sexta-feira, setembro 13, 2013

As Dívidas e as Remissões

 Conforme previsto, realizou-se no passado dia 11 em Lisboa, na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica (FCH-UCP), uma Mesa-Redonda, subordinada ao pertinente e actual tema “Dívida e Perdão”.

Organizada e promovida pela Área Científica de Filosofia da FCH-UCP – sob a empenhada e competente coordenação de Américo Pereira, Maria Inês Bolinhas e Cecília Tomás (moderadora na transmissão vídeo) –, esta Conferência, que suscitou grande adesão presencial e acompanhamento on-line à distância em Portugal e no Brasil, no sentido de procurar confrontar e integrar diversas abordagens daquela problemática numa perspectiva interdisciplinar, contou com as participações de Mendo Henriques, António Cortês, Vítor Bento, Jerónimo Trigo e César das Neves:

– E foi assim que a referida temática acabou por ser analisada e debatida de modo singular neste fórum aberto, ou não fossem diversas, e por vezes até bem antagónicas, como então ali ficou claramente evidenciado (ou escamoteado!), algumas das mais conhecidas posições teórico-críticas (abstractas e concretas…) habitualmente assumidas e defendidas pelos Conferencistas presentes e academicamente oriundos das áreas da Economia, Direito, Teologia e Filosofia. 



No entanto, apesar da amplitude esboçada nas abalizadas e respectivas exposições, parece que aquele proposto assunto da Dívida (e do seu “Perdão”) mais devia ter suscitado também um outro aprofundamento fundamental e fundamentado da questão da Culpa pela contracção da dita…

– Aliás, mesmo que (intencional ou provisoriamente?) tivesse sido possível retirar dali a questão moral (ou ética) da “culpa” – individualmente perspectivável, e não como qualquer, outro e diferente, mal metafísico original que fosse… –, restaria sempre e ainda um natural imperativo de tematização do apuramento da responsabilidade (sócio-jurídico, política, técnica, estrutural, económica e financeira) e das implicadas e inerentes causas, pressupostos, processos e factores reais (e realistas!) da contracção mais ou menos (in)conscientemente deliberada ou induzida (quando não mesmo objectivamente especulativa, usurária, fraudulenta e criminosa) da visada dívida nossa e da Dívida enquanto fenómeno genérico, como muito bem tentaram apontar alguns dos oradores.

Porém, tanto quanto se constatou, nenhum destes níveis foi ali muito enfrentado, tal como não o foi o problema da “culpabilidade” ou da “culpa” (e também o da sanção propriamente penal…), ao contrário do que vem acontecendo, na penalizadora realidade da crise empírica e quotidiana dos portugueses, com o imposto pagamento comum (digo, pelo Bem Comum, ou – talvez melhor – pelo sistémico mal comum…) e o tutelado resgate colectivo do mesmo endividamento, dito globalmente “nacional”, por parte (tantas e bastas vezes pouco equitativa) de todo o País…

– De resto, tanto à luz do Direito quanto à sombra de um (outro) manto desresponsabilizante, ou de indistinta retribuição tácita – apenas qualificável como Perdão ou Solidariedade por mor de branqueamentos nacionais ou de equidades internacionais dúbias… –, como é que seria moralmente legítimo, ou sequer politico-económicamente justificável, perdoar uma dívida nacional soberana (como a portuguesa) sem um apuramento prévio de imputações jurídico-políticas (ou até jurídico-penais!), estruturais, pessoais e especificamente grupais (partidos e programas políticos, grupos económicos, quadrilhas financeiras, etc.), e sem que antes se consumasse uma espécie de kantiana Crítica da Responsabilidade Impura, ou da Dívida (supostamente) Pura, – a única propedêutica social que talvez pudesse, com Verdade então, ao menos fazer consensual e pacificamente aceitar a partilha dos sacrifícios desta crise, mobilizando então consensual e credivelmente o País para a construção real de um futuro com sentido minimamente promissor e digno para as gerações futuras?

E isto deixando de parte a utopia religiosa ou a esperança messiânica (mais próprias ambas dos frutos e obras de um fraternal e festivo Império do Espírito Santo…)!

– Mas certamente que, para a necessária e urgente reflexão sobre este vasto e plurifacetado tema, a Filosofia (política, moral e económica) muito tem ainda a contribuir, ajudando a mais criticamente pensar para melhor agir, como de novo na nossa UCP exemplarmente o revelaram Mendo Henriques, António Cortês, Vítor Bento e até, na singeleza quase extemporânea (intemporal?) do seu humilde discurso evangélico, o Padre Jerónimo Trigo, – todos eles, como propunha o ali a propósito citado Bernard Lonergan, afinal atentos àquela única comunidade de responsabilidade espiritual e personalista, que firma a Palavra, a Liberdade, a Justiça, a Ética, o Trabalho, a Cultura, a Tradição e a Igualdade essencial de todos homens numa Antropologia não cínica, generosa, compassiva e – enfim, por isso mesmo – autenticamente Cristã.

Porém esse ideário só poderá ser afiançado, sem alienação ou demagogia de interesses, histriónicas gratuidades ou subterfúgios de retorcida (ou falsificada…) teoria económico-financeira, à margem e contra uma retórica neo-liberal, amiúde insolentemente retomadas e apenas banhadas naquelas conhecidas e velhas fórmulas, receitas historicamente falidas e cruelmente predatórias, que oprimem as vidas pobres ou exploradas, ultrajam os rostos frágeis do próximo e tentam subjugar a resistente e memorial consciência dos Povos.
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Publicado em Azores Digital:

RTP-Açores:
e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada).
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 14.09.2013).