Identidade e Diásporas
1. Tal como foi comentada e muito apreciada,
especialmente nas redes sociais, a notícia publicada pelo jornal “Diário
Insular” na sua edição do passado dia 17, elaborou um bom e fiel resumo de
todas as três Conferências e Debates do Painel realizado no dia anterior e subordinado
ao tema “A diáspora e identidade açorianas: o caminho para realçar o potencial
dos Açores?”, conforme constava no Programa da 1.ª Universidade de Verão promovida pelo Instituto Açoriano de
Estudos Europeus e Relações Internacionais (IAEERI).
Ali, nas minhas intervenções, fiz uma análise
do conceito de “diáspora”, que retomo nesta Crónica, a partir do seu principal paradigma bíblico, religioso e
histórico (isto é, a Diáspora do povo judeu), articulando-o filosófica e
sociologicamente com as novas diásporas
da Modernidade e do Pós-Modernismo, com a chamada "diáspora açoriana" e
com a tão debatida problemática da “identidade açoriana”.
– E assim foi exposta a origem e
evolução do vocábulo e do conceito diáspora,
derivado do grego e significando dispersão,
migração ou colonização, e também como
termo adoptado pela versão dos Setenta para traduzir diversas expressões de pessimismo existencial ou destinal usadas no hebraico
(nomeadamente pelas comunidades judaicas radicadas fora da Palestina após o
exílio e cativeiro da Babilónia).
Todavia, depois, esta expressão foi transitando gradualmente para o âmbito
das ciências sociais, filosóficas, teológicas e literárias, generalizando-se
ainda mais recentemente nos estudos sobre a globalização, a des-territorialização
de minorias migrantes ou de grupos étnico-culturais, a reconfiguração das
pertenças transnacionais e trans-regionais, os novos cosmopolitismos e
nomadismos, os neo-tribalismos (centrífugos e centrípetos...), etc., com a
constituição de múltiplas inter-redes reais
e ficcionais de comunicação e informação, partilha ou sobreposição de
vivências e mundos, todos eles afinal implicados em dinâmicas societárias,
políticas, discursivas e psíquicas de identidades
outras e de narrativas transferenciais
alternativas...
– Ora é precisamente aqui que o problema
teórico-prático das diásporas deve
ser acoplado dialecticamente ao
problema da identidade e das suas
metamorfoses, sendo que esta questão tem vindo a ganhar ressurgimentos críticos desde os alvores
da Modernidade até ao Pós-Modernismo, tanto na perspectiva da reflexão filosófica (sem a qual o
essencial deste tema, enquanto ainda questionamento da subjectividade, da
alteridade e da intersubjectividade, permanece impensado!), quanto nos âmbitos (inter)disciplinares
da sociologia, da antropologia e dos estudos históricos e culturais,
nomeadamente sobre a consciência, a identidade e a memória colectivas
(estas, tal como as dimensões axiológicas
e simbólicas da Tradição, sempre potencialmente evolutivas ou regressivas...),
sem esquecer o que aí existe de consciente e de inconsciente, de reminiscências sedimentadas, vivas e criativas ou mortas e apenas procriadoras e societariamente
reprodutoras ao modo primário ou recalcado dos mecanismos sonambulescos, dos comportamentos
infantilizados ou dos actos programadamente manipuladores
das consciências, num tempo e num
espaço potencialmente retrógrados, alienados e sem grandeza humanizadora...
Neste contexto, portanto, é que foram
formuladas as nossas perguntas sobre as mutações
geracionais e as (im)permanências
modelares de uma “identidade açoriana” activa,
tanto no Arquipélago como nas nossas Comunidades diaspóricas, fazendo-se então radicar
precisamente nessa reflexão objectiva
a única via sólida e legítima para a (re)descoberta dos verdadeiros factores de “potencial dos Açores”, na Região e fora
dela!
– Finalmente e segundo reafirmei, porém “potencial”
dos Açores é que não serão certamente aquelas peregrinas e ilusórias acções de incensamento meramente retórico, cuja
latência de engano e desilusão
recorrente é tantas vezes despudoradamente agendado apenas para preencher rotinas ou granjear prebendas cuja suposta radicação na “açorianidade” (ou
melhor, em interesses mais ou menos obscuros dela alegadamente derivados...), não contêm, na verdade, nem virtualidades nem virtudes dignas de qualquer esperança ou credibilidade...
2. No referido Painel abordei ainda várias das
questões mais críticas relacionadas
com a ligação das nossas Comunidades imigradas aos Açores e vice-versa (do
ponto de vista comunicacional e informativo, cultural, económico, comercial,
turístico, religioso, associativo e político).
– Por outro
lado, mais reservadamente do que Reis Leite (que em boa verdade perspectivou o
assunto com evidente prudência), não defendi tout court nem sem
mais o Voto dos imigrantes e dos não-residentes nas
Eleições Regionais, antes ali implicitamente anuímos na complexidade democrática e técnica da questão (conforme de resto
tem sido reflectido diversa ou confluentemente por Álvaro Monjardino), especialmente
do ponto de vista da representação
popular proporcionada e do seu consequente enquadramento político-constitucional e estatutário, apesar de,
por minha parte, concordar com eles no que se refere à existência e valorização do Povo Açoriano, parte
integrante, embora diferenciada, do Povo Português.
3. A questão da “vergonhosa” política de transportes – a que os
açorianos em geral (residentes, emigrantes e imigrantes), e todo e
qualquer visitante também, tem estado historicamente
sujeitos – foi de facto referida por mim com bastante veemência (como não
podia deixar de ser no contexto da abordagem efectuada), conforme aliás, para
além da leitura académica, pude testemunhar pessoalmente ao referir casos exemplares, tanto nos Açores como
nos Estados Unidos da América e no Canadá, não só relativos à dita política propriamente
dita, quanto também ao modo como os nossos imigrantes açorianos são tantas vezes (mal) tratados por serviços
aeroportuários, diplomáticos e consulares, e por várias companhias de aviação
(incluindo a “nossa” SATA!), o mesmo, ou semelhante, infelizmente, acontecendo em vários países europeus com outros cidadãos e migrantes portugueses!
Contudo, nesta denominação de política de transportes deverão ser
incluídos múltiplos dossiers, alguns
historicamente ignorados, pendentes, esquecidos ou deliberadamente esbanjados
em custos e aplicações, incluídos aí
não somente as momentas ligações e transportes aéreos (tarifas; tabelas
promocionais; rotas; destinos; horários; frota; placas giratórias do exterior e no interior; parcerias empresariais; esquemas e critérios de nomeação, selecção
e escolhas de administração, gestão e de pessoal; contratos de trabalho, seus
conteúdos, regalias e constrangimentos; modelos de serviço e atendimento em
terra e no ar, articulação com a promoção turística dos Açores, etc., etc.),
quanto também toda a estrutura logística e técnico-funcional dos transportes marítimos (passageiros e
carga de/para o Arquipélago e inter-ilhas), e bem assim os transportes terrestres (desde as controversas scuts às redes viárias, com as conhecidas necessidades orçamentais,
de segurança e de manutenção...).
– Foi pois neste espírito e com estes
conteúdos pensados que proferi a citada intervenção, na sequência de muitas
outras que tenho feito no mesmo sentido e para defesa dos interesses (direitos
e deveres) dos Açores e dos Açorianos (onde quer que vivam, trabalhem e lutem
por uma vida mais digna e feliz do que aquela que lhes foi negada na sua
Pátria, no seu próprio País e nas nossas ilhas)!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 26.07.2014):
e "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 27.07.2014):