BAIRRISMO E RESPONSABILIDADE
Tem os últimos dias sido marcados
por inusitada – conquanto não inédita nem surpreendente, nem sequer
imprevisível... – onda de serôdio bairrismo (tomado o conceito e sua tradução
prática no pior sentido).
– Todavia, a par desse
escorregadio e viciosamente escamoteado
terreno ilhéu – que excede os inocentes remoques
com os quais outrora, como ironizava Vitorino Nemésio, “entretínhamos a
nossa concorrência humaníssima nos penhascos”... –, também não faltaram, nos
diversos e antagónicos flancos feridos desta envenenada contenda, tanto razões
fundamentadas quanto meras sensibilidades
epidérmicas (muitas delas de pouco servindo a não ser para iludir o fundo da questão, à beira de precipícios e despudoradas retóricas corporativas, com as quais
aliás se procurou enganar tolos com percentagens
e bolos, enquanto a outros, ingénuos ou inocentes úteis, se pretendeu colocar
bibes ou antolhos para lides espicaçadas à força de falácias, contas (des)afortunadas
ou tabuadas combinadas só para estratégica
redistribuição de traficâncias, prebendas, subsídios, cargos, assentos,
representações e outros jobs para boys & leggy girls deste insular
regime (dito e redito adulto e saudável nas diversas “vias” com que o
vão crismando à vontade e voz dos donos)!
Porém, deste negativo imbróglio e lastimável
refrega, com arreigados afãs de (des)conversa e (des)compromisso em todos
os lados da barricada onde que os nossos politiqueiros se montam ensandecidos e
em despique (na praça pública ou à socapa nas capitanias sonsas onde saltitam
como murganhos...), muitos dos reais culpados e mandantes permanecem na toca
das suas jogatinas e demissões...
– Ora antes perspectivassem o
futuro, com profunda reflexão sobre o
modelo de Desenvolvimento que os Açores precisam, com racionalidade, rigoroso
planeamento, justiça, equidade, diálogo e solidariedade, sem complexos de hegemonia ou de inferioridade (perante os quais, no circunscrito
alforge de recursos que temos, do Corvo a Santa Maria, não haverá unidade de espírito açoriano nem economia de
matérias e meios que resistam à acefalia sistémica e à irresponsabilidade
geracional que estão aniquilando uma Autonomia tão esperançosa, histórica e
esforçadamente conquistada)!
De resto, tal como clara e
firmemente salientei na minha Conferência
de Encerramento da X Semana de
Estudos dos Açores (Angra do Heroísmo, Março de 1992), permanecem hoje
válidas – e afinal crescentemente revestidas de maior pertinência e inadiável retoma de reflexão colectiva,
institucional e individual, para aguentarmos e levarmos a bom porto “Essas
lanchas, aí, na carneirada”... – as seguintes conclusões:
– “Em parte total, a continuidade
e a garantia do sucesso possível da Autonomia dos Açores assentam na preservação e no incremento fraterno da unidade
dos Açorianos, de todas as Ilhas e das Comunidades Imigradas.
“Porque, e disso não tenhamos
qualquer dúvida, divididos, antagonizados e encurralados, seríamos rapidamente vencidos!
“Tal desencantado espectro de fracasso das nossas
energias, tal retrocesso cívico e
cultural, sendo sinónimo antecipado de uma anemia sistémica das nossas comunidades,
representaria um baquear geracional
face às dificuldades, e teria consequências
desmobilizadoras e degradantes, durante muito tempo inferiorizantes para o Arquipélago e para o País”...
– Mas para que tudo isto seja
assegurado com transparência e lealdade é também necessário fortalecer
novamente, ou recriar, uma sólida e
crítica cultura de identidade colectiva,
de comunidade e projecto de destino comum,
de trabalho solidário, de estudo rigoroso e de desenvolvimento autêntico, cultivando-se em simultâneo apego e amor à terra e à sua
gente, tal como ficou dito antes e vale ainda agora reler numa pequena
grande obra de reflexão insular açoriana de 1989 (O Desafio Insular, de João Bosco Mota Amaral, obra que tive o gosto
de prefaciar e que me ocorre citar muitas vezes):
“O desenvolvimento para ser
completo e alcançar as suas finalidades humanistas – desenvolver o Homem todo e
todos os homens – tem de ser feito, em qualquer comunidade, de dentro para fora.
(...) É impossível, e ineficaz, pretender desenvolver as ilhas de fora para
dentro, segundo esquemas pensados longe do meio insular e sem participação das
respectivas populações”.
“ (...) Considero que o segredo
da resistência e sobrevivência, no passado, em condições por vezes incríveis,
de miséria e opressão, e também da vitalidade no futuro, está, para os povos
insulares, na força da sua identificação cultural e na relação desta com a
ilha.
“Assim, alcançados padrões razoáveis
de qualidade de vida, e apesar do natural desnível com outras áreas, as ilhas
onde floresça uma cultura própria continuarão a mostrar possuir força vital,
fixando a população, inclusivamente jovem, em níveis razoáveis, mantendo laços
e estreito intercâmbio com núcleos de naturais residentes no exterior,
fortemente ligados à realidade insular, e enriquecendo a Humanidade com o seu
contributo de diversidade”...
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Em RTP-Açores:
Primeira versão ("Acefalia e responsabilidade")
em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 15.03.2014):