Dos Arquivos do Vaticano
para a História dos Açores
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Publicada já há alguns anos pela
Esfera do Caos (Lisboa, 2011) mas ainda felizmente disponível em Angra do
Heroísmo na Livraria In Folio, a obra Arquivo
Secreto do Vaticano, Expansão Portuguesa – Documentação, como o seu título
indica, reúne documentação, descrita e sumariada do Fundo da Nunciatura de Lisboa patente no Arquivo Secreto do Vaticano e relativa ao período da Expansão Portuguesa – feito
histórico-civilizacional que promoveu, como se entende na Introdução ao
primeiro dos três volumes que integram esta bela edição encadernada e guardada
em caixa-arquivo, “aquela que podemos chamar a primeira globalização do
Cristianismo na sua forma confessional católica desde a modernidade”.
Prefaciada por Roberto Carneiro (Presidente do Centro de
Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa da Universidade Católica)
– que no seu texto explica os diferentes faseamentos e as sucessivas fases de
trabalho, financiamento e coordenação desta obra organizada sob a Coordenação
de José Eduardo Franco –, este excepcional
repertório documental constitui um indispensável instrumento de trabalho
para quem queira estudar o Catolicismo em Portugal e no Mundo, enquanto e como
“experiência de implantação e afirmação da Fé Cristã confessionalizada numa
estrutura modeladora com uma história que não é desligável da história dos
países, das culturas e das derivas internacionais da religião e da política.
“Ler estas fontes documentais – salienta precisamente José
Eduardo Franco – é encetar, de facto, uma aventura de compreensão que deve ser,
em primeiro lugar, a missão da construção da história como revisitação do
passado, guiada por uma insistente interrogação”.
– O Plano dos 3 Volumes desta obra está organizado por
relação aos espaços geográficos da Costa
Ocidental de África e Ilhas Atlânticas (Tomo I, com coordenação científica de Arnaldo do
Espírito Santo e Manuel Saturino Gomes), do Oriente
(Tomo II, com coordenação científica de João Francisco Marques e José
Carlos Lopes de Miranda), e do Brasil
(III Tomo, com coordenação científica
Luís Machado de Abreu e José Carlos Lopes de Miranda).
A primeira fase de elaboração deste projecto iniciou-se, sob a
coordenação do Professor Teodoro de Matos, em 1998, com um projecto financiado
pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (Inventariação
da Documentação relativa a Portugal existente nos Arquivos do Vaticano), ao
qual se seguiram uma segunda (2005) e terceira (2008) fases, mas sendo que, ao
final, o seu Investigador Responsável (José Eduardo Franco) entendeu por bem
reunir os intervenientes das equipas de ambas as fases do projecto que se
disponibilizaram para o efeito. Devido à sua dimensão ainda era necessário
muito trabalho adicional para tornar o resultado capaz de publicação com
coerência e rigor de critérios, pelo que os membros das referidas equipas das
duas fases aceitaram apoiar e, alguns deles, colaborar em conjunto na
preparação da versão final na forma que aqui se publica, da qual todos eles
são, na verdade, autores e colaboradores”.
“Este empenho conjunto – ainda segundo salientou Roberto
Carneiro – pretendeu fazer justiça ao trabalho efectivamente desenvolvido por
todos os intervenientes nas diferentes etapas e garantir que o produto
científico do considerável investimento em recursos humanos e materiais, feito
por prestigiadas instituições de financiamento do Estado Português e da União
Europeia, se tornasse acessível a um público interessado e o mais alargado
possível”.
– Entretanto, em Outubro de 2011, a quando da apresentação
desta obra em Lisboa, o actual Cardeal Patriarca D. Manuel Clemente, então Bispo
do Porto (ele próprio historiador de mérito) teve também oportunidade de salientar
a importância, os recursos e as potencialidades que um programa desta natureza
contém, com a particularidade – para nós indicativa… –, do mesmo se ter
precisamente debruçado, com alguma atenção, sobre a problemática conflitual, para si dilecta e da qual é um
especialista, do Liberalismo, do primeiro Republicanismo, do Movimento Católico
Português e das suas paradigmáticas configurações, ecos e ilustrações nas
nossas ilhas, para tanto respigando, por exemplo, do 1º volume, um documento
(datado de “sete anos antes da revolução liberal”) onde um prelado já dava
notas do outro tempo que naqueles tempos chegava, ao referir “apreciar
a religiosidade das pessoas do campo em oposição à cidade, onde se diz que
residem os libertinos e os maçons”..., bem assim ali variada e abundantemente
constando também muitas e preciosas informações e pistas sobre os Açores, a
Igreja, a Monarquia, etc. E deste modo é depois salientado o alcance histórico-temático
desta obra por Arnaldo Espírito Santo, que escreve o seguinte:
– “Tomemos como caso notável a história regional e local
das comunidades açorianas. Das centenas de pedidos de dispensa de impedimentos
canónicos do matrimónio entre familiares, consanguíneos e afins, ressalta a
verificação de que era restrito, no século XVII, o número de famílias do
arquipélago, em grande parte descendentes daquelas que iniciaram o povoamento
das ilhas. A prática religiosa é intensa. A enquadrar as comunidades urbanas e
com uma grande inserção entre elas, exercem o seu fascínio os conventos e os
institutos de várias famílias religiosas. Muitos e muitas acorrem a engrossar
as suas fileiras. Seja por inadaptação ou por insatisfação, chovem os pedidos
de mudança de lugar, uns alegando desejo de maior austeridade, outros
denunciando dificuldades pontuais de convivência e conflitos pessoais. Uma
abadessa solicita a exoneração do cargo; uma freira, já idosa, pretende licença
para ter uma criada. A autoridade eclesiástica competente vai despachando
conforme os casos, ora acedendo aos pedidos, ora recusando para não criar
precedentes. Há matéria abundante que roça o romanesco. Uma freira foge do
convento para Inglaterra com um marinheiro inglês. Outra salta o muro, dizem
que com conivência do confessor. Um escândalo que fez correr rios de tinta e de
documentos”…
De tudo isto e do muito mais que ali consta, para encantadoras
incursões e revisitações socio-históricas, institucionais, culturais e
existenciais, pelos caminhos do passado da nossa vida colectiva nos Açores –
enfim –, no entrecruzamento de gentes, mentalidades e destinos do Mundo,
estamos perante uma obra fascinante e plena de atractivos inter e
pluridisciplinares, indispensável portanto nas nossas estantes, bibliotecas e arquivos
regionais e pessoais, para estudo, investigação e reprodutivo conhecimento do
que fomos e daquilo que, de modo profundo, mesmo quando não reflectido nem criticamente
assumido, nos molda ainda e condiciona contemporaneamente…
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 18.12.2015):