segunda-feira, abril 16, 2012

Os Fechos da Noite

Não é certamente novidade para ninguém que o consumo de álcool e de outras drogas representa um problema psicossocial e de saúde pública que atinge gravemente a nossa sociedade, sendo que este complexo fenómeno e compósita maleita começa a ganhar proporções epidémicas e um grau de manifestação já muito preocupante, não só entre camadas da população açoriana historicamente mais vulneráveis e atingidas por tal flagelo, quanto agora também e cada vez mais precocemente em escalões etários que chegam quase até à pré-adolescência!

– Várias são as razões para esta triste e preocupante realidade, e tanto para a sua decorrente morbi-mortalidade como para a respetiva e intrínseca força patogénica, que assentam – como é sabido – “por um lado, nos fatores socioculturais, envolvendo costumes, tradições e falsos conceitos transmitidos ao longo de gerações e determinando os hábitos, atitudes e comportamentos e, por outro, nas particularidades de um meio caracterizado por uma produção fértil e uma desmesurada e cega oferta de bebidas alcoólicas”, estando parte relevante e integrante de muito disto, como é salientado num conhecido documento da DGS, ainda compreensivelmente “na origem da elevada alcoolização geral da população do nosso país”, e tanto mais quanto é neste contexto que os indivíduos estabelecem os seus convívios precoces com o álcool, “encontro que, muitas vezes, se dá mesmo antes do nascimento”! E depois, sublinhe-se que, em termos políticos e socio-económicos, “grandes mudanças no consumo de álcool se encontram associadas às mudanças sociais”…

Ora – e mesmo sem introduzir hoje mais alguns dos últimos indicadores e fatores exponencialmente indutores ou potenciadores dos gravíssimos e interligados problemas aqui referidos –, recordemos que grande parte da impunidade civil e criminal, da permissão e da permissividade mutuamente implicadas nas suas generalizadas (quando não mesmo programadas!) facilitações, está ligada a toda uma cadeia nacional, regional e municipal de legislação conivente ou institucionalmente débil, como bem recentemente se constatou em Angra do Heroísmo, ao lado de consentidos e recorrentes cenários degradantes, pipas de negócio agiota e droguista, e quase total ausência de fiscalização, ao mesmo tempo que se continua a escancarar ou a prolongar contraproducente, mas concertada e festivaleiramente, as portas e os fechos da noite a toda uma medonha, alienante e irresponsável hipoteca global e sistémica sobre o presente das famílias e o futuro das novas gerações da nossa terra!
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Outra versão em "Diário Insular" (14.04.2012)
Publicado em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 15.04.2012),