As lições de Oscar Niemeyer
De entre todas as pioneiras obras
concebidas nos anos 40 e seguintes do século XX por Oscar Niemeyer – o grande
arquitecto falecido no passado dia 5 de Dezembro (2012) – conta-se o famoso complexo
da Pampulha (em Belo Horizonte) que integra a Igreja de São Francisco de Assis (terminada em 1943, mas só canonicamente
licenciada e benzida em finais dos anos 50!), uma Casa de Baile, um Iate Clube
e um antigo Casino (actual Museu de Arte), – tudo inserido num conjunto
arquitectónico concebido e construído em redor de uma límpida lagoa artificial
e em harmoniosa convivência com jardins e passeios públicos, pinturas de
Cândido Portinari, azulejos de Paulo Werneck e esculturas de Alfredo Ceschiatti,
de tal modo que todo aquele projecto, tão modelarmente criativo e inovador, foi
mesmo considerado pelo seu autor como inspirador para o posterior e arrojado
“início de Brasília” (cidade concebida de raiz pelo urbanista Lúcio Costa e por
ele próprio, em 1956, e depois inaugurada, em 1960, pelo presidente Kubitschek,
como capital federal do Brasil).
Nascido no Rio de Janeiro (15.12.1907),
Oscar Niemeyer, foi indiscutivelmente uma das mais representativas figuras da
arquitectura modernista contemporânea, cuja produção estética edificada
obedeceu a um geometrismo dinâmico, muito marcado pela predominância monumental
de formas arredondadas, pela inserção dos volumes, perspectivas e planos numa
envolvência espacial real ou artificiosamente ampla e aberta, pela utilização
estilizada e pelo carácter mimético dos motivos geo-ambientais, naturais ou
humanos seleccionados.
– Deste modo, todas criações de
Niemeyer (também poeta, pensador crítico e etnógrafo…) ficaram marcadas por uma
nunca renegada e compósita intencionalidade prática, axiológica, social, ideológica
e espiritual, – dialéctica e diversamente assim detectáveis, por exemplo nos
traçados do Museu Niemeyer, no Memorial da América Latina, no Palácio da
Alvorada, na Sede do Partido Comunista Francês, na Catedral de Brasília, e … em
Portugal, no Casino Park Hotel do Funchal, e em três outros projectos ainda engavetados na nossa
penúria nacional e no nosso mais do que nominal, afunilado e fatídico
subdesenvolvimento crónico: o algarvio Empreendimento Turístico de Pena Furada (1965), a nova sede da fundação Luso-Brasileira, na Quinta dos Alfinetes (1991) e, enfim, o arrojadamente sonhado (por Berta Cabral, honra lhe seja feita!) Museu de Arte
Contemporânea de Ponta Delgada (2010), projecto este talvez justificadamente
protelado, porém tão incrivelmente incompreendido, ignorado ou esquecido por cá
e no País…, até nos mesmos dias em que todo o mundo evocava o desaparecimento e
a memória do grande arquitecto brasileiro, resistente político e comunista
convicto e coerente!
Sem adiantar aqui e agora mais
nada sobre a vida, a personalidade e a obra de Niemeyer – sobre tudo aquilo de
que foi símbolo, lenda ou ícone, e sobre os sinais, os olhares e os textos
açorianos que com os dele se cruzaram –, lamento hoje apenas o que, nos
antípodas das suas leituras teóricas, da sua estética vanguardista e da sua
pragmática da Arquitectura, por aí cresce e apodrece, amiúde ainda à sombra de
três dos mais insidiosos domínios aonde
grassam tantas das nossas recorrentes, medíocres e provincianas mistificações e
atentados patrimoniais: a Cultura, a Arte e o Pensamento…
Publicado em Azores Digital:
RTP-Açores:
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 08.12.2012).