sexta-feira, julho 19, 2013

As Filosofias de V. Gaspar



Numa muito significativa Entrevista concedida no passado mês de Abril ao programa “Sociedade das Nações” (transmitido e conduzido na SIC pelo politólogo Nuno Rogeiro e pelo jornalista Martim Cabral), Vítor Gaspar – antigo ministro das Finanças do já então periclitante governo do PSD/CDS-PP (e dos ainda actuais líderes daqueles partidos, Passos Coelho e Paulo Portas) – desenvolveu todo um notável e pouco vulgar (conquanto não totalmente surpreendente…) discurso técnico, político-económico, cultural e pontualmente filosófico, cujos vários conteúdos argumentativos (mais ou menos retóricos…), conquanto incidindo em especial sobre Economia (especialidade académica, área profissional e pelouro da sua entretanto demitida governança), em muito ultrapassaram os cingidos horizontes daquela ciência social e também o vulgar arrazoado (lugares comuns, frases feitas e chavões) da gíria quotidianamente papagueada nos espaços públicos (nacionais, regionais e locais!), sem real domínio da matéria falada, pela maior parte da baixa classe político-partidária que vem conduzindo o nosso País, há décadas, para ruínas de soberania e dívidas soberanas, ambas historicamente suicidárias e de dramático sacrifício para as futuras gerações!

– Todavia e para além do mais, aquele diálogo televisivo constituiu excelente documentário sobre o entendimento e as estratégias teórico-práticas que V. Gaspar liderava e vinha fazendo assumir pela coligação de centro-direita no poder, embora, pelos vistos e pelo menos parcialmente, nem ele tenha hoje as mesmas ideias, certezas ou esperanças sobre as ditas e conjugadas crises europeias e nacionais; sobre o corrente (e não sabemos até quando, nem em que moldes, vigente) programa de assistência financeira e de tutela político-económica ao nosso País, e – enfim – sobre as perspectivas de austeridade e consolidação orçamental que Portugal e os restantes Estados da zona euro enfrentam a curto, médio e longo prazo…

E é assim que, tanto apesar de, como, precisamente, por essa mesma qualidade, aquele testemunho do ex-ministro das Finanças continua a merecer ser visto e muito mais detalhadamente analisado do que surpreendentemente o (não) foi em nenhum órgão da lusa praça e dos seus estafados, oficiais ou oficiosos lugares de “comentário”…, – desde as inefáveis congeminações palpitantes (supostamente sempre doutas, argutas e objectivas!) do prof. Marcelo, às expeditas previsões/anúncios premonitórios de M. Mendes, ou à desfaçatez canalizada do reencenado poiso do J. Sócrates (com as suas respectivas, ressabiadas ou serôdias refutações, obscuros ressentimentos e desmemoriados arroubos tácticos “socialistas”, dos quais, aliás, um PS minado e reincidente foi, é, e tornará a ser primeira vítima culpada)!

– Mas seja como for, verdade é que aquele debate é mesmo digno de ser visionado por todos e por tudo o que revela, oculta ou dissimula daquilo que, à oscilante beira do embuste ou da patética e improvisada (des)informação, não há muito, se tentou fazer circular por entre moedas verdadeiras e patacos falsos!

Porém, se quanto ao (in)sucesso autoconfessado da política económica e social do governo – que naquele ministro teve um dos seus mais plenipotenciários e cimeiros oficiantes encartados – estaremos entendidos, restar-nos-ia ainda curiosamente rever as sintomáticas declarações e cruzadas cartilhas – imagine-se! – da teoria económica e financeira (Michael Mussa, Walter Bagehof e Nouriel Roubini…), da familiar (?) literatura filosófica (Habermas e Foucault…) e da música barroca (a ópera Ariodante, de Haendel…), – (todas) citadas e com as quais o nosso intelectual ministro demissionário tanto fidedignamente confessou amiúde conviver…, pesem evidentemente os lapsos ou imprecisões (como aquela, por ele inventada, história de um suposto “debate” em Berkeley – que de facto nunca chegou sequer a existir… – entre os autores de O Discurso Filosófico da Modernidade e de O Governo de Si e dos Outros, para além, segundo esteve também apenas previsto, de Charles Taylor, Rorty, H. Dreyfus e Paul Rabinow, em 1984, ano da própria morte de Foucault...)!

– Contudo e mesmo assim, por entre pistas e despistes que à nossa volta se teceu e entretecem de novo, talvez que com isso compreendamos melhor a agenda perdida, aleijada e alijada de V. Gaspar, farto e desencantado das alegadas omissões e tergiversações do meio caudilho que hoje é Passos Coelho (para demérito do saudoso partido de Sá Carneiro), e do outro, esse pequeno dândi feirante que é Portas (politicamente travestido e empolado no que lhe falta de credibilidade até para réplica menor de um passional e ambicioso condottieri…), deslustrado ou mal disfarçado embaraço que se tornou ele próprio para um atordoado e amordaçado CDS (que já foi de Adelino Amaro da Costa e Adriano Moreira…)!
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Publicado em Azores Digital: