sábado, março 15, 2014


As Danças da Cadeira

No dia 19.08.2012 publicava-se aqui no “Diário dos Açores” um texto com título quase idêntico ao desta Crónica (então chamada “A Dança das Cadeiras”...), mal sabendo-se porém que passados cerca de dezoito meses haveríamos de ser levados a retomar a sua leitura, – tão actualizada e premonitória fora a respectiva escrita, e mais actual ainda o ali vislumbrado –, que nem valia sequer a pena reinventar outro discurso para reflectir o mesmo...

– E assim lá então se constatava que Berta Cabral ao ser confrontada (e fazendo frente a um gesto-alvitre nada inocente…) com a possibilidade de Maria do Céu Patrão Neves vir a deixar o lugar para que fora eleita no Parlamento Europeu (como é sabido, naquela altura em substituição inusitada, forçada e então muito mal aceite, de Duarte Freitas), de modo a poder vir a integrar um eventual futuro Executivo regional social-democrata, logo a dita antiga presidente do PSD-A se apressou a afastar tal hipotético cenário, dizendo mesmo que aquela (ainda actualmente em funções) deputada europeia permaneceria mas era muito bem onde estava, e que o seu casual ingresso num governo do partido de Passos Coelho nos Açores, presidido por si, lhe estaria, portanto, vedado!


 O caso, na altura, não trazia novidade por aí além e teria importância nula, porquanto Patrão Neves, quiçá injustamente, por razões várias e impressões pessoais, nunca fora figura implantada no PSD local, porventura devido a uma certa grassante inveja ou ciumeira pouco institucionalmente abonatórias, mas acima de tudo porque muitos membros do PSD-A ainda não se haviam esquecido de todo o processo que levara à candidatura daquela predilecta ex-mandatária e conselheira de Cavaco Silva…

– Todavia, por outro lado ainda, a ninguém que conhecesse minimamente Patrão Neves passaria pela cabeça imaginar aquela tão activa, insinuante e cativante nova especialista e tirocinada deputada europeia em Agricultura e Pescas comunitárias, depois de uma tão afanada e agenciada prestação política nacional e internacional, regressando a prazo certo, de humilde pastinha debaixo do braço, aos seus pequenos, conquanto luzidios canteiros departamentais e púlpitos na Universidade dos Açores (excepção naturalmente feita a uma, não tão mirabolante quanto isso, subida à magnificência reitoral da dita agremiação ilhoa de Ensino Superior, mal surgisse a oportunidade estratégica, recursiva ou eleitoral para tanto...)!

Ora não é que, tenha lá sido como foi ou tenham as coisas andado e desandado nos jogos internos de uns e outros, o que importava retirar da lógica inerente àqueles sinais e premonitórias peripécias pretéritas bem ficou à vista agora, com o duplo, simultâneo e letal afastamento tanto de Patrão Neves quanto de Berta Cabral (igualmente na anunciada linha da mesma corrida...) e das suas alternativamente hipotéticas, tão faladas e muito apontadas quase como nacionalmente prováveis candidaturas ao Parlamento Europeu, e em lugar selecto e elegível na lista da Coligação PSD-CDS/PP, tanto mais quanto era preciso ou conveniente lá meter-se um nome feminino, de preferência fora dos dominantes gineceus reinantes, ou a reinar, nos redutos da Lapa e nos assomos do Caldas...


– Mas depois foi o que se viu:

Para surpresa (?) das interessadas e dos interessados, cá e lá, com um firme quero, posso e mando, sai-se Duarte Freitas com a jovem sindicalista Sofia Ribeiro – e logo para aquele relevante e nunca dantes concedido 3.º lugar nas listas nacionais para o PE... – à frente de outros esforçados e nobres barões e reforçadas e defendidas baronesas, que assim se viram todos ultrapassados por uma como que jovenzita plebeia e fresquinha nestas andanças, aonde, no catedrático juízo de Patrão Neves só põem o pé ligeiro, o assento e a saia elegantes ou a mão em finesse de salon, antigos ministros e altas sumidades, que é como quem retrata experimentados cosmopolitas e europeístas convictos, poliglotas retóricos e outras gargantas de funda lábia técnica (ou sofística...), – tudo puras castas de infantes luzidios e cultíssimos, princesas de escorridas melenas e alta cerebração... – que não, que nunca à dimensão curricularmente depreciada de uma suposta imitação menor de alguns daqueles outros politiqueiros de Estrasburgo e Bruxelas..., e logo por uma quase desconhecida e humilde gatinha borralheira da Política, ainda um pouco juvenil e até proveniente dessa sempre duvidosa maltinha dos sindicatos (e logo dos professores abaixo do Ensino Superior...)!

– Despeito maior – oh! –, francamente, não era possível deixar escapar em certos remoques de má perdição... E logo então, por isso mesmo, é que estalou o verniz a muitos coligados correligionários dessa incensada Europa, num retorcido esgar de nervos e derramamento de lágrimas (quando não, como diz o povo, “de baba e ranho”...), numa queda em dominó de patrões e patroas da política regional e nacional, e desde algumas das mais primitivas vozes insulares (que em surdina engoliram colheradas de malagueta curtida, ou afogaram despeitos em cabisbaixas indignações...), até às mais tonitruantes e oleadas solturas analíticas de velhos Ângelos & Demónios lusitanos, estafadas correias da mais saloia (querendo-se sábia) e da ressabiada (mascarando-se de pura) prosápia político-partidária que a panela da Democracia à portuguesa caldeou para desgraça e desencanto do nosso subjugado, tutelado, parasitado e sonâmbulo País!

É claro que nada disto, nas reacções aqui e ali figuradas e na prosa que as deixa esboçadas – ao que cremos e queremos – envolverá nada de pessoal, embora nenhum observador nisso acredite, antes quase todos apontando já o dedo a Duarte Freitas para acusá-lo de “vingança” e “retribuição de saneamento” pelo que lhe fizeram atrás, a mando ou sob magistraturas de supremas influências na Nação e no seu fatídico PSD...


– Porém outros há que também já vão sentindo, ou pressentindo, em tudo isto os ares e inspirações que sobem dos novos talentos e rebentos com visão de futuro e em ascensão renovadora à volta do actual presidente do PSD-A, sejam eles os dos seus conselheiros privados e/ou independentes, sejam outros que ninguém imagina quem serão nem quanto tem ou valem nos seus currículos e testemunhos de cidadania activa...

Agora (mas anuindo em que todos foram ou serão novatos alguma vez em certas artes e ofícios...), no que a Maria do Céu Patrão Neves ainda diz respeito – e para além de simpatias ou antipatias particulares ou generalizadas, que não vem ao caso –, a verdade é que o que lhe fizeram, daquele jeito, não deixa de ser humilhante, aparentemente injusto, possivelmente imerecido e mesmo individualmente penalizador, além de poder, à primeira vista, vir a não fortalecer em nada a posição e a pretendida influência insular açoriana nas instâncias decisivas da União Europeia, até porque esta eleição ocorre num contexto de crises comunitárias delicadas, grandes e mais exigentes, num enquadramento nacional altamente imprevisível e comprometedor, e num cenário regional (político-económico e financeiro, técnico-governamental, parlamentar, cívico, cultural e até universitário...) bastante oscilante, resvaladiço e criador de uma série de anti-corpos à unidade interna das ilhas, à credibilidade das instituições autonómicas e à qualificação da actividade político-partidária, parlamentar, executiva e... sindical!


– Finalmente e perante a conjugação de todos estes factores e factos, há quem arrisque a previsão de alguma próxima agitação intestina no PSD-A, tanto mais quanto, tanto a composição do dito “Conselho Consultivo” privado de Duarte Freitas, quanto a escolha de Sofia Ribeiro – com tudo o que isso significa ou revela... – aparece quer a contra-ciclo daquilo que o projecto liderado pela equipa de Carlos Pacheco Amaral (ainda por especial relação à problemática europeia...) vinha começando a construir e que, doravante, poderá perder muito do seu mais fundamental sentido e dimensão, quer no que diz respeito a um mais sólido e prospectivo posicionamento nacional e europeu do PSD-Açores, quer ainda no que ao trabalho de reflexão interna, participada, amadurecida, convincente e mobilizadora dos seus quadros, militantes, simpatizantes e potenciais eleitores em todas as nossas ilhas concerne...

Por tudo isto, talvez, é que da antiga dança de 2012 às novas danças da cadeira em 2014, a distância pode não ser quase nenhuma, nem valer sequer o texto de nova Crónica! A ver vamos...


– Porém e seja lá como for, o que importa outra vez, como se salientou há meses, é concluir que, mais do que antecipar ou atender a novos ou repostos ensaios para certas carreiras no Poder estabelecido, mais valerá pensar, fazer pensar, decidir e trabalhar autenticamente e em conjunto para os Açores e com os Açorianos – com verdade, inteligência, isenção e generosidade –, naquilo que a Autonomia, a Democracia e o Desenvolvimento de nós exigem reforçadamente hoje, deixando o resto e o ajuste das contas da mercearia insular para último plano de intenções, ou para o balcão do fundo da estufa ou da adega político-partidária…, – se é que esses inferiores níveis de compra e venda de títulos passageiros e bugigangas institucionais já não desterraram ou usurparam de vez (em todos os partidos e nas suas listas...) a real importância do melhor que, a seguir-se por essas vias passionalmente enquistadas, clientelarmente obscurantistas ou apenas pessoalmente caprichosas, com toda a certeza faltará depois sempre em créditos éticos, decisivas competências, indiscutíveis credibilidades e solidários méritos mutuamente complementares, para o que verdadeiramente interessa defender, justamente consolidar e fazer progredir na nossa terra!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 15.03.2014):
















e "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 16.03.2014):