sábado, janeiro 23, 2016



Os Ditados do Tempo
___________________________________________________________



Não sei se devido a remota herança de corpo, alma e vida vivida, talvez não se passe nenhum Inverno em que não recorde a alta figura de António Silveira Pacheco, meu bisavô faialense, ali à varanda da antiga casa das Angústias, emprestados que eram por ele à minha curiosa investigação infantil os seus belos binóculos de Faroleiro-Chefe com os quais nas férias do Verão pesquisava as mansas águas do Porto Pim, a Fábrica da Baleia e o Monte da Guia, enquanto ouvia os seus relatos sobre os fantásticos Faróis das ilhas onde ele tinha estado tantos anos a vigiar a travessia dos barcos e a manter acesas e limpas as luzes da terra sobre a noite do mar e a passagem do Tempo... 


Até aí nunca tinha ouvido a misteriosa evocação do nosso protector anticiclone insular e do vasto adagiário popular da Meteorologia, que só depois vi científica e minuciosamente explicados pelos nossos distintos meteorologistas José Agostinho (terceirense: 1888-1978) e Anthimio de Azevedo (micaelense: 1926-2014) – e mais tarde ainda, a relembrar também o sentido interpretativo de alguns daqueles Provérbios que meu bisavô do Capelo me recitava – na sugestiva antologia Mudam os Ventos, mudam os Tempos de Manuel Costa Alves (especialista do Instituto de Meteorologia de Portugal e apresentador de informação meteorológica), da qual o académico Pinto Peixoto salientara que recolhia manifestações “de aculturamento e de observação do mundo real e do comportamento, (...) sínteses de acumulação e de sedimentação da inteligência que soube reflectir sobre a fenomenologia do real”!

E depois de salientar que esse repertório prestava um grande serviço à Cultura (ou às “duas culturas, como diria Sir Charles P. Snow, [porque estas] se fundem num conceito universal e abrangente”), o antigo presidente da Academia das Ciências de Lisboa, professor do MIT e das universidades de Yale e Princeton, mais referia:



– “É que, com a emigração em massa e os ventos de uniformidade e de descaracterização soprados por alguns meios de comunicação, tende a destruir-se este património, este bem colectivo, que tem, em grande parte, permanecido como uma relíquia nos nossos povos e aldeias. (...)

"Com o advento do positivismo científico, a meteorologia desenvolveu-se muito como ciência. As observações de empiriologia do real transformaram-se em medições que utilizam, hoje, equipamentos evoluidíssimos que estão na fronteira das tecnologias. E esses avanços observacionais, iniciados por Galileu, Torricelli e outros, isto é, estas medidas, levaram à aplicação das leis da física e da química”.


Neste livro de Costa Alves os Açores também estão presentes ao analisar o autor, entre outros, o nosso provérbio "Com baleias no canal terás temporal", ditado aliás não muito distante do universo simbólico que Nemésio exprimiu no título Mau Tempo no Canal. Ainda assim, relembrando a paradigmática quarentena de abastecimentos e o impedimento de qualquer tentativa de apoio ou socorro por meios marítimos habituais (ou aéreos, como há poucos dias mortalmente tornou a ocorrer!) a que as Flores e o Corvo estiveram sujeitas em Março de 1991, logo relembra que "Quando o mar zurra, atrás vem quem no empurra"...


 – E do mesmo modo, conquanto deixando para posterior ensejo uma abordagem específica e desenvolvida do extremamente rico Adagiário Popular açoriano – mas recordando-me logo aqui dos avisos prenunciadores que o Pico gera, mostrava e não deitava, com o seu capelo, barrete, penacho, boca de lobo, nuvem da Prainha, etc., e que meu bisavô Pacheco evocava tão amiúde ali junto à perigosa cisterna do nosso quintal no Pasteleiro, face aos calhaus para onde eu queria correr à força para navegar até às grutas do Monte dianteiro, com a mochila da Campanha da França às costas e o oscilante e pesado capacete de meu avô Eduardo Medeiros da Rosa (Horta, 1891-1963) marcado pelas balas (e pelas fundas feridas e cicatrizes carnais e espirituais!) da I Primeira Grande Guerra (onde ele estivera e servira com o General Gomes da Costa, seu ídolo militar, com direito a honras fidedignas naquela enorme fotografia pessoal, autografada e pendurada em lugar de honra na sala da nossa casa nas Angústias)...


Em consonância – vinha a dizer – Costa Alves regista uma série de outros ditados profundamente ligados às condições existenciais e ambientais, geo-bio-físicas e psíquicas insulares: “Vento sudoeste brandinho e panga, é tremer dele quando se zanga”; “Gaivotas pelas portas, água pelas grotas”; “Nuvens do sul para o norte vão, mau tempo de inverno, bom tempo de verão”; “Não te fies em céu estrelado, nem em amigo reconciliado”; “Vento norte, três dias forte”, etc.

– Ora nestas horas do Alex em que nos vimos envoltos, mas já informáticos observadores e participantes pelos OCS e pelas Redes planetárias da Internet e suas aplicações, nesse “sistema natural constituído pelo mar oceano de ar que nos rodeia, que não vemos, mas que respiramos, e à sua matematização, permitindo uma justificação lógica quantitativa da sabedoria dos provérbios”, – como não relembrar outro tempo de catástrofes e medos cíclicos (sabe-se lá se replicáveis em novos riscos e ameaças por alterações climáticas e ambientais)!? E tudo isto, apesar do Adagiário selecto não integrar sequer o anticiclone dos Açores, porém sabendo que “Qual o tempo, tal o tento”...


Porém – conhecendo-se que os nomes das tempestades ciclónicas e dos violentos e ameaçadores fenómenos naturais (ao fechar e abrir os anos, e de prioridade em sequência baptismal) vão de Arlene a Wilma, Alberto a William, Andrea a Wendy, Arthur a Wilfred, Ana a Wanda, e de Alex, talvez em 2016 (quem o pressagiará?) a Walter..., saltando-se pois alternadamente de belos mas impiedosos nomes femininos para outros de mansos senhores que acabam nominalmente regulando desgraças e eleições do clima – conforme no seu livro O Anticiclone dos Açores (com imagens do talentoso fotógrafo que foi Alexandre D. O’Neill, filho do poeta Alexandre O’Neill) sinalizou o nosso geofísico e meteorologista Anthimio de Azevedo (aliás ultimamente, e bem avisado, queixando-se das mudanças climáticas e da vadiagem do nosso anticiclone!) –, como não estarmos hoje atentos e acautelados para aquilo que nos pode sair na roleta do boletim meteorológico ou na presidência dos nossos destinos..., – ou não bastassem já todos os demais desterros, ventos e esquecimentos do tempo e da sorte a que fomos e estamos geo-historicamente votados, para bem e para mal dos nossos pecados e virtudes de gerações, neste frágil e precário arquipélago de almas incarnadas em nove pequenas ilhas, no meio de um imenso Oceano...
_______________

Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 23.01.2016):