As Figurações do Instante
no Olhar de António Araújo
1. O retentivo olhar de
António Araújo e a figuração artística
das suas correlativas imagens
fotográficas – representado aquele e servido estas por um amadurecido,
apropriado e muito seguro manuseamento e domínio técnico de específicos equipamentos e especializados
recursos –, têm vindo a afirmar e projectar este notável Fotógrafo e a sua
Arte como um dos mais qualificados nomes da Nova
Fotografia (chamemos-lhe assim...) feita nos Açores, porém em revelação
crescente e confirmado reconhecimento em todo o País...
2. Nascido em Matosinhos (1971), António Araújo concluiu o Curso
Técnico-Profissional de Artes Gráficas e Comunicação na Escola Soares dos Reis
(Porto, 1991) licenciando-se depois (2000) em Design de Comunicação na Escola
Superior de Artes e Design de Matosinhos (onde leccionaria Fotografia e Fundamentos
do Design Bidimensional).
Casado com uma terceirense, este
Fotógrafo (por assim dizer já açoriano
por adopção afectiva e espaço de mundo...)
vive e trabalha em Angra do Heroísmo há mais de vinte anos, aqui tendo exercido
docência até 2001 como Professor de Educação Visual, Expressão Plástica e
Oficinas de Arte. Formador em Artes Gráficas e Fotografia na Escola
Profissional da Santa Casa da Misericórdia de Angra (2001-2014) e Designer free lancer, sua actividade principal
desde 1989, António Araújo colabora com o jornal “Diário Insular”, sendo
responsável pela concepção gráfica e fotográfica do DI Revista.
3. Tendo recentemente participado (com José António Rodrigues, Rui Soares
e Rui Vieira) na belíssima Exposição Colectiva “4 Visões, 4 Pintores”
organizada pela Câmara Municipal da Lagoa, António Araújo desde cedo viu a
Fotografia surgir nos seus horizontes de interesse artístico e dedicação
profissional, conforme é salientado na nota biográfica incluída no prospecto da
referida mostra que dá ainda conta de vários dos seus anteriores trabalhos e
bem assim da respectiva co-autoria fotográfica nas seguintes edições em livro: Graciosa,
Ilha Serena (Câmara
Municipal de Santa Cruz da Graciosa), As
cores do Dragão – Ilha de São Jorge (Câmaras Municipais das Velas e Calheta),
Dragoeiros do Museu do Vinho (Direcção
Regional da Cultura), e Angra, Cidade Transatlântica
(Câmara Municipal de Angra do Heroísmo).
4. Numa obra já clássica (Photographie
et Societé), publicada em Portugal com tradução e prefácio de Pedro Frade,
a autora, Gisèle Freund – famosa fotógrafa documental, ensaísta e retratista
(Malraux, Joyce, Borges, Neruda, Mitterand...), discípula de Norbert Elias e
Karl Manheim e socióloga próxima das abordagens críticas da Escola de Frankfurt
(Adorno, Horkheimer...) –, salientou que a Fotografia, sendo “originária da
cooperação da ciência e de novas necessidades de expressões artísticas,
tornou-se logo à nascença objecto de violentos litígios. Saber se a máquina
fotográfica era apenas um instrumento técnico, capaz de reproduzir de modo puramente
mecânico as aparências, ou se era preciso considerá-la como um verdadeiro meio
de exprimir uma sensação artística individual, inflamava os espíritos dos
artistas, críticos e fotógrafos”, – quando não, digo, como sempre acontece (tal
o seu poder sobre a realidade e o seu
fascínio sobre-real...), com
políticos, propagandistas, ideólogos, estrategas e manipuladores das
consciências, das vontades e das mais nobres ou dissimuladamente abjectas
causas...
E é assim, da verosimilitude ao
índice (perspectiva tratada por Dubois), que cada vez mais, desde a loucura fotográfica do turista (mais ou
menos “voyeur” dos sítios, monumentos e exotismos de toda a ordem...), à sua
mesma proliferação nas redes sociais, no fotojornalismo sério e/ou
sensacionalista, ou desde a geral acessibilidade massificada e banalizada que
os novos artefactos em série e facilitado formato de registo e arquivo
viabilizam, até à última (agora dita patológica) moda dos selfies, que toda a Fotografia (seja
pela qualidade documental, sentido artístico e espírito inventivo, ou falta deles...) faz parte natural do nosso sistema moderno e pós-moderno de leitura e inserção na realidade (e na irrealidade
e na hiper-realidade, por igual e conjuntamente
pela fixação, representação, codificação, função memorial, nostalgia, projecção
onírica, utópica ou ucrónica da existência real ou imaginária...).
– E todavia cabe não esquecer que no cerne e essência mesma da fotografia e do acto fotográfico está implícito todo um complexo jogo de linguagens e signos, percepções, sentimentos,
pensamentos, mensagens e raciocínios, onde oscila a verdade e a falsidade do
Mundo e do Homem, da Sociedade (como
acentuou Barthes), da Natureza e da História, nelas, conforme precisou Sontag, coabitando
sempre uma gramática do real e uma ética da visão...
5. Ora é de tudo isto que nos falam, e a tudo isto nos reconduzem
esplendidamente as imagens deste
Fotógrafo:
– Figuração e captação de instantes, momentos e espaços únicos que o seu
olhar prendeu na fugaz ou fugidia procissão dos seres, rostos,
corpos, coisas, cores, sombras, luzes e penumbras (talvez na busca daquele instante suspenso, poeticamente cantado
por Emanuel Félix...), as suas objectivas
figurações, como imagens que a Objectiva trouxe e revelou – ainda recorrentemente aqui numa paradigmática fixação insular ora
cativante do pormenor e do fragmento, ora suspensa sobre os abismos do mar –, fazem
da arte de António Araújo a expectante
visualização de uma via crucis outra,
talvez afinal idêntica à da própria Vida
que passa em direcção ao Mistério que o Fotógrafo, com a Humanidade inteira
à janela, procura ansiosamente decifrar...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 12. 04. 2014):
e "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 13. 04. 2014):