segunda-feira, março 17, 2014



BAIRRISMO E RESPONSABILIDADE


Tem os últimos dias sido marcados por inusitada – conquanto não inédita nem surpreendente, nem sequer imprevisível... – onda de serôdio bairrismo (tomado o conceito e sua tradução prática no pior sentido).


 – Todavia, a par desse escorregadio e viciosamente escamoteado terreno ilhéu – que excede os inocentes remoques com os quais outrora, como ironizava Vitorino Nemésio, “entretínhamos a nossa concorrência humaníssima nos penhascos”... –, também não faltaram, nos diversos e antagónicos flancos feridos desta envenenada contenda, tanto razões fundamentadas quanto meras sensibilidades epidérmicas (muitas delas de pouco servindo a não ser para iludir o fundo da questão, à beira de precipícios e despudoradas retóricas corporativas, com as quais aliás se procurou enganar tolos com percentagens e bolos, enquanto a outros, ingénuos ou inocentes úteis, se pretendeu colocar bibes ou antolhos para lides espicaçadas à força de falácias, contas (des)afortunadas ou tabuadas combinadas só para estratégica redistribuição de traficâncias, prebendas, subsídios, cargos, assentos, representações e outros jobs para boys & leggy girls deste insular regime (dito e redito adulto e saudável nas diversas “vias” com que o vão crismando à vontade e voz dos donos)!

Porém, deste negativo imbróglio e lastimável refrega, com arreigados afãs de (des)conversa e (des)compromisso em todos os lados da barricada onde que os nossos politiqueiros se montam ensandecidos e em despique (na praça pública ou à socapa nas capitanias sonsas onde saltitam como murganhos...), muitos dos reais culpados e mandantes permanecem na toca das suas jogatinas e demissões...


– Ora antes perspectivassem o futuro, com profunda reflexão sobre o modelo de Desenvolvimento que os Açores precisam, com racionalidade, rigoroso planeamento, justiça, equidade, diálogo e solidariedade, sem complexos de hegemonia ou de inferioridade (perante os quais, no circunscrito alforge de recursos que temos, do Corvo a Santa Maria, não haverá unidade de espírito açoriano nem economia de matérias e meios que resistam à acefalia sistémica e à irresponsabilidade geracional que estão aniquilando uma Autonomia tão esperançosa, histórica e esforçadamente conquistada)!

De resto, tal como clara e firmemente salientei na minha Conferência de Encerramento da X Semana de Estudos dos Açores (Angra do Heroísmo, Março de 1992), permanecem hoje válidas – e afinal crescentemente revestidas de maior pertinência e inadiável retoma de reflexão colectiva, institucional e individual, para aguentarmos e levarmos a bom porto “Essas lanchas, aí, na carneirada”... – as seguintes conclusões:

– “Em parte total, a continuidade e a garantia do sucesso possível da Autonomia dos Açores assentam na preservação e no incremento fraterno da unidade dos Açorianos, de todas as Ilhas e das Comunidades Imigradas.

“Porque, e disso não tenhamos qualquer dúvida, divididos, antagonizados e encurralados, seríamos rapidamente vencidos!


“Tal desencantado espectro de fracasso das nossas energias, tal retrocesso cívico e cultural, sendo sinónimo antecipado de uma anemia sistémica das nossas comunidades, representaria um baquear geracional face às dificuldades, e teria consequências desmobilizadoras e degradantes, durante muito tempo inferiorizantes para o Arquipélago e para o País”...

– Mas para que tudo isto seja assegurado com transparência e lealdade é também necessário fortalecer novamente, ou recriar, uma sólida e crítica cultura de identidade colectiva, de comunidade e projecto de destino comum, de trabalho solidário, de estudo rigoroso e de desenvolvimento autêntico, cultivando-se em simultâneo apego e amor à terra e à sua gente, tal como ficou dito antes e vale ainda agora reler numa pequena grande obra de reflexão insular açoriana de 1989 (O Desafio Insular, de João Bosco Mota Amaral, obra que tive o gosto de prefaciar e que me ocorre citar muitas vezes):

“O desenvolvimento para ser completo e alcançar as suas finalidades humanistas – desenvolver o Homem todo e todos os homens – tem de ser feito, em qualquer comunidade, de dentro para fora. (...) É impossível, e ineficaz, pretender desenvolver as ilhas de fora para dentro, segundo esquemas pensados longe do meio insular e sem participação das respectivas populações”.

“ (...) Considero que o segredo da resistência e sobrevivência, no passado, em condições por vezes incríveis, de miséria e opressão, e também da vitalidade no futuro, está, para os povos insulares, na força da sua identificação cultural e na relação desta com a ilha.


“Assim, alcançados padrões razoáveis de qualidade de vida, e apesar do natural desnível com outras áreas, as ilhas onde floresça uma cultura própria continuarão a mostrar possuir força vital, fixando a população, inclusivamente jovem, em níveis razoáveis, mantendo laços e estreito intercâmbio com núcleos de naturais residentes no exterior, fortemente ligados à realidade insular, e enriquecendo a Humanidade com o seu contributo de diversidade”...
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Em RTP-Açores:






































e "Diário dos Açores (Ponta Delgada, 18.03.2014):























Primeira versão ("Acefalia e responsabilidade") 
em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 15.03.2014):