Um Tratado sobre a Corrupção
O tema é actual, deveras
importante e tem sido abordado de múltiplas perspectivas, nomeadamente no campo
económico-financeiro, jurídico, judiciário, filosófico e sociológico, para além
de ter vindo a granjear uma cada vez maior, significativa, natural e crescente
atenção e presença em todos os OCS e Redes Sociais, atravessando – e higienizando ou minando – também (por entre transparências, denúncias, oclusões,
cumplicidades e coberturas...) todas as instituições, sociedades e Estados,
desde os mais democráticos, desenvolvidos e de Direito aos mais totalitários,
subdesenvolvidos e párias (ou já em equivalentes processos irreversíveis de decadência histórico-civilizacional e de
apodrecimento moral dos seus
sistemas, órgãos e actores, numa geminada
globalização de agiotagens, lucros e enriquecimentos ilícitos, tráfico de
poder e influência, branqueamento de capitais, empresariados falsários,
compadrios partidários e toda uma abjecta e sofisticada tipologia de fugas à
lei, banditismo fiscal e aduaneiro, burla qualificada, peculato, exploração de
dependências e prostituição de carácter, etc., etc.)!
Todavia e apesar de constituir
uma realidade sobremaneira complexa, movediça e plurifacetada – enquanto
problema psicossocial, ético-político e até religioso (afinal na integrante abrangência reticular e mafiosa
de variadíssimos agentes, factores, interesses e fenómenos corruptivos e
criminais) – mesmo assim, em Portugal, a Corrupção tem vindo a ser encarada (e
pontualmente enfrentada!) de forma um pouco mais séria, firme e potenciadora de
uma outra e renovada aplicação da
Justiça e da Lei.
– Ora é igualmente neste
horizonte de acontecimentos, factos e valores que merece integral leitura a
reflexão proposta em 1991, retomada em 2005 e agora publicada entre nós num
precioso livrinho (um verdadeiro Tratado
sobre a Corrupção) do Cardeal Jorge Bergoglio, onde o actual Papa retoma
uma sucinta mas notabilíssima abordagem
do fenómeno (mais do que pecaminoso!) da
Corrupção, articulando-o com uma profunda análise do perfil
psico-comportamental, impudico, leviano, auto-justificativo e caudilhista do homem corrupto...
Talvez por tudo isto nenhuma
outra obra seja, nestes dias de proselitismo, triunfalismo e desfaçatez, tão
inspiradora como esta, situando-nos na verdade
das coisas e remexendo folhas secas,
“porque a debilidade humana, unida à
cumplicidade, cria o húmus propício à corrupção”!
Na verdade, tal como escreve
Paulo Morais na “Nota Introdutória” a este livro (Corrupção e Pecado, seguido de Sobre
a Acusação de Si Mesmo, Tradução de Inês Espada Vieira, Lisboa, Gradiva,
2014), todas as leituras sobre a Corrupção, que podem fundir-se “no valor da
pessoa humana e da justiça” não podem deixar de “ver neste fenómeno uma
dolorosa ferida das sociedades contemporâneas”, sobre ela motivando “uma
condenação sem tréguas deste problema que radica na doença do coração de quem
se deixou corromper”.
– Porém, como retoma o Papa
Francisco, “quão difícil é que o vigor profético abra um coração corrupto! Está
tão fechado na satisfação da sua autossuficiência que não permite nenhum
questionamento. (...) O corrupto construiu uma auto-estima baseada precisamente
neste tipo de atitudes manhosas, caminha pela vida pelos atalhos do
oportunismo, pelo preço da sua própria dignidade e da dos demais. (...) E o
pior é que acaba por acreditar nisso tudo. (...) Uma das características do
corrupto face à profecia é um certo complexo de inquestionabilidade. Reage mal
perante qualquer crítica, desclassifica a pessoa ou a instituição que a faz,
procura decapitar toda a autoridade moral que o possa pôr em causa, recorre ao
sofisma e ao equilibrismo nominalista-ideológico para se justificar,
desvaloriza os demais e atira insultos àqueles que pensam de maneira
diferente”.
E nesta linha de entendimento
teológico, filosófico, psicológico e ético, concluía o Cardeal Bergoglio, num
juízo que tem plena vigência e talvez
uma insuspeitada aplicação concreta
ao nosso quotidiano visível e vivido:
– “No corrupto existe uma
deficiência básica, que começa por ser inconsciente e é imediatamente assumida
como o mais natural. A suficiência humana nunca é abstracta (...). Daqui também
decorre que dificilmente o corrupto sai do seu estado por remorsos internos.
Tem o bom espírito dessa área anestesiado”...
_______________
Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 06.12.2014):
Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 06.12.2014):
Azores Digital:
e RTP-Açores:
Primeira versão em "Diário Insular",
Angra do Heroísmo, 06.12.2014: