O Almanaque dos Rituais
ou A Temporada dos Tartufos
Se há época no almanaque dos rituais ou no calendário do cerimonial cíclico dos modelos de actividade e de militância próprios do desacreditado regime em que vivemos – aliás cada vez mais rotineiro, dispendioso, pouco credível. nada convincente (nem sequer na medonha estética “criativa” de um marketing importado por atacado, de algures!) e aonde um incomparavelmente delirante e patético jogo de imagens e mensagens ganha sempre mais desproporcionado corpo mediático, conquanto oscilando bastante entre a catalisada revelação objectiva de insofismáveis realidades nuas e cruas e a delirante construção ficcional, artificial e mistificadora de factos outrossim sérios, objectivos e exactos…
– Se há assim, vinha a dizer, tal
género de temporada (arremedo menor
de uma cidadania já de si esquiva e bem pobre!), no estipulado e imposto nosso quadriénio
oficial, político-administrativo e autárquico, essa quadra é certamente a das
pré-campanhas e tempos eleitorais de propaganda
dos partidos e coligações, como esta que agora estamos a atravessar (“cívica
e democraticamente”, mas por linhas travessas…), ou que vimos apenas mirando com
maior ou menor proximidade, descrença, desinteresse, alheamento ou distância,
como se da encenação de um mero espectáculo
socio-institucional alienante (já de si alienado!) se tratasse…
E como se não bastasse a preponderante sensação generalizada de que tudo não passa de mais um simulacro ou repetição de antigas operetas, enredos já vistos ou desfechos análogos a outras anteriores “narrativas teatrais”, ainda por cima são-nos tais preclaras peças ensaiadas umas e representadas outras por actores selectos e artistas de carreira e cartaz, oportunistas servos ou trânsfugas recauchutados das sucatas e lixeiras políticas do costume, todos eles (ou, vá lá, muitos deles…) com versáteis talentos para tácticos “roulement” ou alternância apenas nos papéis, telas e teias em urdidura, no chega-te atrás ou adiante dos elencos arrebanhados à má fila, e – enfim – na desfaçatez, ou à-vontade, com que os básicos farsantes desta parada de tipo “lean in” ou “go ahead” prometem vir a prestar-se aos mesmos subsequentes e fiéis seguimentos das vozes (escamoteadas ou escondida do público) no ponto dos seus donos!
De resto, quanto aos tais róis de
“lean in” e “go ahead”, bastaria conferir o mimetismo dos ditos slogans, mais ou menos imaginativamente
traduzidos, conforme ao que por aí na Net (por exemplo em http://vimeo.com/58176001...) abundante e
documentadamente circula em certas ETICs (até com cursos e idênticas nomenclaturas
de “Chega-te à frente”…), e tudo assim mesmo dito para espanto de
propagandistas de pacotilha e outros originais “criativos”…, para já nem
falarmos nas pastiches neo-gestionárias
de manuais como o de Sheryl Sandberg (talentosa e dinâmica administradora do
Facebook, única mulher no seu conselho de administração e uma das poucas ladies que chegaram a lideranças em
Silicon Valley) …
– Não
que tenhamos, com certeza, por cá qualquer mítico Vale de Silício, evidentemente, embora não nos faltem, em barda, réplicas
menores de directores executivos (chief executive
officers/CEOs) e outras versões razoavelmente cosmopolitas ou provincianas,
mas sempre de vocação yuppie (young urban professional/jovem
profissional urbano), nos conhecidos “nichos de empresas” (públicas e
associadas ou mistas), “reprodutivos empreendorismos” e outras pérolas dos
fatais destinos e poleiros económico-financeiros que enxameiam o nosso modelo (português continental e autónomo
insular, “europeu” e neo-capitalista) de (sub)desenvolvimento – com o qual suposta
e saloiamente nos “modernizámos”, crescemos, progredimos e chegámos endividados
à crise vigente e galopante… –, até baquearmos, humilhados, de joelhos esfolados,
chapéu roto na mão e tutelados, por menoridade
culpada, à porta da troika e ao longo desses terminais 25 anos em que
recebemos da Europa 156 mil milhões (178 até final deste ano), ou seja 9
milhões de euros por dia, situação agora escalpelizada e debatida em Lisboa num
fórum promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Porém o mais grave, no meio deste
nacional circo todo e mais proximamente ao pé de nós, é o que, amiúde por
demais, fica muito esquecido ou silenciado:
– Endividamentos crescentes das
autarquias (a Câmara da Praia da Vitória lá foi a mais 1 milhão!); hipotecas e
falências por décadas; estagnação comercial e empresarial; obscurantismos de
gestão e inversão de prioridades; falares de barato e impunidades políticas e
pessoais de toda a ordem; subserviências partidárias e pessoais; carreirismos
planeados e premiados a prazo; entronização de actores medíocres e agentes
governamentais de arrepiar; farsas, sofismas e subterfúgios de palmatória (na
Saúde o fiasco governamental, consabido mas negado, ultrapassa até o mais
elementar receituário do senso comum); o imbróglio, nunca profundamente
avaliado, da Universidade dos Açores (conforme muito bem apontou há dias
Américo Natalino Viveiros); o inadmissível e já histórico desacompanhamento nacional,
regional e terceirense da questão da Base das Lajes (agora foi o caso das
demolições!), raiando o escandaloso (veja-se a perceptível e quase completa
desatenção e sepulcral omissão na opinião pública e na participação crítica
institucional açorianas perante o último Relatório de Ana Gomes à Comissão dos
Assuntos Externos do Parlamento Europeu sobre a Dimensão Marítima da Política Comum de Segurança e Defesa (cujo §
37 é mesmo de extrema importância e envolvência para os Açores!), etc., etc., –
tudo tristemente entre a coabitação podre de incompetências com absurdas e
imprudentes megalomanias (demasiado vazias, vezeiras e abusivas retóricas pseudo-autonómicas),
apenas ou quase somente calculadas a curto termo, talhe de foice táctica ou improvisado
fio de navalha…
O que resta, o que nos espera e preocupa assim, é o que veremos provavelmente a seguir (e talvez mais depressa do que se imagina), no Almanaque das colheitas e sementeiras do Outono – o dos patriarcas e o dos seus sucessores e herdeiros também … – que, de lá e cá, vem já a caminho e não prometem, nem auguram, nem tangem nada de bom para ninguém!
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Em RTP-Açores:
e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 21.09.2013).
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo,
21.09.2013).