Os Ditados do Tempo
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Não sei se devido a remota
herança de corpo, alma e vida vivida, talvez não se passe nenhum Inverno em que
não recorde a alta figura de António Silveira Pacheco, meu bisavô faialense,
ali à varanda da antiga casa das Angústias, emprestados que eram por ele à minha
curiosa investigação infantil os seus belos binóculos de Faroleiro-Chefe com os
quais nas férias do Verão pesquisava as mansas águas do Porto Pim, a Fábrica da
Baleia e o Monte da Guia, enquanto ouvia os seus relatos sobre os fantásticos
Faróis das ilhas onde ele tinha estado tantos anos a vigiar a travessia dos
barcos e a manter acesas e limpas as luzes da terra sobre a noite do mar e a
passagem do Tempo...

Até aí nunca tinha ouvido a
misteriosa evocação do nosso protector anticiclone
insular e do vasto adagiário popular da
Meteorologia, que só depois vi científica e minuciosamente explicados pelos
nossos distintos meteorologistas José Agostinho (terceirense: 1888-1978) e
Anthimio de Azevedo (micaelense: 1926-2014) – e mais tarde ainda, a relembrar
também o sentido interpretativo de alguns
daqueles Provérbios que meu bisavô do Capelo me recitava – na sugestiva
antologia Mudam os Ventos, mudam os Tempos de Manuel Costa Alves (especialista
do Instituto de Meteorologia de Portugal e apresentador de informação
meteorológica), da qual o académico Pinto Peixoto salientara que recolhia
manifestações “de aculturamento e de observação do mundo real e do
comportamento, (...) sínteses de acumulação e de sedimentação da inteligência
que soube reflectir sobre a fenomenologia do real”!
E depois de salientar que
esse repertório prestava um grande serviço à Cultura (ou às “duas culturas,
como diria Sir Charles P. Snow, [porque estas] se fundem num conceito universal
e abrangente”), o antigo presidente da Academia das Ciências de Lisboa,
professor do MIT e das universidades de Yale e Princeton, mais referia:

– “É que, com a emigração em
massa e os ventos de uniformidade e de descaracterização soprados por alguns
meios de comunicação, tende a destruir-se este património, este bem colectivo,
que tem, em grande parte, permanecido como uma relíquia nos nossos povos e
aldeias. (...)
"Com o advento do positivismo científico, a meteorologia
desenvolveu-se muito como ciência. As observações de empiriologia do real transformaram-se em medições que utilizam,
hoje, equipamentos evoluidíssimos que estão na fronteira das tecnologias. E
esses avanços observacionais, iniciados por Galileu, Torricelli e outros, isto
é, estas medidas, levaram à aplicação das leis da física e da química”.

Neste livro de Costa Alves os
Açores também estão presentes ao analisar o autor, entre outros, o nosso
provérbio "Com baleias no canal terás
temporal", ditado aliás não muito distante do universo simbólico que Nemésio exprimiu no título Mau Tempo no Canal. Ainda assim,
relembrando a paradigmática quarentena
de abastecimentos e o impedimento de qualquer tentativa de apoio ou socorro por
meios marítimos habituais (ou aéreos, como há poucos dias mortalmente tornou a
ocorrer!) a que as Flores e o Corvo estiveram sujeitas em Março de 1991, logo
relembra que "Quando o mar zurra, atrás
vem quem no empurra"...

– E do mesmo modo, conquanto
deixando para posterior ensejo uma abordagem específica e desenvolvida do extremamente rico Adagiário Popular
açoriano – mas recordando-me logo aqui dos avisos
prenunciadores que o Pico gera, mostrava e não deitava, com o seu
capelo, barrete, penacho, boca de lobo, nuvem da Prainha, etc., e que meu
bisavô Pacheco evocava tão amiúde ali junto à perigosa cisterna do nosso
quintal no Pasteleiro, face aos calhaus para onde eu queria correr à força para
navegar até às grutas do Monte dianteiro, com a mochila da Campanha da França
às costas e o oscilante e pesado capacete de meu avô Eduardo Medeiros da Rosa
(Horta, 1891-1963) marcado pelas balas (e pelas fundas feridas e cicatrizes carnais e espirituais!) da I Primeira
Grande Guerra (onde ele estivera e servira com o General Gomes da Costa, seu
ídolo militar, com direito a honras fidedignas naquela enorme fotografia
pessoal, autografada e pendurada em lugar de honra na sala da nossa casa nas
Angústias)...



Em consonância – vinha a dizer –
Costa Alves regista uma série de outros ditados profundamente ligados às
condições existenciais e ambientais, geo-bio-físicas e psíquicas insulares:
“Vento sudoeste brandinho e panga, é tremer dele quando se zanga”; “Gaivotas
pelas portas, água pelas grotas”; “Nuvens do sul para o norte vão, mau tempo de
inverno, bom tempo de verão”; “Não te fies em céu estrelado, nem em amigo
reconciliado”; “Vento norte, três dias forte”, etc.
– Ora nestas horas do Alex em que
nos vimos envoltos, mas já informáticos observadores
e participantes pelos OCS e pelas Redes planetárias da Internet e suas
aplicações, nesse “sistema natural constituído pelo mar oceano de ar que nos rodeia, que não vemos, mas que respiramos,
e à sua matematização, permitindo uma justificação
lógica quantitativa da sabedoria dos provérbios”, – como não relembrar
outro tempo de catástrofes e medos cíclicos (sabe-se lá se replicáveis
em novos riscos e ameaças por alterações climáticas e ambientais)!? E
tudo isto, apesar do Adagiário selecto não integrar sequer o anticiclone dos
Açores, porém sabendo que “Qual o tempo, tal o tento”...

Porém – conhecendo-se que os
nomes das tempestades ciclónicas e dos violentos e ameaçadores fenómenos
naturais (ao fechar e abrir os anos, e de prioridade em sequência baptismal)
vão de Arlene a Wilma, Alberto a William, Andrea a Wendy, Arthur a Wilfred, Ana
a Wanda, e de Alex, talvez em 2016 (quem o pressagiará?) a Walter..., saltando-se
pois alternadamente de belos mas
impiedosos nomes femininos para outros de mansos senhores que acabam nominalmente regulando desgraças e eleições do clima – conforme no seu livro O Anticiclone dos Açores (com imagens do
talentoso fotógrafo que foi Alexandre D. O’Neill, filho do poeta Alexandre
O’Neill) sinalizou o nosso geofísico e meteorologista Anthimio de Azevedo (aliás
ultimamente, e bem avisado, queixando-se das
mudanças climáticas e da vadiagem
do nosso anticiclone!) –, como não estarmos hoje atentos e acautelados para aquilo que nos pode sair na roleta do boletim meteorológico ou na presidência dos nossos destinos..., – ou não bastassem já todos os demais desterros, ventos e esquecimentos do tempo e da sorte a que fomos e estamos geo-historicamente
votados, para bem e para mal dos nossos pecados
e virtudes de gerações, neste frágil e precário arquipélago de almas incarnadas
em nove pequenas ilhas, no meio de um imenso Oceano...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 23.01.2016):