ENTREVISTA AO JORNAL "DIÁRIO INSULAR"
(Angra do Heroísmo, 14 de dezembro de 2019)
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Centenário de Sophia:
Um Olhar luminoso
em figuração Poética
O Centenário do Nascimento de
Sophia de Mello Breyner (1919-2004), está a ser comemorado em todo o País. Que
sentido e alcance vê nestas evocações?
Vejo todo o sentido e mérito nestas
iniciativas – que oxalá se diversifiquem e tenham continuidade de divulgação e interpretação sociocultural, escolar, académica, literária e artística, para aprimorado, amoroso e rigoroso tratamento
multidisciplinar da grande beleza poética
e sentido existencial da sua obra –,
tratando-se de uma efeméride apropriada e
propiciadora de merecida evocação multimodal de uma das figuras e obras
mais notáveis e cimeiras da Literatura, da Cultura e da Cidadania em Portugal
no século XX.
De
resto, uma consulta aos programas e eventos comemorativos dará bem conta
do alcance, real ou potencial, da
diversidade desejável e da salutar complementaridade
compreensiva e integradora de todos esses projectos, com entendimento
crítico, solidário e construtivo, a desenvolver sob o escorreito signo de
Sophia e da sua luminosa e iluminada visão das coisas, das realidades e dos seres nossos circundantes, naquela justeza e rectidão das palavras, imagens e valores que
foram e são próprios do seu timbre puro e pendor visionário, e do seu olhar matinal, no autêntico exercício
poético-sapiencial e metamórfico, simultaneamente silente e verbal, do seu espírito…
Numa Conferência proferida em Ponta
Delgada, referiu-se à Exposição sobre Sophia, que está patente na Biblioteca
Pública de Angra…
Sim! Entendi de facto dever elogiar
esta Exposição que é bem merecedora de uma visita, pelo tema e pela
diligente forma da sua instalação.
– Tendo perfilhado o título de um dos
livros de Sophia (O Nome das Coisas), logo pela apresentação das peças bibliográficas e documentais, passando pela respectiva montagem e suportes visuais e
didácticos para visualizações alusivas, esta é uma Exposição
atraente e sugestiva. Além do mais, os documentos apresentados foram bem articulados com a instalação in loco de uma útil e funcional plataforma
informática para acesso rápido a várias bases e Páginas Web correlativas.
Finalmente, neste âmbito (onde se
entendeu acentuar a vertente sociopolítica e cívica de Sophia) merecem relevo
qualitativo as imagens e textos trabalhados no formoso Catálogo da
Exposição, bem adequado à revelação de importantes facetas da escritora.
Professor
que foi em diversos níveis do Ensino, e como ensaísta e académico, é conhecida
a sua já antiga e recorrente atenção à criação literária e ao pensamento de
Sophia. Como chegou ao conhecimento da sua obra e que género de estudos
interpretativos foi desenvolvendo, e ainda hoje proporia, sobre os mesmos?
Os
primeiros textos e iniciações à leitura que recebi foram-me tradicional e maternalmente
ditos, ensinados e con-vividos em família, na nossa casa da Praia da Vitória,
como mensagens verbais de alta densidade poética, bela estilização
retórica e nobre timbre moral, através de Contos,
Narrativas Ficcionais fabulosas e Poesias, muito antes de toda a grande Prosa das literaturas e de outros
sucessivos mundos e memoriais do Imaginário, que se foram tornando
sempre mais amplos. Mas todas essas leituras, que a formação escolar e
universitária consolidou e fez reviisitar, só ganhariam realmente outra e maior dimensão e complementaridades
de sentido e fundamentação com a Filosofia…
Quando ensinei Língua Portuguesa, antes de leccionar Filosofia na
Universidade, sempre procurei trabalhar com os meus alunos sobre textos de
Sophia, em Poesia e Prosa:
– Recordo nomeadamente as Poéticas ou
o “Caminho da Manhã” (do Livro Sexto). Porém, foi sobretudo Contos
Exemplares a obra mais lida, programática e inspiradoramente aplicada por mim, não só na
Literatura e na Cultura Portuguesa, mas depois também, mais tarde, na Filosofia, mormente na
Ética e na Ontologia…
Contudo a
obra de Sophia é muitíssimo exigente, de todos os pontos de vista – complexa
conquanto límpida e quase translúcida; ascética mas interiormente vibrátil; enfim, na formulação da sua autora, tanto manuelina como apolínea...
Mais especificamente, voltando aos
programas e aulas de Filosofia e de Cultura Portuguesa, que leituras temáticas,
abordagens críticas e propostas compreensivas procurou suscitar?
Como tão profundamente foi meditado
por D. António Ferreira Gomes no seu erudito e profundo Prefácio a Contos Exemplares, esta obra constitui e
revela uma densa e autêntica reflexão filosófica, ética e metafísica sobre a existência e a condição humanas, as
situações-limite da vida, da morte, do sofrimento, da
problemática e do mistério da Finitude e da Transcendência, num discurso
poético-fenomenológico, metafórico e simbólico, que não só intencionalmente configura
e revela uma Ética, uma Metafísica e mesmo uma Teologia, quanto suscita e mais
potencia ricas e diversificadas hermenêuticas, análogas ou próximas, mesmo
quando contrapostas, por exemplo, às desenvolvidas por Heidegger, Ricoeur,
Lévinas, Nietzche, Marx, Adorno e Horkheimer, Metz, etc. Mas o mesmo também
pôde ser considerado a propósito de Pessoa, Rilke, Dante, Claudel, ou Homero (tutelar ícone da particular modelação mítica, estética e geográfica da Grécia, que Sophia faz matizada e categorialmente brotar de deslumbrantes modos).
– Evidentemente, o mesmo ou mais se
diga no que concerne à Filosofia Grega, um dos berços do Ocidente, ora mediterrânica,
ora atlântica ora insularmente embalado em deslumbradas viagens, rotas e demandas náuticas, terrestres e celestes), com os seus Mitos e Clássicos autores da
nossa Cultura e Civilização, conquanto, atenda-se, em diálogo crucial, umas vezes messiânico ou utópico, outras crucificante, doloroso, interminável e irrecusável com os paradigmáticos exílios e diásporas da Cultura Judaica e com os estigmas redentores do Cristianismo.
Tudo isto está presente,
também, na obra, na vida e no pensamento de Sophia, desenhando um quadro ou fundo essencialmente conatural à Filosofia e à Literatura universais, mas ainda à nossa Portugalidade destinal, saudosa, angustiada e lírica.
Sophia
foi uma grande activista cívica. Que recordações guarda dessa sua vertente,
também política, antes e depois do 25 de Abril?
Quero aqui, quanto a isto, recordar hoje apenas a
sua actuação e atribulações como opositora do Regime anterior ao 25 de Abril e
a sua adesão aos pronunciamentos da Comissão
Nacional de Socorro aos Presos Políticos, cujos documentos (recebidos
através do nosso saudoso amigo Padre Manuel António Pimentel) fazíamos divulgar,
clandestinamente, na Terceira… Foi assim com indisfarçável emoção que vi assim um
desses documentos memoráveis reproduzido na Exposição de Angra!
Quanto ao papel de Sophia – que
esteve na Terceira nas primeiras lides democráticas, anti-totalitárias e eleitorais do PS de outrora... –, fica prometida a
abordagem para outro ensejo. Todavia, Sophia percorreu e marcou alguns desses (bem lembrados...) caminhos comuns, desencontros e conflitos, mas sem
mácula nem desprimor, sem ressentimento nem desvirtuamento de si, do seu passado e da sua obra!
– Ainda por tudo isso, é que ela permanece um exemplo de dignidade intelectual e de sabedoria, para comovida e irmanada procura iluminadora das palavras e das obras, entre a Justiça e a
Esperança transformadoras e transfiguradoras do Mundo, dos Valores e
das Linguagens.
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Entrevista publicada no jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 14.12.2019).
O Desenho (Inédito. 2019) de Sophia é da autoria de Emanuel Félix e foi propositadamente feito, a meu pedido, para ilustração deste texto.
Entrevista publicada no jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 14.12.2019).
O Desenho (Inédito. 2019) de Sophia é da autoria de Emanuel Félix e foi propositadamente feito, a meu pedido, para ilustração deste texto.