Medo e
Sementes de Violência
Como se não bastasse
tudo aquilo que a nível internacional nos chega através dos OCS e das Redes
Sociais cada vez com maior intensidade e
crescentes contornos de brutalidade – como são agora as imagens das
decapitações de jornalistas ocidentais por parte de assassinos a soldo de guerra e crença do “estado
islâmico” –, estão as mesmas páginas mediáticas recheadas (de modo não só
objectivo, proporcionado e realista,
quanto também, amiúde, num empolamento
estratégico e/ou apenas comercialmente
movido...) de notícias, relatos de confrontos e versões de feiíssimas
manifestações de agressividade, crimes atrozes e outras demenciais demonstrações de violência física, psicológica, social,
discursiva e simbólica que vem ocorrendo cada vez mais próxima na nossa
sociedade.
O fenómeno não é
certamente novo, mas aparece agora projectado
e difundido a uma escala nunca dantes
atingida e para efeito da qual muito contribui a conjugação de profundas e dilacerantes crises morais, societárias,
culturais e civilizacionais com a
disseminação em massa que é proporcionada pelos novos sistemas de
telecomunicações móveis, transmissão da informação e partilha quase planetariamente instantânea de mensagens
verbais, imagens e valores...
– E neste quadro de cruzamentos e sobreposições reais e
ficcionais de linguagens, comportamentos e técnicas (e assim,
fundamentalmente, de tempos e espaços
cognitivos e sensórios, privados
e públicos), como é sabido e quotidianamente se revela potenciado a todos os níveis e modos possíveis, desempenham
os Telemóveis um papel preponderante e paradigmático, conforme tem vindo a ser
estudado também entre nós, v.g. no qualificado âmbito da Faculdade de Ciências
Humanas da Universidade Católica (cujas teses e estudos a Editora Paulus tem
ajudado a divulgar, publicando-os).
O tema tem premência,
tanto mais quanto não há muitas semanas assistimos a mais uma consumada encenação conflitual (logo pré-anunciada
para nova réplica de “rolezinho” à portuguesa...) daquela espécie de
“mobilização” (verdadeira “convocatória” de mob
nas Redes Sociais, em computadores, telemóveis, iphones, ipads, etc.),
para um outro dito, mas depois gorado, “meet” ou meeting (ajuntamento, encontro, reunião) de jovens em diversos
locais e centros comerciais de Lisboa!
– A nada disto será
estranho toda uma catastrófica acumulação
de explosivas “sementes de violência” (numa análoga linha de filiação e montagem que Evan Hunter e Richard Brooks bem
documentaram em 1954/55, como se fosse ontem), e todavia na sequência de tal problema
e face à recorrência de factos
relativos aos mesmos “meets” e respectivas convocatórias para ajuntamentos e
mobilizações na área metropolitana de Lisboa através das redes (e teias…)
sociais e de telemóveis –, valerá a pena adiantar hoje ainda mais algumas das perspectivas críticas ligadas a esses
tão mediatizados acontecimentos.
Ora, mais do que sobre
esse complexo fenómeno societário
(que todos os dias ganha, ou deveria suscitar, maior atenção e novas premências de observação, estudo,
acompanhamento inter-institucional e aprofundada procura de soluções
integradas…), e tendo eu aqui um significativo conjunto de textos (opiniões,
comentários e pequenos ensaios) sobre os referidos “encontros”, suas origens,
contornos, métodos, objectivos e consequências (à semelhança dos chamados
“rolezinhos” à brasileira e com traços das similares concentrações de
“teenagers” nos “centers and shopping malls” norte-americanos), deste fenómeno,
que – repita-se – não é propriamente inédito, de última moda ou novidade
(enquanto manifestação grupal de dinâmicas lúdicas juvenis potencialmente conflituais, antes cuja generalização exponencial se vem mimando
em certas áreas urbanas e suburbanas...), convirá precisar o seguinte:
– Naqueles fenómenos
confluindo múltiplos e diferentes
factores psicossociais, culturais, sociopolíticos e económicos, a par de valores e práticas que roçam a
para-delinquência criminal, os assédios ameaçadores, os prenúncios de
insegurança em pessoas e bens, e que assim, por
isso mesmo, provocam e reclamam acrescidas
e consequentes medidas securitárias (algumas geradoras de riscos para a liberdade dos cidadãos), é certo porém que,
a não serem as mesmas tomadas a devido e
proporcional tempo, medida e conta, talvez que a sua ausência, irreflexão
ou protelamento mais contribuam antes para a gestação larvar de estados de inquietação, violência e medos
colectivos e privados, para cujo tratamento, mais tarde ou mais cedo, o remédio
há-de então ser depois pedido a um
outro Estado forte, disciplinador e muito mais policial e policiado, – coisa que talvez devesse constituir motivo de prioritária ponderação
para alguns pressurosos colunistas de sofá e analistas de palanque que mais
preocupados se tem manifestado com não sei que supostas securitites (sic) estivais, ou com a ausência (real essa,
mas não pela mesma via) de espaços de
inscrição social para alguns segmentos
populacionais, quando tal ideal e projecto de vida em comunidade pacífica e
pacificada, urbana e pessoal, com a inerente
inscrição, deve ser dirigida a todas as
classes, raças, idades e condições!
Também por isso é que
esta premente questão (que permanece também intimamente ligada ao vício do medo urbano e à sua especulativa e lucrativa gestão enquanto “capital do medo”...), não podendo ser
pensada nem resolvida à margem dos novos desafios que se colocam às urgências
de uma Democracia justa, à renovação do Estado Social, à Cidadania, à Educação
e à Cultura, à articulação entre o Global e o Local e à Convivencialidade –
entre a mixofilia e a mixofobia, como reflectiu Bauman –,
sendo muito mais grave do que possa pontualmente parecer, deve entrar de
imediato nas agendas nacionais e regionais, enquanto há tempo para apagar os
rastilhos que esta mesma sociedade
ateou...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 06.09.2014):