que ainda nele foi matéria de controvérsia, dissensão ou dissidência (a questão da Argélia, a experiência comunista soviética, o desalinhamento partidário, a diferenciação face ao existencialismo e ao marxismo, a demarcação perante o recurso ao terrorismo armado, etc.), tudo isso continua a pesar na multiplicidade divergente, ou contraditória, com que o autor de O Avesso e o Direito continua a ser visto, lido, situado… e dificilmente recuperável (como até com os seus restos mortais o figurão de Sarkozy tentou instrumentalizá-lo ao pretender transferir o que deles (não dele!) restaria para o Panteão parisiense…

Por outro lado, muitas tem sido as edições, congressos, simpósios, colóquios e debates que a vida e obra de Albert Camus tem suscitado em vários países, academias e órgãos de comunicação social, inclusive em Portugal (Universidades do Porto e Évora, Centro Cultural de Belém, Academia das Ciências, em Lisboa, etc., sendo que nesta última proferiu uma Conferência evocativo de Camus pelo embaixador Marcello Duarte Mathias, referencial autor do consagrado e pioneiro ensaio A Felicidade em Albert Camus, original de 1975, entretanto reeditado e aumentado).


3. Entre nós, aqui em Angra, as obras de Camus foram conhecidas e divulgadas, constituindo as respectivas edições pelos “Livros do Brasil” – recordo – presença regular, nomeadamente, pela mão de José Teixeira de Borba, na antiga secção e atenta montra de livraria da Loja do Adriano.

– Ali amiúde as discuti com o meu saudoso amigo e professor de Filosofia no Liceu, Dr. Hélder Lima, com uma abertura e uma sensibilidade críticas que os programas oficiais e os nossos velhos e secos manuais escolares adoptados por si só não permitiam…, apesar das diferenças em métodos e objectivos, bem notórias entre o austero e formal Augusto Saraiva e as Antologias de Psicologia e de Filosofia muito bem organizadas por Jorge de Macedo, Joel Serrão e Rui Grácio, que tínhamos de seguir em conformidade (mais ou menos oficiosa…) com os programas curriculares e disciplinares daquela época, se bem que, alguns deles, vistos à distância e comparados com alguns critérios, (des)orientações e competências actuais, não fossem, talvez, assim tão mal formadores como científica (e ideologicamente!) os pintam às vezes…



Para mim, que li e estudei Albert Camus praticamente todo e desde muito novo (e que o debati tantas vezes, como referi, à margem das aulas liceais e depois universitárias de Filosofia…), reconheço nele ainda hoje a mesma e perfeita síntese “viva e intacta” da sua reflexão, timbrando inesquecivelmente “a cintilação intelectual e humana que rodeia o seu nome”, como justamente escrevia Duarte Mathias:

– “E bem é que assim seja, porquanto muitos dos problemas por ele abordados, das causas por ele defendidas como das forças ocultas cuja marcha ele não se cansou de denunciar, permanecem instalados no nosso tempo, quando não em nós mesmos. A isto se deve, em grande parte, aliás, a sua popularidade e a actualidade do seu pensamento”, pelo que identicamente “para muitos da minha geração, o autor de O Estrangeiro logrou ser, pelo que escreveu e pelo que foi, mais do que uma fonte de inspiração, uma presença amiga e estimulante”.

De resto, sobre Albert Camus, entretanto, tem-se multiplicado, em Portugal e (ainda mais) no Brasil, estudos e teses académicas no âmbito da língua e da cultura portuguesas, confrontando a sua obra com a de outros escritores e pensadores de diversas áreas, correntes, estilos e visões do homem e do mundo (casos de José Saramago e de Vergílio Ferreira), enquanto muito ainda há a trabalhar e (re)descobrir no âmbito da sua obra literária, filosófica, política e ética, para com ele e nele, e citando-o, depois de termos falado “da nobreza do mister de escrever”, repormos verdadeiramente

“o escritor no seu verdadeiro lugar, sem outros títulos que não sejam os que partilha com os seus companheiros de luta, vulnerável mas teimoso, injusto e apaixonado pela justiça, construindo a sua obra sem vergonha nem orgulho à vista de todos, sempre dividido entre a dor e a beleza, e dedicado, enfim, a tirar do seu duplo ser as criações que obstinadamente tenta edificar no movimento destruidor da história"...



– E isto, para lhe darmos o direito à palavra e à esperança, como ele o mereceria no seu imaginativo e indomável carácter, reconhecendo-o ainda nos homens do nosso tempo e nesta actualidade às vezes tão absurda, tão injusta e tão desalmada nos seus pesados e dolorosos rochedos de Sísifo,

“junto de todos esses homens silenciosos que não suportam no mundo a vida que lhes é dada senão pela recordação ou o regresso de breves e livres felicidades”!

sexta-feira, novembro 15, 2013


A Banalização do Exílio



Mário Soares, ex-PR, ex-PM e fundador do PS, acaba de ser simbolicamente homenageado em França, tendo-lhe sido entregue pelo maire da “cidade luz” a Grande Médaille de Vermeil de la Ville de Paris.

– A linda cerimónia, no Hôtel de Ville, contou com a presença, entre figuras gaulesas e nacionais, de Jospin (ex-PM e ex-líder do PS francês), mas acabou por ficar, acima de tudo, marcada – embora sem notoriedade externa, mas mesmo assim como motivo de interesse na velha terra lusitana (agora, nas plagiantes e delico-doces sentenças do vice-PM, transformada em mísero e dependente “protectorado”) –, pela mui relevada e prestigiante comparência entre os convidados (presume-se que por oficioso conchavo protocolar inter-pares) do também ex-PM e ex-condottieri do ex-PS de Soares, José Sócrates!

Até aqui tudo estaria nos conformes, êxtases e desvanecimentos da ilustrada entourage daqueles camaradas euro-socialistas, não fosse o que de seguida mais assombrou a pompa da dita circunstância, quando Mário Soares, com a incauta (?) bonomia que é apanágio da sua magnânima personalidade, depois de evocar os seus propedêuticos e penosos tempos “de exílio” democrático, e após tanger forte e feio no primo-comissário Durão, na troika, na austeridade, em Merkel e no governo do seu País, dirigindo-se ao novel “mestre” ali acolhido – porém mediaticamente não encolhido! –, resolveu perorar neste laudatório:

– “Sou um grande amigo de Sócrates e penso que ele está a passar pelo mesmo que eu passei, que vivi aqui quatro anos no exílio – penso que ele, depois de dois anos em Paris, também é outro homem, com uma cultura que não tinha antes”...


A tais palavras, parolas (apenas paroles?), hão-de varrê-las, algum dia, limpos e novos ventos em Portugal (e talvez até no PS)!

Mas a tamanha falta de auto-estima, tão confrangedor aviltamento da imagem pessoal própria e tão ignóbil torção da verdade histórica, só a mais abjecta e ofensiva banalização ética de um exílio político poderia ter verbalizado em igual retórica cínica, gerando, no duplo espelhado da respectiva representação, o fantasma da sua vacuidade.
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Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 16.11.2013).


Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2470



Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 20.11.2013):


RTP-Açores:



sexta-feira, novembro 08, 2013

Actualidade de Albert Camus

Na passada quinta-feira ocorreu o centésimo aniversário do nascimento de Albert Camus, escritor, ensaísta, dramaturgo, jornalista e filósofo francês nascido na Argélia (Mondovi, Constantina) a 07.11.1913 e falecido em França (Villeblevin, Yonne), num acidente de viação, a 4 de Janeiro de 1960.


Figura de referência na Literatura do Século XX, Camus é autor de uma vasta obra que inclui, entre outras títulos, O Estrangeiro (adaptado ao cinema, em 1967, por Visconti), A Peste, O Homem Revoltado, O Mito de Sísifo, Os Justos, O Exílio e o Reino, A Queda e Cartas a um Amigo Alemão (com um desenho de capa por Lima de Freitas), todos editados pelos “Livros do Brasil”, muitos deles traduzidos em português (nomeadamente por António Quadros, Urbano Tavares Rodrigues, José Carlos Gonzalez e Virgínia Motta), sendo que alguns incluíam notáveis e pioneiros Prefácios ou Estudos originais no nosso País (especialmente no caso de António Quadros), versões, em tradução, das respectivas introduções às edições francesas (como a de Jean-Paul Sartre para O Estrangeiro, traduzida por Rogério Fernandes, a de Jean Sarochi para A Morte Feliz, e a de Paul Viallaneix para Cadernos II/Escritos de Juventude), ou outras sugestivas explanações (como a do posfácio de Liselotte Richter a O Mito de Sísifo).


– Prémio Nobel da Literatura (1957), todo o pensamento, as acções e os livros de Albert Camus foram exemplar e genuinamente moldados e movidos por profundas inquietações existenciais, humanistas e metafísicas, e político-ideológicas e éticas, estando fundamentalmente marcados por recorrentes motivos de reflexão e tematização sobre a condição humana, a finitude e a angústia, o absurdo e a revolta, os totalitarismos e a resistência moral, a arte e a paixão pela vida, o compromisso e o perdão, o sofrimento e a violência, o medo e a morte, a justiça e a felicidade.


Esta efeméride camusiana tem vindo a ser assinalada um pouco por todo o mundo, sendo todavia que na própria França não foi possível promover nenhuma comemoração oficial sob a égide do seu Ministério da Cultura e da Comunicação, não tendo igualmente chegado a concretizar-se qualquer evento evocativo na Biblioteca Nacional, nem sequer tendo chegado a ter lugar consensual a prevista Exposição, no âmbito da capital europeia da cultura, em Marselha e Aix-en-Provence…

– E assim, pelos vistos, a memória de Camus, o seu pensamento, as suas tomadas de posição, as suas acções e militâncias, e tudo aquilo que ainda nele foi matéria de controvérsia, dissensão ou dissidência (a questão da Argélia, a experiência comunista soviética, o desalinhamento partidário, a diferenciação face ao existencialismo e ao marxismo, a demarcação perante o recurso ao terrorismo armado, etc.), tudo isso continua a pesar na multiplicidade divergente, ou contraditória, com que o autor de O Avesso e o Direito continua a ser visto, lido, situado… e dificilmente recuperável (como até com os seus restos mortais o figurão de Sarkozy tentou instrumentalizá-lo ao pretender transferir o que deles (não dele!) restaria para o Panteão parisiense…


Por outro lado, muitas tem sido as edições, congressos, simpósios, colóquios e debates que a vida e obra de Albert Camus tem suscitado em vários países, academias e órgãos de comunicação social, inclusive em Portugal (Universidades do Porto e Évora, Centro Cultural de Belém, Academia das Ciências, em Lisboa, etc., sendo que nesta última proferiu uma Conferência evocativo de Camus pelo embaixador Marcello Duarte Mathias, referencial autor do consagrado e pioneiro ensaio A Felicidade em Albert Camus, original de 1975, entretanto reeditado e aumentado).

­– Para mim, que li Camus praticamente todo e desde muito novo (e que o debati tantas vezes, à margem das aulas liceais e depois universitárias de Filosofia…), como noutra ocasião já referi, reconheço ainda hoje a mesma e perfeita síntese, “viva e intacta”, timbrando sempre “a cintilação intelectual e humana que rodeia o seu nome”, como justamente escrevia Duarte Mathias:

“E bem é que assim seja, porquanto muitos dos problemas por ele abordados, das causas por ele defendidas como das forças ocultas cuja marcha ele não se cansou de denunciar, permanecem instalados no nosso tempo, quando não em nós mesmos. A isto se deve, em grande parte, aliás, a sua popularidade e a actualidade do seu pensamento”, pelo que identicamente “para muitos da minha geração, o autor de O Estrangeiro logrou ser, pelo que escreveu e pelo que foi, mais do que uma fonte de inspiração, uma presença amiga e estimulante”.


– De resto, sobre Albert Camus, entretanto, tem-se multiplicado, em Portugal e (ainda mais) no Brasil, estudos e teses académicas no âmbito da língua e da cultura portuguesas, confrontando a sua obra com a de outros escritores e pensadores de diversas áreas, correntes, estilos e visões do homem e do mundo (casos de Saramago e Vergílio Ferreira), enquanto muito ainda há a trabalhar e (re)descobrir no âmbito da sua obra literária, filosófica, política e ética, para com ele e nele, e citando-o, depois de termos falado “da nobreza do mister de escrever”, repormos verdadeiramente “o escritor no seu verdadeiro lugar, sem outros títulos que não sejam os que partilha com os seus companheiros de luta, vulnerável mas teimoso, injusto e apaixonado pela justiça, construindo a sua obra sem vergonha nem orgulho à vista de todos, sempre dividido entre a dor e a beleza, e dedicado, enfim, a tirar do seu duplo ser as criações que obstinadamente tenta edificar no movimento destruidor da história”…


E isto, para lhe darmos o direito à palavra e à esperança, como ele o mereceria no seu imaginativo e indomável carácter, reconhecendo-o ainda nos homens do nosso tempo e nesta actualidade às vezes tão absurda, tão injusta e tão desalmada nos seus pesados e dolorosos rochedos de Sísifo, “junto de todos esses homens silenciosos que não suportam no mundo a vida que lhes é dada senão pela recordação ou o regresso de breves e livres felicidades”!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 09.11.2013):



Azores Digital:



RTP-Açores:



Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 09.11.2013):






sábado, outubro 19, 2013


Lições dos Processos do PSD 

A justamente demarcante divulgação – alegadamente “com alguma serenidade” – da posição da Comissão Política Regional do PSD-Açores face ao PSD nacional, chefiado por Pedro Passos Coelho, ter acabado há dias por decidir mesmo avançar com um libelo de acusação aos seus Deputados eleitos pelos Açores à Assembleia da República (AR) – João Bosco Mota Amaral (micaelense), Joaquim Ponte (terceirense) e Lídia Bulcão (faialense) –, devido a estes três social-democratas Açorianos terem votado no Parlamento da República Portuguesa contra a Lei das Finanças Regionais, é um importante e muito significativo facto político-jurídico (e mais ainda filosófico-político, sociopolítico e político-partidário…) que não deveria continuar a merecer muito daquele silêncio acrítico a que – em diversas e surpreendentes instâncias intelectuais, autonómicas e democráticas (e mediáticas também…), com honrosas excepções, tem sido surpreendentemente remetido nas nossas encabuladas ilhas!

– De resto, uma palavra de louvor é aqui devida à direcção do PSD-A por ter manifestado “total solidariedade” àqueles Deputados, “reafirmando que eles defenderam, e bem, os interesses específicos dos açorianos”, de acordo aliás, conforme mais afiançaram – ou em (des)necessário reforço e alívio de causa? –, “com as orientações do PSD/Açores”…

Todavia, por igual neste contexto de contencioso, vale a pena começar por recordar que já em Agosto último, conforme então noticiado, Mota Amaral tinha declarado que a direcção da bancada parlamentar do PSD na AR havia enviado à respectiva direcção partidária uma “denúncia” de intenção disciplinar pelos motivos acima referidos, sendo que, na sequência de um pressuroso “inquérito preliminar” ali a decorrer, era de esperar um pronunciamento superior do Conselho de Jurisdição Nacional do partido capitaneado por Pedro Passos Coelho (actual PM), no sentido de avançar-se, ou não, com uma formal nota de culpa, para accionamento de um subsequente Processo Disciplinar (o que veio agora a consumar-se)!


– Ora perante tudo isto, e face a estes procedimentos próprios de “partidos não democráticos” (como muito bem e em reacção logo afirmou Mota Amaral ao precisar que Deputados, conscienciosamente eleitos, nunca devem perder “personalidade”), doravante apenas restará aos três parlamentares Açorianos em causa, se forem efectivamente condenados, um possível, firme, fundamentado e competente recurso para o Tribunal Constitucional, com articuladas bases e em adequadas e sucessivas instâncias – conforme mais sinalizou o antigo Presidente do Governo dos Açores e da Assembleia da República – tanto em Direito Constitucional e na Lei Orgânica dos Partidos Políticos como em Ciência Política

Por outro lado – e deixando realmente para outra mais propícia e desenvolvida ocasião uma abordagem bem enquadrada e plenamente justificada deste apelativo tema para a Ciência e a Filosofia Políticas –, talvez valha a pena realçar aqui também o facto de não estarmos perante um acontecimento inédito no PSD, porquanto, em meados dos anos 80, na vigência do governo do Bloco Central, idêntica medida chegou a ser tomada contra os Deputados social-democratas dos Açores que se recusaram votar a favor do Orçamento de Estado, e que – após instauração de Processo Disciplinar – “sob alegação de violação da disciplina de voto” viram ser-lhe “aplicada a pena de suspensão do direito de elegerem e serem eleitos para os órgãos partidários durante o período de dois anos”, pena da qual se livraram depois, conforme testemunho recente de Mota Amaral, que escrevia assim:

– “Poucos meses depois, no seguimento de diligencias minhas junto de Carlos Mota Pinto, ao tempo líder do PSD, por deliberação unânime do Conselho Nacional, a situação em causa foi abrangida por uma amnistia interna, destinada a comemorar o cinquentenário do nascimento do Fundador do Partido, Francisco Sá Carneiro, ficando portanto eliminada a alegada falta e também, obviamente, a sanção correspondente”…

E depois ainda: “Em diversas outras ocasiões, os Deputados social-democratas açorianos fizeram votações diferentes da generalidade do Grupo Parlamentar do PSD, sem que daí derivassem quaisquer consequências, disciplinares ou outras. Em regra por se entender que a sua posição é peculiar, na medida em que representam uma Região Autónoma, com interesses próprios e até específicos, incumbindo-lhes defendê-los no Parlamento, ainda que por algum motivo não possa o PSD na totalidade acompanhar os seus pontos de vista. E isso aconteceu em circunstâncias e sob lideranças variadas, mesmo naquelas tidas por mais fortes e até com alguma tendência para o autoritarismo…”.

Como se vê e assim o caso tem que se lhe diga, e vai continuar por certo a dar que pensar, agir, reagir e escrever…


– Talvez não dê é para que alguns dos nossos formosos e impantes actores e agentes partidários, lá e cá, dele se aproveitem para atirar pedras, setas ou murros aos telhados e portas dos seus vizinhos, companheiros, amigos ou camaradas (internos e externos…), com e sem processos disciplinares, ou outros de pior intenção de luta pelo Poder, à vista desarmada, a golpes de pura e insensata miopia política, ou para indigno revanchismo pessoal. Porém, em qualquer caso, sem nenhuma Lei nem Moral verdadeiramente dignas desse nome!
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Em Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 19.10.2013)


e Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2453.


Outra versão ("Os Processos do PSD") em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 19.10.2013).



sábado, outubro 12, 2013



Arquitecturas de Felicidade




Alain de Botton é um dos escritores nossos contemporâneos (nasceu em 1969) cujos ensaios sobre algumas das formas quotidianas e geralmente ditas “pós-modernas” de viver, de pensar e de agir tem granjeado bastante popularidade em todo o mundo (e mais recente e editorialmente também em Portugal), talvez por constituírem uma espécie de escrita intertextual e disciplinarmente eclética, onde diferentes conteúdos psico-existenciais e múltiplos registos socio-experienciais, afectivo-vivenciais, discursivos, éticos e estéticos aparecem articulados de modo sugestivo (conquanto às vezes mais ficcionalmente reconfigurados, aplicados ou acomodados metodicamente de forma nem sempre muito rigorosa ou fiel relativamente às respectivas matrizes, tradições ou universos conceptuais específicos…).



 Por outro lado – ou talvez por isso mesmo – muitas das abordagens e leituras culturais de Botton (vulgarmente e amiúde adjectivado de “filósofo” pop e “filósofo” do quotidiano) tem sido adaptadas empresarialmente, usadas em marketing ou programadas para difusão mediática (televisiva, especialmente), inserindo-se modelarmente em simpósios para gestores e decisores administrativos, espectáculos encenados, live-shows e talk-shows mais ou menos difusores de formas reconhecidamente light ou soft de reflexão (quando não humorísticas, catárticas, pedagógicas e lúdicas), perante plateias aplaudindo em gravação regida, comovedores happenings de estúdio ou sessões que não deixam de ter vários dos perfis e estilos próximos de uma variedade leiga e laica de televangelismo (amiúde maquilhado de retórica “sapiente”, “moral”, “terapêutica” e “científica”…), ou – pelos menos – recheada de referências, provérbios, citações e lugares selectos desse denso, radical, fundamentado, autêntico, exigente e assumido universo hermenêutico-conceptual e ético que constitui, outrossim e então legitimamente, o campo histórico-crítico e o domínio reflexivo e prático próprios da Filosofia!


De entre os vários títulos de Alain de Botton traduzidos em português contam-se Alegrias e Tristezas do Trabalho, O Consolo da Filosofia, A Arte de Viajar, Como Proust pode mudar a sua Vida, Religião para Ateus e Arquitectura da Felicidade (original de 2006).



– Esta última e muito sugestiva obra, que também contém muitas ilustrações apropriadas ao deveras fascinante assunto ali tratado, conforme a recente edição da Leya/D. Quixote (2013) precisamente salienta, parte do direccionamento intencional de olhares e da formulação de perguntas filosóficas sobre toda uma série de fenómenos estéticos, simbólicos e existenciais (pluriculturais e inter-civilizacionais) ligados à Arquitectura e ao seu Significado, ao Estilo e ao Gosto, à Construção Material, à Ordem do Edifício e ao Ideal de Casa, trabalhando assim questões aparentemente tão simples, mas afinal tão potencialmente complexas e virtualmente incondicionadas, como:

– “O que faz verdadeiramente uma casa ser bonita?”, “Porque existem tantas casas feias?”, “Porque discutimos tão amargamente sobre sofás e quadros?”, ou “Poderá o minimalismo fazer-nos mais felizes que a ornamentação?”.
 

Ora é para procurar respostas a “estas e outras perguntas” que Alain de Botton olha para “edifícios dispersos pelo mundo inteiro, das casas de madeira medievais aos modernos arranha-céus; examina sofás e catedrais, serviços de chá e centros empresariais, ao mesmo tempo que tece um conjunto de surpreendentes provocações filosóficas, “convidando-nos a viajar” – e a aprofundadamente dialogar, ou chamar ao mesmo diálogo, os grandes Filósofos que pensaram fenomenologicamente o espaço vivido e as suas estruturas reais e matérias reais e imaginárias… –, “através da história e psicologia da arquitectura e do design, permitindo-nos alterar a forma como olhamos para as casas em que vivemos – e ajudando-nos a tomar melhores decisões”…


– Oxalá que a tanto nos decidíssemos individual e colectivamente, em todas as áreas onde se constrói a felicidade (e a infelicidade) dos povos e das gerações, mais que não fosse por esta última razão de ajuda (que é de Vida, de Cultura, de Património e de Identidade), cada vez mais necessárias a um País como o nosso, que empobrece em tudo menos na arquitecturada infelicidade do presente e na fealdade do seu futuro próximo!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 12.10.2013):




























RTP-Açores:

Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2450,

e "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 20.10.2013):






sexta-feira, outubro 11, 2013



O Sol-e-Dó da Luz


No tempo em a Praia da Vitória falava pela voz independente do seu saudoso jornal (JP) – há 30 anos já… – publicava-se ali uma Crónica cujo conteúdo relembramos hoje (como a tantos outros frontalmente abordados em páginas que vale a pena reler…).

Intitulado “Concerto Macabro”, o texto relatava deste modo, com humor amargo, conforme respigo da narrativa, um rocambolesco episódio ocorrido na Praça F. O. da Câmara, numa claramente simbólica noite de Agosto de 1983:

– “Grande azáfama: montar um coreto, ornado a faia-da-terra, no frontispício do qual foi laboriosamente aplicada uma lápide, em dimensão aproximada de 20X13 centímetros, anunciando um concerto pela Banda da Força Aérea dos EUA”.




Depois vinha a descrição do cenário de remedeio para mais uma daquelas recorrentes falhas com que a EDA (antes dela Serviços Municipalizados), historicamente vem ensombrando vidas, economia, trabalho, festas, serviços, comércio, indústria, máquinas, utensilagens, OCS e outros “aparelhos” dos terceirenses, – desde oportunistas ou incompetentes cérebros técnicos e administrativos, a decisores e gestorzecos políticos – a quem temos sido entregues a eito e que sempre nos foram moendo os olhos com apagões de energia, (in)consciência e (ir)responsabilidade chocantes!

– Ora então lá estava “aos pés escorados do balcão da Câmara, um camião do Exército americano, carregado com uma resfolegante geradora eléctrica de campanha, ligada a um instrumento sonoro”, enquanto em casa fronteiriça se amenizava “as trevas da noite, colocando velas caridosas nas janelas, – de resto as únicas luzes que na altura se acenderam”.

E mais tarde, ao final daquele apoteótico, terceiro-mundista e honroso evento “people-to-people”, duas camionetas made in USA ainda puderam iluminar, “com os seus potentes faróis nos médios, a rápida desmontagem do aparato de orquestra”…

– A cena, antiga, é apenas uma das que poderíamos reacender em décadas a fio desses fatídicos e paradigmáticos “cortes” com que sorrateira e ratoneiramente nos fustigam (de modo vário e impune!), sabe-se lá até quando irremediavelmente (?) mal servindo a Terceira, sob tutela governamental mas por conta e risco de todos os açorianos…
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Em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2447;
RTP-Açores:
http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?article=33960&visual=9&layout=17&tm=41;
Jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 12.10.2013),
e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 17.10.2013).







sexta-feira, outubro 04, 2013


Retórica e Responsabilidade Política

A semana que agora termina foi grandemente marcada pela realização das Eleições Autárquicas e por toda uma subsequente série de exames sobre os seus já mais ou menos previsíveis resultados – embora com relativas surpresas pontuais e globais… –, multiplicando-se assim e depois, em todos os OCS nacionais, regionais e locais, como é habitual, as mais díspares e retóricas conjugações de juízos, avaliações, balanços e (des)culpabilizações sobre os respectivos desenlaces – venturosos uns, desastrosos outros –, conforme as bitolas partidárias, os interesses pessoais e corporativos, e os mecanismos de (auto)imunidade e impunidade institucionais em jogo!


 Todavia – com apenas raras e honrosas excepções, e quaisquer que tenham sido as proveniências ou descendências sociopolíticas, partidárias e ideológicas dos ditos analistas, comentadores e observadores na citada função –, a maioria das opiniões mediaticamente emitidas a este propósito, bastante ao contrário do que antigamente se verificava, procurou nunca problematizar, ou seja nunca tematizar criticamente os motivos ou factores que terão levado a que muitos eleitores e eleitorados (diga-se assim no plural e na sua inerente quando não até antagónica diversidade…) tenham dirigido os seus votos tal qual o fizeram, sem avaliação de uma outrossim obrigatoriamente conjugação de múltiplos factores, dinâmicas (ou inércias!) da cidadania, da autonomia das vontades e de uma esclarecida consciência electiva…

– E foi por esta mesma lacuna fundamental que a maior parte das vezes aquilo a que assistimos, como se de reais observações compreensivas (mesmo que não tendencialmente sequer explicativas …) se tratasse, foi a um mero exercício, mais ou menos formal ou abstracto (meras suposições ou equações cenaristas, afinal…), de outras condicionantes, outros comportamentos, reflexos e atitudes, e outras determinantes sociais, psicológicas, culturais e informativas, estas então própria, concreta e situadamente da ordem (mais observante e objectiva!) da filosofia, da sociologia, da economia e da fenomenologia políticas!

Ora tudo isto naturalmente que haveria de ter feito relativizar, embora não anulasse totalmente, os méritos ou os deméritos de certos resultados alcançados, quando ou porque não apenas, nem principalmente, devidos a convencimentos ou exemplaridades do carácter ético-politicamente provado ou da imagem pessoal, imaginada ou artificialmente construída, de candidatos nascidos das forjas e alforges partidários (aliás ao contrário, nesta vertente, do que aconteceu com alguns dos meritórios movimentos e mobilizações de muitos agora ditos ou feitos independentes…).

– De resto, neste rescaldo das nossas Autárquicas, não faltaram também testemunhos e propostas que despudoradamente raiaram a mais surrealista leitura, ou um despudorado e patético desfasamento político-esquizóide da realidade – veja-se os afoitos (des)nivelamentos de alguns líderes institucionais, de soberania e partidarite aguda… –, a par de ilibações e outras desresponsabilizações de faixas crescentes de tanto eleitorado absorto, falho da percepção fundamentada de objectivos e valores sólidos, – ao contrário, por exemplo, das firmes posições de crescentes extractos da sociedade civil e de tantos eleitores (à esquerda, ao centro e à direita)…

Neste sentido – e tendo em atenção alguns dos fenómenos novos que as últimas eleições e as opções e resultados deles saídos atestaram, como justamente acaba de salientar o IDP (Instituto da Democracia Portuguesa) – é de facto imperioso ver neles e nelas uma forma “ordenada e consistente” de repúdio da “alternância partidocrática em que degenerou a democracia portuguesa”, tanto mais quanto ali fica sinalizado ainda que, não bastando contar com “grupos de cidadãos’ para a “reforma do sistema político”, é também necessário proceder já a “uma restauração dos partidos existentes, do seu modo de liderança e recrutamento, por forma a dar expressão a interesses de grandes grupos populacionais e não de cliques dirigentes”!

– Em todo o caso, agora que foram (mal ou bem, veremos depois…) eleitos novos (e velhos, ou apenas remoçados…) governantes autárquicos, mesmo quando as nossas comunidades possam ser consideradas menos democraticamente preparadas, ou em estado de menoridade de consciência e submissão de vontades (segundo parâmetros objectivos de livre e justa existência societária e personalista, obviamente), como escrevia Julien Freund – é sempre aos agentes e actores políticos que caberá, enquanto ocupantes transitórios de um poder democraticamente instituído mas parcialmente delegado, a principal assumpção das decorrentes responsabilidades, pelo que o mais que se pode dizer aqui, no que concerne a colectividade, enquanto comunidade de eleitores, é que, também ela há-de suportar essa responsabilidade na medida em que primeiramente, ela própria, é que sofrerá “a consequência das decisões inábeis ou más dos seus governantes” escolhidos…
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Em “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 05.10.2013);
Azores Digital:
Outra versão: Escolhas e Responsabilidades,
em «Diário Insular» (Angra do Heroísmo, 05.10.2013).

quinta-feira, setembro 26, 2013


  
As Despedidas de Setembro



Escrevendo a 23 de Setembro, agora, quando já reunia palavras para a evocação de Pablo Neruda (12.07.1907-23.09.1973) – entre nós quase apenas recordado e celebrado pela Fundação José Saramago, em Lisboa –, chega-me a notícia do desaparecimento de António Ramos Rosa (17.10.1924-23.09.2013), um dos grandes Poetas que atravessaram tantos daqueles dias e noites de outrora, de um passado de outra (?) “pátria em trevas”, então com negras condenações e o arrastar opressivo de um pendular “tempo do homem sem melancolia nem extermínio, do tipo arremessado longe do oceano”…, mas onde, todavia, líamos, do primeiro, o seu Canto Geral e as Odes (ao Livro, ao Pão, à Poesia, ao Espaço Marinho, a Walt Whitman…), na tradução de Fernando Assis Pacheco (aliás “muito ajudada” pelo nosso talentoso florentino Pedro da Silveira…), enquanto acompanhávamos, jovens, convictos, graves, comovidos e esperançados, os 20 Poemas de Amor e uma Canção Desesperada do mesmo chileno que dedicaria a Amália Rodrigues um saudoso “querer de amor” (No te quiero sino porque te quiero), depois cantado por Violeta Parra…




Quanto a António Ramos Rosa – também fino ensaísta e crítico de Poesia, Liberdade Livre, e muito notável poeta, referencial e “contenso e vigilante” (como o qualifica António José Saraiva) autor de O Grito Claro, Sobre o Rosto da Terra, A Construção do Corpo, Nos seus Olhos de Silêncio ou Animal Olhar (entre outros) – cuja poética completa revela um puro exercício de escrita lírica, existencial e mesmo metafísica, e uma quase obsessiva procura de visão luminosa e de corporal escuta das coisas, seres, espaços, relevos, proximidades e distâncias movidas todas (como bem notou Eduardo Lourenço) por uma mística vontade “de se unir ao seu próprio corpo para se unir ao corpo do mundo e inversamente” –, dele podendo dizer-se que a interior figura, unida àquela espécie de matura aura (que a respectiva alma em avançada e ascética idade conjuntamente vinha revelando à transparência…), era já bem a incarnada imagem simultaneamente real e ilustrativa daquilo mesmo que na sua última metamorfose ôntica se insinuara nos seus próprios, futuríveis ou antecipados, porém definitivos versos, e se patenteava sempre, como aqui:

Sem palavras, uma palavra o anima
Ao fim da primeira silenciosa descida.
Depois a brancura rodeia-o como uma capa (…).
A cegueira branca não o vence.
(…) A rede em que se enreda e se liberta
reafirma a soberania polar
da inalterável página que desvenda.

– E como havia de não ser assim, nestas despedidas de Setembro, para ambos os Poetas (e para todos os homens afinal), desde os mirantes e alcantis daquela paradigmática Ilha Negra de Pablo Neruda, até aos telúricos promontórios e areais de António Ramos Rosa, identicamente aos daqui abertos sobre os abismos rutilantes do Mar, porém ainda fechados numa Pátria outonal “que sussurra de presença e lonjura”…
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Publicado em Azores Digital:

RTP-Açores:

e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 28.09.2013):



Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 28.09.2013):


sexta-feira, setembro 20, 2013

O Almanaque dos Rituais
ou A Temporada dos Tartufos



Se há época no almanaque dos rituais ou no calendário do cerimonial cíclico dos modelos de actividade e de militância próprios do desacreditado regime em que vivemos – aliás cada vez mais rotineiro, dispendioso, pouco credível. nada convincente (nem sequer na medonha estética “criativa” de um marketing importado por atacado, de algures!) e aonde um incomparavelmente delirante e patético jogo de imagens e mensagens ganha sempre mais desproporcionado corpo mediático, conquanto oscilando bastante entre a catalisada revelação objectiva de insofismáveis realidades nuas e cruas e a delirante construção ficcional, artificial e mistificadora de factos outrossim sérios, objectivos e exactos…


– Se há assim, vinha a dizer, tal género de temporada (arremedo menor de uma cidadania já de si esquiva e bem pobre!), no estipulado e imposto nosso quadriénio oficial, político-administrativo e autárquico, essa quadra é certamente a das pré-campanhas e tempos eleitorais de propaganda dos partidos e coligações, como esta que agora estamos a atravessar (“cívica e democraticamente”, mas por linhas travessas…), ou que vimos apenas mirando com maior ou menor proximidade, descrença, desinteresse, alheamento ou distância, como se da encenação de um mero espectáculo socio-institucional alienante (já de si alienado!) se tratasse…


E como se não bastasse a preponderante sensação generalizada de que tudo não passa de mais um simulacro ou repetição de antigas operetas, enredos já vistos ou desfechos análogos a outras anteriores “narrativas teatrais”, ainda por cima são-nos tais preclaras peças ensaiadas umas e representadas outras por actores selectos e artistas de carreira e cartaz, oportunistas servos ou trânsfugas recauchutados das sucatas e lixeiras políticas do costume, todos eles (ou, vá lá, muitos deles…) com versáteis talentos para tácticos “roulement” ou alternância apenas nos papéis, telas e teias em urdidura, no chega-te atrás ou adiante dos elencos arrebanhados à má fila, e – enfim – na desfaçatez, ou à-vontade, com que os básicos farsantes desta parada de tipo “lean in” ou “go ahead” prometem vir a prestar-se aos mesmos subsequentes e fiéis seguimentos das vozes (escamoteadas ou escondida do público) no ponto dos seus donos!


De resto, quanto aos tais róis de “lean in” e “go ahead”, bastaria conferir o mimetismo dos ditos slogans, mais ou menos imaginativamente traduzidos, conforme ao que por aí na Net (por exemplo em http://vimeo.com/58176001...) abundante e documentadamente circula em certas ETICs (até com cursos e idênticas nomenclaturas de “Chega-te à frente”…), e tudo assim mesmo dito para espanto de propagandistas de pacotilha e outros originais “criativos”…, para já nem falarmos nas pastiches neo-gestionárias de manuais como o de Sheryl Sandberg (talentosa e dinâmica administradora do Facebook, única mulher no seu conselho de administração e uma das poucas ladies que chegaram a lideranças em Silicon Valley) …

– Não que tenhamos, com certeza, por cá qualquer mítico Vale de Silício, evidentemente, embora não nos faltem, em barda, réplicas menores de directores executivos (chief executive officers/CEOs) e outras versões razoavelmente cosmopolitas ou provincianas, mas sempre de vocação yuppie (young urban professional/jovem profissional urbano), nos conhecidos “nichos de empresas” (públicas e associadas ou mistas), “reprodutivos empreendorismos” e outras pérolas dos fatais destinos e poleiros económico-financeiros que enxameiam o nosso modelo (português continental e autónomo insular, “europeu” e neo-capitalista) de (sub)desenvolvimento – com o qual suposta e saloiamente nos “modernizámos”, crescemos, progredimos e chegámos endividados à crise vigente e galopante… –, até baquearmos, humilhados, de joelhos esfolados, chapéu roto na mão e tutelados, por menoridade culpada, à porta da troika e ao longo desses terminais 25 anos em que recebemos da Europa 156 mil milhões (178 até final deste ano), ou seja 9 milhões de euros por dia, situação agora escalpelizada e debatida em Lisboa num fórum promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Porém o mais grave, no meio deste nacional circo todo e mais proximamente ao pé de nós, é o que, amiúde por demais, fica muito esquecido ou silenciado:

– Endividamentos crescentes das autarquias (a Câmara da Praia da Vitória lá foi a mais 1 milhão!); hipotecas e falências por décadas; estagnação comercial e empresarial; obscurantismos de gestão e inversão de prioridades; falares de barato e impunidades políticas e pessoais de toda a ordem; subserviências partidárias e pessoais; carreirismos planeados e premiados a prazo; entronização de actores medíocres e agentes governamentais de arrepiar; farsas, sofismas e subterfúgios de palmatória (na Saúde o fiasco governamental, consabido mas negado, ultrapassa até o mais elementar receituário do senso comum); o imbróglio, nunca profundamente avaliado, da Universidade dos Açores (conforme muito bem apontou há dias Américo Natalino Viveiros); o inadmissível e já histórico desacompanhamento nacional, regional e terceirense da questão da Base das Lajes (agora foi o caso das demolições!), raiando o escandaloso (veja-se a perceptível e quase completa desatenção e sepulcral omissão na opinião pública e na participação crítica institucional açorianas perante o último Relatório de Ana Gomes à Comissão dos Assuntos Externos do Parlamento Europeu sobre a Dimensão Marítima da Política Comum de Segurança e Defesa (cujo § 37 é mesmo de extrema importância e envolvência para os Açores!), etc., etc., – tudo tristemente entre a coabitação podre de incompetências com absurdas e imprudentes megalomanias (demasiado vazias, vezeiras e abusivas retóricas pseudo-autonómicas), apenas ou quase somente calculadas a curto termo, talhe de foice táctica ou improvisado fio de navalha…


O que resta, o que nos espera e preocupa assim, é o que veremos provavelmente a seguir (e talvez mais depressa do que se imagina), no Almanaque das colheitas e sementeiras do Outono – o dos patriarcas e o dos seus sucessores e herdeiros também … – que, de lá e cá, vem já a caminho e não prometem, nem auguram, nem tangem nada de bom para ninguém!
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Em RTP-Açores:
e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 21.09.2013).
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 21.09.2013).