sexta-feira, outubro 02, 2015


Um Tratado Histórico
e Político-Eleitoral
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Quando no ano de 64 a.C. o notável retórico, advogado, político e filósofo Marco Túlio Cícero (03.01.106 a.C. – 07.12-43 a.C.), então com 43 anos, resolveu candidatar-se ao alto cargo de cônsul da República Romana, o seu irmão – Quintus Tullius Cícero – terá achado por bem escrever para uso dele (e bem ao clássico e sempre actual estilo de ad usum delphini) um elucidativo manual político, guia ou carta recheada de conselhos, truques e expedientes pragmáticos sobre como orientar a sua propaganda eleitoral...


– Intitulado Commentariolum petitionis e também conhecido como De petitione consulatus, conquanto a respectiva autoria não seja unanimemente atribuída ao próprio Quinto Cícero, esse modelo de tratado de estratégia político-eleitoral (que é ao mesmo tempo um documento histórico e um filosófico ensaio pessimista sobre a natureza humana...) foi recentemente reeditado entre nós em publicação bilingue (Latim e Português) feita a partir da tradução inglesa da obra por Philip Freeman (How To Win an Election: An ancient guide for modern politicians).


A nova versão portuguesa deste texto, realizada por Pedro Saraiva (Lisboa, Gradiva, 2015), traz o título de Como Ganhar Eleições: Um Guia Clássico para Líderes Actuais e inclui igualmente – tal como aquela edição-fonte usada, que é de 2012 (da Princeton University Press, omitida da ficha), e também da autoria de Freeman – uma Introdução, uma Observação (“relativa à tradução para inglês”), uma nota sobre O resultado das eleições, um Glossário e um breve repertório de Bibliografia “para saber mais” (“Further Reading”).


– De resto, relembre-se, esta mesma obra latina, em conhecida edição de bolso, já havia tido uma anterior edição portuguesa, na qual incorrectamente se afirmava que o título “original” (sic) da mesma era Petit Manuel de Campagne Électorale, naquilo que foi julgado como uma “completa fraude”, conforme assinalou António Rocha da Silva na sua Tese de Mestrado em Estudos Clássicos apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (2010) sob orientação da Prof.ª Maria Cristina de Sousa Pimentel:


– Trata-se, aqui, de um minucioso trabalho académico, compreendendo uma outra tradução portuguesa integral e crítica da referida obra latina de Quinto Túlio, e que vem acompanhada de “um conjunto de notas que visam esclarecer aspectos civilizacionais e prosopográficos importantes para a plena compreensão do texto por parte de um leitor do séc. XXI, em geral, e infelizmente, bastante afastado dos realia do mundo romano”.


Ora o Commentariolum petitionis daquele tão impiedoso e cruel (quanto premonitório e paradigmaticamente maquiavélico...) irmão do grande, exuberante e ambicioso orador e político Marcus Tullius Cícero – ele próprio emanação e reconhecido espelho de uma época instável e turbulenta, como bem é reproduzido na interessante edição agora lançada em Portugal – e logo numa conjuntura eleitoral inspiradora de leituras sobre as várias fortunas e infortúnios que bem quadram e decorrem das propostas cinicamente arquitectadas, ou apenas realisticamente constatadas em tão desmistificadora e pessimista narrativa! –, traz-nos um retrato humano (uma caricatura sociopolítica, ética e moral...), e traça-nos um expressivo cenário histórico, simultaneamente realista e céptico, que é revelado através de “fragmentos intemporais de sabedoria [sic] política, desde a importância de prometer tudo a todos até à evocação de escândalos sexuais que envolvem os adversários, passando por se ser camaleão, dar um bom espectáculo às massas e rodear-se sempre de apoiantes acérrimos.


“ (...) Todo e qualquer idealismo ou ingenuidade são [ali] postos de lado quando Quinto fala ao irmão – e a todos nós – sobre a forma baixa e suja como realmente se processa uma campanha eleitoral vitoriosa.


“ (...) É fascinante verificar que, tendo a República Romana desaparecido há dois mil anos, e apesar de todas as mudanças entretanto ocorridas, está tudo na mesma”...


– Assim, por todas estas razões, mais aquelas recorrências que o leitor de certeza deliciosamente identificará naquela época – e mais dramaticamente ainda reconhecerá nos discursos e práticas das respectivas e reais réplicas contemporâneas... –, é esta uma leitura propiciatória de profunda reflexão crítica, para estes chuvosos dias e noites de campanhas eleitorais e expectativas políticas que só o futuro dirá aonde levarão, por entre tantas das continuadas ou adiadas (des)esperanças do País inteiro e as muitas, históricas e cansadas (des)ilusões do Povo!


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Em “Diário dos Açores”
(Ponta Delgada, 03.10.2015):



























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