sexta-feira, outubro 02, 2015



Um Manual Histórico
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Quando no ano de 64 a.C. o notável retórico, advogado, político e filósofo Marco Túlio Cícero (106 a.C. – 43 a.C.) resolveu candidatar-se a cônsul da República Romana, o irmão – Quintus Tullius Cícero – escreveu para uso dele um elucidativo manual político, guia ou carta recheada de conselhos, truques e expedientes pragmáticos sobre como orientar a sua propaganda eleitoral.


Intitulado Commentariolum petitionis, esse tratado de estratégia político-eleitoral (que é ao mesmo tempo um documento histórico e um filosófico ensaio pessimista sobre a natureza humana) foi reeditado entre nós a partir da tradução inglesa de Philip Freeman. A versão portuguesa, por Pedro Saraiva (Gradiva, 2015), traz o título de Como Ganhar Eleições: Um Guia Clássico para Líderes Actuais e inclui também a Introdução, o Glossário e a Bibliografia da publicação, não citada, da Princeton University Press (2012).


Ora esta obra daquele tão impiedoso e cruel quanto premonitório e paradigmaticamente maquiavélico irmão de Marcus Cícero – ele próprio emanação e reconhecido espelho de uma época instável e turbulenta – e logo numa conjuntura eleitoral inspiradora de leituras sobre fortunas e infortúnios que bem quadram e decorrem de propostas cinicamente arquitectadas ou realisticamente constatadas em tão desmistificadora e pessimista narrativa! –, traz-nos um impiedoso retrato-caricatura sociopolítica, ética e moral, e faz-nos um expressivo cenário histórico, realista e céptico, revelado através de “fragmentos intemporais de sabedoria [sic] política, desde a importância de prometer tudo a todos até à evocação de escândalos sexuais que envolvem os adversários, passando por se ser camaleão, dar um bom espectáculo às massas e rodear-se sempre de apoiantes acérrimos”...


– Por todas estas razões, mais aquelas recorrências que o leitor deliciosamente identificará (e dramaticamente reconhecerá nas suas reais réplicas contemporâneas), é este um livrinho bem propiciatório de profunda reflexão crítica, para estes dias e noites de campanhas e expectativas que só o futuro dirá aonde levarão, por entre continuadas ou adiadas (des)esperanças e cansadas (des)ilusões!
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Em “Diário Insular”
(Angra do Heroísmo, 03.10.2015):