Os Leiloeiros da Pátria
As últimas semanas – tão
recheadas de episódios cujo significado
real só terá paralelo na sua confluente significação
simbólica –, se vistas pelos olhos de um ficcional viajante planetário que resolvesse seguir sincrónica e
diacronicamente o trânsito secular e
os momentos pontuais dos calendários solares
ou lunares das diferentes civilizações e povos da Terra – desde as sólidas mas
misteriosas e enleantes muralhas da China
até às decadentes matrizes da tardo-imperial Razão europeia, ou logo um pouco
abaixo e para diante até aos frágeis e minúsculos ilhéus vulcânicos que emergem das cicatrizes da grande dorsal do
Atlântico... –, não deixariam por certo de pô-lo de olhos em bico (irados ou lacrimejantes, conforme o teor das suas
pupilas histórico-culturais, ético-espirituais e geopolíticas)!
– Todavia, deixado entre parênteses
tudo aquilo que nestes dias ter-se-lhe-ia mostrado como mais digno de
registo e reflexão universais (desde os
horrores bélicos nos trovejantes e
mortíferos céus euro-asiáticos da Ucrânia até às reacendidas fogueiras dos
para-bíblicos, sangrentos e sanguinários
massacres
e contra-terrores no Médio Oriente), talvez não escapassem a tal observador
(quem sabe se por
natural afinidade
histórica ou
reminiscência de leitura
de algum clássico da literatura dos ancestrais filhos de Luso...) algumas das
mais edificativas cenas e peripécias tragicómicas que se vem desenrolando nas
marés e areais pantanosos de um
quotidiano Alcácer-Quibir interno onde jazem destroços e pastam os
gusanos da agiotagem, impune corrupção político-financeira, imperante garotice
e baixeza de carácter das castas e aparelhos sociais ali e aqui promovidos à
custa da exploração do Povo e das despudoradas fragilidades de uma “democracia”
apenas nominal, disfuncional e acéfala, enquanto tudo e (quase) todos são
compráveis ou vendidos neste
babélico
mercado de interesses, onde, desde a
mercenária
cacofonia político-partidária nacional e regional até ao internacional
tilintar argentário das línguas na CPLP,
cabem todos os leiloeiros das nações e da Pátria, de cara ao léu ou travestidos
de “governantes”...
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 26.07.2014):