sexta-feira, dezembro 18, 2015


Dos Arquivos do Vaticano
para a História dos Açores
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Publicada já há alguns anos pela Esfera do Caos (Lisboa, 2011) mas ainda felizmente disponível em Angra do Heroísmo na Livraria In Folio, a obra Arquivo Secreto do Vaticano, Expansão Portuguesa – Documentação, como o seu título indica, reúne documentação, descrita e sumariada do Fundo da Nunciatura de Lisboa patente no Arquivo Secreto do Vaticano e relativa ao período da Expansão Portuguesa – feito histórico-civilizacional que promoveu, como se entende na Introdução ao primeiro dos três volumes que integram esta bela edição encadernada e guardada em caixa-arquivo, “aquela que podemos chamar a primeira globalização do Cristianismo na sua forma confessional católica desde a modernidade”.



Prefaciada por Roberto Carneiro (Presidente do Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa da Universidade Católica) – que no seu texto explica os diferentes faseamentos e as sucessivas fases de trabalho, financiamento e coordenação desta obra organizada sob a Coordenação de José Eduardo Franco –, este excepcional repertório documental constitui um indispensável instrumento de trabalho para quem queira estudar o Catolicismo em Portugal e no Mundo, enquanto e como “experiência de implantação e afirmação da Fé Cristã confessionalizada numa estrutura modeladora com uma história que não é desligável da história dos países, das culturas e das derivas internacionais da religião e da política.

“Ler estas fontes documentais – salienta precisamente José Eduardo Franco – é encetar, de facto, uma aventura de compreensão que deve ser, em primeiro lugar, a missão da construção da história como revisitação do passado, guiada por uma insistente interrogação”.  



– O Plano dos 3 Volumes desta obra está organizado por relação aos espaços geográficos da Costa Ocidental de África e Ilhas Atlânticas (Tomo I, com coordenação científica de Arnaldo do Espírito Santo e Manuel Saturino Gomes), do Oriente (Tomo II, com coordenação científica de João Francisco Marques e José Carlos Lopes de Miranda), e do Brasil (III Tomo, com coordenação científica Luís Machado de Abreu e José Carlos Lopes de Miranda).

A primeira fase de elaboração deste projecto iniciou-se, sob a coordenação do Professor Teodoro de Matos, em 1998, com um projecto financiado pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (Inventariação da Documentação relativa a Portugal existente nos Arquivos do Vaticano), ao qual se seguiram uma segunda (2005) e terceira (2008) fases, mas sendo que, ao final, o seu Investigador Responsável (José Eduardo Franco) entendeu por bem reunir os intervenientes das equipas de ambas as fases do projecto que se disponibilizaram para o efeito. Devido à sua dimensão ainda era necessário muito trabalho adicional para tornar o resultado capaz de publicação com coerência e rigor de critérios, pelo que os membros das referidas equipas das duas fases aceitaram apoiar e, alguns deles, colaborar em conjunto na preparação da versão final na forma que aqui se publica, da qual todos eles são, na verdade, autores e colaboradores”.

“Este empenho conjunto – ainda segundo salientou Roberto Carneiro – pretendeu fazer justiça ao trabalho efectivamente desenvolvido por todos os intervenientes nas diferentes etapas e garantir que o produto científico do considerável investimento em recursos humanos e materiais, feito por prestigiadas instituições de financiamento do Estado Português e da União Europeia, se tornasse acessível a um público interessado e o mais alargado possível”.



– Entretanto, em Outubro de 2011, a quando da apresentação desta obra em Lisboa, o actual Cardeal Patriarca D. Manuel Clemente, então Bispo do Porto (ele próprio historiador de mérito) teve também oportunidade de salientar a importância, os recursos e as potencialidades que um programa desta natureza contém, com a particularidade – para nós indicativa… –, do mesmo se ter precisamente debruçado, com alguma atenção, sobre a problemática conflitual, para si dilecta e da qual é um especialista, do Liberalismo, do primeiro Republicanismo, do Movimento Católico Português e das suas paradigmáticas configurações, ecos e ilustrações nas nossas ilhas, para tanto respigando, por exemplo, do 1º volume, um documento (datado de “sete anos antes da revolução liberal”) onde um prelado já dava notas do outro tempo que naqueles tempos chegava, ao referir “apreciar a religiosidade das pessoas do campo em oposição à cidade, onde se diz que residem os libertinos e os maçons”..., bem assim ali variada e abundantemente constando também muitas e preciosas informações e pistas sobre os Açores, a Igreja, a Monarquia, etc. E deste modo é depois salientado o alcance histórico-temático desta obra por Arnaldo Espírito Santo, que escreve o seguinte:


– “Tomemos como caso notável a história regional e local das comunidades açorianas. Das centenas de pedidos de dispensa de impedimentos canónicos do matrimónio entre familiares, consanguíneos e afins, ressalta a verificação de que era restrito, no século XVII, o número de famílias do arquipélago, em grande parte descendentes daquelas que iniciaram o povoamento das ilhas. A prática religiosa é intensa. A enquadrar as comunidades urbanas e com uma grande inserção entre elas, exercem o seu fascínio os conventos e os institutos de várias famílias religiosas. Muitos e muitas acorrem a engrossar as suas fileiras. Seja por inadaptação ou por insatisfação, chovem os pedidos de mudança de lugar, uns alegando desejo de maior austeridade, outros denunciando dificuldades pontuais de convivência e conflitos pessoais. Uma abadessa solicita a exoneração do cargo; uma freira, já idosa, pretende licença para ter uma criada. A autoridade eclesiástica competente vai despachando conforme os casos, ora acedendo aos pedidos, ora recusando para não criar precedentes. Há matéria abundante que roça o romanesco. Uma freira foge do convento para Inglaterra com um marinheiro inglês. Outra salta o muro, dizem que com conivência do confessor. Um escândalo que fez correr rios de tinta e de documentos”…


De tudo isto e do muito mais que ali consta, para encantadoras incursões e revisitações socio-históricas, institucionais, culturais e existenciais, pelos caminhos do passado da nossa vida colectiva nos Açores – enfim –, no entrecruzamento de gentes, mentalidades e destinos do Mundo, estamos perante uma obra fascinante e plena de atractivos inter e pluridisciplinares, indispensável portanto nas nossas estantes, bibliotecas e arquivos regionais e pessoais, para estudo, investigação e reprodutivo conhecimento do que fomos e daquilo que, de modo profundo, mesmo quando não reflectido nem criticamente assumido, nos molda ainda e condiciona contemporaneamente…
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 18.12.2015):