Uma Obra de
referência Histórica e Bibliográfica:
DICIONÁRIO SOBRE O PENSAMENTO DA EUROPA
EDITADO PELA
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
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Inserido na prestigiada “Colecção
Parlamento”, a Assembleia da República acaba de editar um volumoso Dicionário das Grandes Figuras Europeias,
no qual colaborou com o texto sobre Edgar Morin. Qual o conteúdo e importância
desta nova obra de referência em Portugal sobre o Pensamento Europeu e a Ideia
de Europa?
EDUARDO FERRAZ DA ROSA (EFR) – Este
livro, coordenado por Isabel Baltazar e Alice Cunha (professoras e
investigadoras na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
de Lisboa), como ali mesmo vem referido, resulta de um trabalho conjunto e
pretende dar visibilidade aos grandes vultos que contribuíram para uma Europa
Unida nos séculos XIX e XX, sejam eles pensadores, estrategas, políticos,
diplomatas e técnicos que pensaram esse ideal e apresentaram projectos para uma
unidade europeia, não esquecendo o contributo de várias figuras portuguesas
nesse âmbito, como foi salientado ao destacar-se que esta edição contou com
académicos de diferentes universidades e áreas científicas (Ciência Política,
Direito, Economia, Filosofia, História e Relações Internacionais).
A obra – que mereceu o Alto Patrocínio do Presidente da República – foi recentemente lançada em Lisboa, na Biblioteca Passos Manuel da Assembleia da República, e é prefaciada por Regina Bastos (presidente da Comissão de Assuntos Europeus do Parlamento) e por Ana Paula Zacarias (Secretária de Estado dos Assuntos Europeus), integrando também um Prólogo e um notável estudo de Introdução, da autoria das coordenadoras deste muito acalentado projecto.
A obra – que mereceu o Alto Patrocínio do Presidente da República – foi recentemente lançada em Lisboa, na Biblioteca Passos Manuel da Assembleia da República, e é prefaciada por Regina Bastos (presidente da Comissão de Assuntos Europeus do Parlamento) e por Ana Paula Zacarias (Secretária de Estado dos Assuntos Europeus), integrando também um Prólogo e um notável estudo de Introdução, da autoria das coordenadoras deste muito acalentado projecto.
Ultrapassar
o atraso europeu
da
Historiografia Portuguesa
Como
escreveu Isabel Baltazar, em Portugal “tudo estava (quase) por fazer. Faltava,
portanto, aprofundar a área da perspectiva histórica, cultural e filosófica da
União Europeia, quer a nível do levantamento de fontes para a história da
integração europeia, em geral, quer, também, a nível das fontes portuguesas
sobre o tema da Ideia de Europa. Temos a convicção de que é necessário
ultrapassar o atraso da historiografia portuguesa [neste domínio], e que esta obra
vem suprir uma lacuna nessa área e nas outras áreas do saber”.
Quais as Entradas e os contributos
ensaísticos que destacaria nesta obra de conjunto?
EFR – O Dicionário conta com a colaboração de
cerca de noventa autores portugueses e estrangeiros, reunindo 85 Entradas ou
Verbetes nominais – que são na verdade condensados
ensaios temáticos, biográficos e bibliográficos – sobre outras tantas
distintas figuras ou personalidades seleccionadas:
E são de facto, indubitavelmente, todas essas presenças, algumas das mais
relevantes, significativas e marcantes figuras do pensamento, da sociedade, da
política e da cultura da Europa e/ou sobre a Europa, desde os chamados “pais
fundadores” (Monnet, Schuman, Adenauer, De Gasperi, Spaak, Delors, etc.),
passando por estadistas e líderes carismáticos (Churchill, De Gaule, Genscher,
Giscard d’Estaing, Karamanlis, Mitterand, Schmidt, Strauss, Thatcher,
Tindemans, Veil, Kohl, González…), diplomatas e estrategas (Kissinger, Luns,
Marshall…), e ainda por cépticos nacionalistas e utopistas (Proudhon…), e
outrossim, naturalmente também, por pensadores críticos, teorizadores,
precursores e filósofos (Aron, Benda, Briand, Derrida, Habermas, Hugo, Kant,
Madariaga, Morin, Nietzsche, Ortega y Gasset, etc.), até aos portugueses e aos
nossos confluentes ou dissonantes contributos, desejos, aspirações e
(des)encontros nacionais e lusíadas, europeístas e euro-atlânticos, todos estes
afinal provindos de uma Nação e de um Povo que teve e tem uma feição diaspórica,
medianeira de uma Europa ainda poética ou mítica, mirante de Oriente a Ocidente
(como em Pessoa), ou de uma Europa outra, peninsular e do Sul, só recentemente
refluída de um (o último!) grande Império ultramarino da Expansão colonizadora
e “evangelizadora” de um Ocidente falhado
e perdido, conquanto multisecularmente cimentado em gestas e memórias e
brumas, e mesmo hoje não de todo esquecido, nem sequer sublimado, espiritual, anímica e corporalmente superado ou transcendido em sucedâneos de valor, mito, imaginários,
móbil de sociedade e civilização, cultura, língua e historicidades dialécticas…
Que Figuras portuguesas integram este
Dicionário?
EFR – São
cerca de dezena e meia as várias presenças portuguesas, desde Manuel Antunes a
Irene de Vasconcelos, de Silva Lopes a Mário Soares, de Ernâni Lopes e Jacinto
Nunes a Luís Sá e Lucas Pires, enfim, desde Magalhães Lima e Medeiros Ferreira
a Lourdes Pintasilgo e Eduardo Lourenço…
– Isto
no que se refere às figuras tratadas, porquanto dos autores, académicos,
ensaístas e investigadores, autores das Entradas nominais, poderíamos elencar, embora
apenas ao correr de um relance na listagem, entre os demais, Adriano Moreira,
Carlos Gaspar, Guilherme d’Oliveira Martins, José Eduardo Franco, Acílio Rocha,
Manuel Loff, Manuela Tavares Ribeiro, João Medina, Mendo Castro Henriques, Rui
Tavares, Soromenho Marques, Freitas do Amaral, Eduardo Paz Ferreira, etc.
Identidades
Culturais,
Leituras
e Ideologias
É
claro que as figuras portuguesas e estrangeiras seleccionadas pelas
Coordenadoras deste Dicionário não
esgotam a galeria (que nunca poderia, nem pretendeu ser, exaustiva) de nomes
aduzíveis ou possivelmente agregáveis, no estrito âmbito do pensamento
societário e social, e da reflexão pluridisciplinar sobre a identidade, a
tradição e algumas prospectivas, mais ou menos futuríveis – a par de outras
leituras, ideologicamente díspares, e da perspectivação de acrescidos rumos
incertos, complexos e problemáticos – sobre a Europa, e dela e dos Europeus (e
dos não-europeus!) sobre si próprios, sobre os outros, sobre os demais
continentes e mundos outros, terceiros ou quartos, globais ou ensimesmados,
párias, regredidos ou adiados num tempo do Espírito e da
História só talvez contra-hegelianamente compreendidos, quando não em regressão fixista e obsessiva (da qual
aliás fomos acusados em diversos contextos político-civilizacionais e
jurídico-históricos…).
Por
outro lado, voltando ao elenco europeu e ao caso português, é evidente que
outras percepções histórico-críticas e ideográficas poderiam ter sido aqui
trazidas a confronto, nomeadamente aquelas típicas das citadas correntes mais
cépticas, ou descrentes, no que diz respeito às identidades nacionais (relembro a recorrente ideia de uma Europa Social e das
Nações, dos Povos e das Pátrias, e mesmo… das Regiões!), e do destino autónomo, conquanto integrado, dos Países numa amiúde controvertida e controversa União Europeia!
– E
bem assim outros nomes que me ocorrem sempre na discussão destes temas e
problemas, num sentido e noutro, avisadamente à luz crepuscular, opressora e sangrenta de um Passado trágico e demencial, holocáustico e maligno: Jaspers,
Husserl, Arendt, Freud, Marx, Adorno e Horkheimer, Lévinas, Walter Benjamin,
Foucault, Camus, Le Goff, Mounier, Ricoeur e Ratzinger…
Da Europa Histórico-Política
à Europa das Regiões
Ora
atente-se sempre nas vigentes derivas e
significados de todos os brexits e
nas lúcidas reacções aos mecanismos
hegemónicos de Poder e do Capital, e às degeneradas oligarquias europeias, justamente fustigadas, no específico quadro
da reflexão regional, regionalista e
autonómica açoriana (amiúde inoperante
ou subalternizada perante os desafios insulares…), como aquela que
tornámos a ver, ainda há poucos dias, bem timbrada no último livro de Mota
Amaral!
– No
entanto, verdade seja dita, nada disto escapou directa ou indirectamente aos
autores e colaboradores deste Dicionário
das Grandes (e de Grandes) Figuras Europeias,
tendo de resto também o estudo introdutório de Isabel Baltazar sinalizado os correlativos horizontes desta temática
no que concerne aos diversos perfis
do pensamento português e dos diferentes, por vezes antagónicos, projectos político-institucionais,
histórico-hermenêuticos e jurídico-constitucionais. Relembro, por exemplo, o
Integralismo, mas poderíamos recordar o que viria apenso a homens e movimentos como
os da Renascença e da Seara Nova, que se foram sucedendo no nosso País,
nomeadamente nos séculos XIX, XX e neste que agora vivemos.
Tempos, Modos
e Modelos alternativos
Refiro-me concretamente à Primeira República, ao Estado Novo de Salazar, ao Marcelismo e ao Regime Democrático do pós-25 de Abril, e que não só a Filosofia, a Economia, o Direito e a Sociologia Políticas debateram activa e/ou reactivamente, quanto também a Literatura e as Artes (veja-se o Saudosismo, a Presença, o Neo-realismo e o Surrealismo…) representaram, enfrentaram e narraram em tempos e modos e espaços alternativos…
– E,
enfim, todos os outros que nem sequer hoje estão arredados dos discursos, práxis e contra-teses de tendências embrionárias ou subjacentes a
retóricas e estratégias matizadas de
certas formações político-partidárias
e ideológicas mais fracturantes, radicais ou extremadas nos parlamentos, sedes
e lobbies prebendados, alguns com chorudos
Euros, dólares ou reais patacas,
outros com patacos, intenções e programas
falsificados, conforme as clientelas ou as hostes de choque…
O seu texto nesta obra é sobre Edgar
Morin. Quais as principais linhas que sublinhou do seu pensamento?
EFR – Edgar
Morin, pseudónimo de Edgar Nahoum, nasceu em Paris (08.07.1921), de famílias
com ascendência judaica. Sociólogo,
antropólogo, filósofo e politólogo, é considerado um dos mais importantes
pensadores contemporâneos. Tendo estudado Filosofia, formou-se em Direito,
História e Geografia, áreas que marcam os horizontes
interdisciplinares da sua vasta obra, especialmente nos campos da Filosofia
Social e Política, Ética das Ciências e Epistemologia (onde se distinguiu pelos
seus contributos para a reflexão crítica sobre os fenómenos da Complexidade).
– Depois,
tendo como fontes assumidas a Etnografia, a História das Religiões, a História
das Civilizações, a História das Ideias, a Sociologia, a Biologia e a Ecologia,
e após alargar uma primitiva concepção marxista da história, Morin procurou concatenar
metodicamente todas aquelas disciplinas e heranças teóricas com decisivos
contributos da Psicanálise.
A
Europa como Comunidade
de
Destino e Renascimento
Na
sua obra Pensar a Europa (original de
1987), Morin debruçou-se mais especificamente sobre a chamada questão europeia, tematizando várias
vertentes da génese e metamorfoses da
Europa enquanto ideia-força e realidade histórico-civilizacional compósita,
como caldo de cultura, consciência identitária e comunidade de destino.
– Aqui,
após fazer um percurso pela turbilhonária
história intelectual, cultural e política da Razão Ocidental, Morin analisa
as sucessivas mudanças de identidade,
metamorfoses e “purificação” dos projectos de construção europeia, paralelamente
às mutações e evoluções da Ordem Mundial, à reconfiguração dos blocos, à
superação dos messianismos nacionalistas e às tentações hegemónicas,
geoestratégicas, científicas e financeiras, defendendo ao final que também
assim na presente encruzilhada dos
países, povos e regiões da Europa e do Mundo, dever-se-ia passar à assumpção
plena e generosa de uma memorial, justa e solidária comunidade de destino prudencial, feita de unidade na multiplicidade e iluminada pela esperança no advento de
uma nova idade de ternura e racionalidade, qual paradigmático segundo Renascimento, “aberto a todos os
horizontes do mundo” e a todos os Povos da Terra, única morada ecológica da
Vida, da Consciência e da nossa frágil Humanidade, na imensidão infinita do
Cosmos.
––––––––––––––––––––––––
(*) Texto revisto
da Entrevista concedida ao jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo,
03.08.2019).
Nota: A primeira versão, foi publicada páginas 2 e 3 do DI de 3 de Agosto 2019:
Nota: A primeira versão, foi publicada páginas 2 e 3 do DI de 3 de Agosto 2019:
Idem. Texto revisto e aumentado, integralmente publicado no jornal
"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 7 de Agosto 2019):
Idem, em "Atlântico Expresso"
(Ponta Delgada, 12 de Agosto 2019):