As Concessões e as Trocas
ou As Hipotecas Delirantes
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O meu colega professor e filósofo
Viriato Soromenho-Marques (VSM) publicou no JL
uma Crónica (“O lobo pelas orelhas”) – a propósito do “enorme número de
concessões a empresas nacionais e estrangeiras para a prospecção e exploração
de combustíveis fósseis em todo o território nacional, que este governo herdou
de anteriores governos” – na qual foi abordada importante temática ecológico-científica, político-moral e
ética, sendo que “os casos mais conhecidos (...) passam-se no Algarve e no
Alentejo, envolvendo concessões em terra e no mar”.
– Todavia, para além de objectiva denúncia dos factos, VSM, tomando
Thomas Jefferson como interlocutor referencial, levou a sua reflexão até um plano mais fundamental (esse que “tem
estado obscurecido do debate” e que é o da ética
pública), sendo assim que nesta leitura
crítica se tratou – perante “benefícios privados e desgraças públicas”... –
de averiguar da legitimidade de tais concessões (como aliás poder-se-ia fazer
com outras paradigmáticas decisões
políticas ou de governança
institucionalmente hegemónica), confrontando-as com princípios universais como sejam: 1) o da justiça entre gerações e 2) o do primado do interesse público sobre a utilidade privada...
“No que respeita ao primeiro
princípio (...) – continua o autor do texto em apreço – o futuro presidente dos
EUA explica que nenhuma geração (...) poderia tomar opções que condicionassem
de modo irreversível a liberdade de escolha das seguintes. (...) Ora as concessões
que os governos de Sócrates e Passos Coelho assinaram chegam a atingir 45 anos
de duração. Elas seriam inadequadas por um ano, pois são intrinsecamente mal
concebidas, quanto mais criando uma blindagem temporal tão vasta. Com que
direito um punhado de políticos, escondidos no anonimato da sua
insignificância, tornam refém uma nação inteira e o seu território emerso e
submarino ao longo de sucessivas gerações, amarradas a decisões insensatas de
que estão condenadas a sofrer as consequências?
“No que diz respeito ao segundo
(...), é seguro afirmar que, neste momento, as concessões concentram todos os
eventuais riscos e prejuízos sobre o país inteiro, e os lucros potenciais
apenas nos acionistas das companhias envolvidas.
“Mais ainda. As concessões violam
a aposta que Portugal tem realizado nos últimos anos nas energias renováveis, e
o compromisso internacional no combate às alterações climáticas. É uma profunda
incoerência política e uma ignomínia moral”.
– E depois, como VSM
certeiramente constata e pode concluir, as crises (europeia e nacional) têm
revelado “a profunda incompetência de muitos dos titulares eleitos para altos
cargos governativos”, não se tratando “só da estupidez e da persistência no
erro”, antes “também do mais puro analfabetismo em matéria moral” (e, aduza-se,
político-filosófico)!
Esta Crónica, cuja atenta leitura
recomendo e a cujos alcances locais e
regionais açorianos voltarei, traz-nos hoje uma valiosa carga de fundamentos teoréticos e de exigentes incidências práticas, podendo, por
exemplo, ser aplicada às agendas e
problemas históricos (conjunturais e estruturais...) dos Açores, da ilha
Terceira e da Base das Lajes, partindo tanto das iniciais concessões e das sucessivas
trocas de facilidades militares, financeiras e diplomáticas como dos
contemporâneos protelamentos, impasses e logros, perante riscos, poluições e
lixos, velhas pistas e novas plataformas
para desastres, artifícios, artimanhas, fumos e fogos sem precaução nem
transparência:
– De facto, como aqui já escrevi,
notícias vindas ultimamente a lume continuam a gerar justificadas dúvidas, legítimas
apreensões e indeclináveis deveres de denúncia pública, exigência de
transparência e rigorosa e previdente assumpção de responsabilidades.
E tudo isto sem desvendar-se ainda
os estratégicos mistérios atlânticos da
tal rampa dos foguetões e satélites
“meteorológicos”, guardados os foguetes, as bombas-foguete e as roqueiras para
depois das Eleições (regionais açorianas e norte-americanas...), antes que
todas essas estrondosas peças rebentem de novo por cima das nossas cabeças, nas
pastagens e debaixo dos solos e aquíferos contaminados, ou no fundo das águas
turvas que dissimulada e perigosamente
nos cercam, enganam e querem de novo instrumentalizar..., quando não em alegoria adaptada e mais à moda de
alguns dos nossos provinciais prestidigitadores,
à semelhança de quem ficou (e tornaria a ficar!), como Jefferson dizia da
escravatura, com “o lobo pelas orelhas”, naquela aflição ou impasse de permanecer
preso “ao cornos do toiro” (ou rabejando-o nas arenas, arraiais e redondéis
das ilhas, do país e do mundo), à espera de uma escapadela (ou conjuntural cuspidela...) salvadora – cujo momento propício e seguro dificilmente chegaria
para as próximas gerações de açorianos, sempre perdida, adiada ou comprometida
a sua multimodal e complexa configuração em hipotecas
e concessões inconsequentes e efémeras... Tal como no passado e hoje mais
se comprova à saturação própria e alheia:
– Para além, claro, daquelas interesseiras
e pseudo-inocentes trocas de nuclear conversa
fiada nas ridículas cabeças “decisórias” de certos amadores da “coisa pública”, ignorantes
impreparados ou rematados irresponsáveis
a quem, rotineira e comodamente, vamos dando um irreflectido voto, passando-lhes
míopes procurações...
E nem será preciso, para já –
parece-me... – esmiuçar toda uma série de curiosas, sintomáticas e imaginativas propostas e sugestões de alguns encartados analistas, comentadores e “especialistas”
que, a partir dos seus semanais poisos e mediáticos estúdios, continuam a debitar
incríveis e floridas doses de denunciada publicidade
“científica” segundo consabidas escolinhas
de propaganda e outros ressabiados
discursos (afinal enganosos lugares
comuns...) de certos “think-tanks” bélicos – tão prenhes sempre de sub-reptícia (e apenas dita pura e generosa...) intenção de “investigação”
–, todavia logo a emparceirar com supostos
modelos de alternativos (?) e exequíveis (?) projectos geoestratégicos cuja solidez, segurança e real interesse (local, nacional e regional) é bastante
duvidoso e incoerente, quiçá chegando
a identicamente violar aqueles mesmos
princípios acima partilhados!
– Assim, na rampa destes delírios
tácticos, concessões e trocas, o silêncio
político-partidário de todos, é ainda mais inadmissível e arrepiante!