As Malhas da Fundação
1. Em texto anterior salientámos que a renúncia de Miguel
Monjardino ao desempenho de Curador da Fundação Luso-Americana para o
Desenvolvimento (FLAD) havia gerado não só grande curiosidade e expectativa, quanto
tivera o condão de fazer levantar algumas pontas, véus, capas e aventais com
que em misteriosos gabinetes, corredores, galerias e emblemáticos capitais
daquela Fundação, desde há muito tempo, vem tecendo estratégicas molduras e
bons préstimos...
– O tema mais continua ainda a interessar
aos Açores, como foi dito, porque, tal como Mário Mesquita (que lá permanece,
segunda consta, por insistência do Governo regional...), Miguel Monjardino é
açoriano, e ainda porque, sendo conhecidas as qualidades e diplomáticas
afinidades deste conhecido e mediático terceirense (a par, evidentemente,
da sua honorabilidade pessoal e qualificação intelectual indiscutíveis, conforme acentuei!), o seu inesperado afastamento da
FLAD pode estar relacionado com factos e outras supostas coincidências
– alegadamente não envolvendo
directamente os Açores – mas verosimilmente reflectindo uma situação interna da Fundação que é marcada por uma
série de nebulosas, intrigas, armadilhas, subtis ratoeiras e já indisfarçáveis
conflitos...
2. Ora a FLAD é uma “instituição portuguesa”, “de direito privado”
e “financeiramente autónoma”, que tem por missão “contribuir para o
desenvolvimento de Portugal através do apoio financeiro e estratégico à
cooperação entre a sociedade civil portuguesa e americana”. Criada em 1985, esta
Fundação nasceu para promover múltiplas relações Portugal/EUA e foi logo dotada
à nascença de cabedais vastos – a partir de um pecúlio inicial (85 Milhões de
Euros) constituído “através de transferências monetárias feitas pelo Estado
Português e provenientes do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os
EUA (1983)”, isto é, fundamentalmente, ao
abrigo ou à sombra, da Base das
Lajes! –, declarando-se depois a viver, desde 1992, “exclusivamente do
rendimento do seu património” e de valores que recentemente reacenderam polémicas
à volta de Rui Machete (que a dirigiu durante cerca de 20 anos) e de velhos dissídios gestionários entre tutelares
agentes, confrades, sócios, demais parceiros envolvidos e duros desagrados
diplomáticos norte-americanos...
Por outro lado ainda, como aqui
também comentámos anteriormente, as últimas
escolhas para os órgãos sociais da FLAD tornaram-se de imediato uma questão
controversa e que se pode resumir, no
essencial e no que se refere à posição dos Açores (e de Mário Mesquita e
Miguel Monjardino...) – ladeando-se naturalmente o supremo jogo de interesses político-partidários, estratégico-diplomáticos,
pessoais e outros que não vem ao caso retomar, por exemplo, as colaterais e
putativas acções de várias agências e sociedades, v.g. o Centro Português para
a Cooperação (que integrou Marques Mendes, Ângelo Correia, Vasco Rato, Júlio
Castro Caldas e outras destacadas figuras do PSD), o IPRI, a Loja maçónica
“Mozart”, etc.) –, entre voltas labirínticas e reviravoltas públicas ou de
bastidores, do seguinte modo:
– Os Açores pretendiam um representante formal, ou alguém que informalmente assegurasse uma representação efectiva dos Açores no Conselho Executivo da FLAD (onde tinha
estado Mário Mesquita), o que não se conseguiu; e foi depois, com o afastamento forçado da ex-ministra
socialista Maria de Lurdes Rodrigues (nomeada por José Sócrates) e sua
substituição na presidência da FLAD por Vasco Rato (escolha directa de Passos
Coelho), que fomos chegando ao imbróglio actual... Porém, dizíamos, no que se
refere especificamente aos Açores, o
assunto parece ter ficado por ali, gerido com algum cuidado e consenso
projectivos por Vasco Rato (tanto em Lisboa como nas reuniões mantidas nos
Açores com Vasco Cordeiro, e entre os dois na presença de Mesquita, que aliás
mantém, conquanto em piso inferior, um asseado gabinete na Fundação, apesar de
ter, ao que o “Expresso” escreveu, sido “dispensado”, “com grande
agressividade”, de uma “contribuição mais empenhada na Fundação”...).
3. Ora é neste contexto – que aparenta,
pretende dissimular ou simula envolver várias vertentes... –
que vem à ribalta de alguns OCS: 1) a renúncia e consequente afastamento de
Miguel Monjardino; 2) o despedimento de José Sá Carneiro (agravado com a
instauração judicial de um processo disciplinar contra este ex-secretário-geral
da FLAD durante a chefia socialista de Lurdes Rodrigues), e 3) a dispensa de
uma outra Curadora da Fundação, a conceituada cientista Elvira Fortunato (que
se tem pronunciado criticamente em relação à política para a investigação
científica imposta pelo governo de Passos Coelho), por alegada “desavença com a
novo presidente do Conselho Executivo” da FLAD (Vasco Rato), ainda segundo
fontes invocadas por aquele semanário, manifestada “num episódio [...] muito
desagradável, desnecessário, inexplicável e institucionalmente
incompreensível”!
– Todavia, pese embora alguma
deriva acrescida ou compósita inflexão causal, a verdade é que, conforme já
havíamos escrito aqui, a FLAD, ao sabor dos novos (des)alinhamentos e agenciamentos político-partidários e governamentais
portugueses, luso-americanos e açorianos continua ainda em parto de profundas e
controversas recomposições executivas, curadoras, técnicas e individualmente
representativas, quase todas e todos afigurando-se ali pouco claros e
justificados, sabe-se lá se numa série em
crescendo de (des)acertos ou (des)ajustes de contas, nos quais os melhores
róis, como em ratoeira armadilhada, estarão apenas à espreita de quem os desembrulhe, mordendo a isca (ou atirando-a
a mar largo, como o dos Açores, mesmo a calhar...), para desvio na rota das malhas gradas de outras redes, das quais o peixe mais pequeno, previdente e ágil, ter-se-á
estrategicamente escapulido a tempo e antes que a embarcação adorne!
Finalmente, enquanto tudo isto
continua a arrastar-se, ameaçando atingir proporções maiores a diversos níveis
institucionais, administrativos e diplomáticos, é sabido que Vasco Rato
(acompanhado de Jorge da Silva Gabriel, seu braço direito na FLAD) foi
entretanto recebido pelo Presidente da República (todavia intrigantemente sem a presença de Michael Baum, membro do conselho
de administração indicado pela Embaixada dos EUA...), sendo mais que certo ter
Cavaco Silva querido inteirar-se de toda esta conflitual situação, a qual – para além dos Açores – imbrica na
complexa e delicada rede global das
relações luso-americanas, de onde a nossa Região não pode nem deve deixar
que a ponham à margem, apenas servindo para dar
cobertura – de corpo presente, boca calada e olhos fechados? – sabe-se lá a
quê e para quê, afinal...
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