Os Aventais e a Tanga
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A recente realização de um grande
evento da Maçonaria portuguesa, promovido e organizado pelo Centro de Estudos
Maçónicos, com o suporte da Câmara Municipal e da Cooperativa Cultural da Praia
da Vitória, constitui feito digno de registo por tudo o que significou, revela e esconde, para mais tendo-se em conta a atenção e cobertura que granjeou (ou não...) nas Redes e OCS [1], as reacções que provocou
nos cidadãos e nas instituições, e as análises que (des)motivou do ponto de
vista político-cultural, filosófico, ético, ideológico, cívico e
socio-histórico na colectividade local (de resto mais fadada e aparelhável para
a tanga do que para o avental)!
– Ora tal certame, variante de cimeira inter-pares, tendências e lojas (ainda para doutrinação,
aliança e propaganda), como fora habilmente pretendido e ficou à vista de
quantos não andam por cá de olhos
vendados, apesar de a muitos dos organizadores, patrocinadores e simulados
“compagnons de route”, provavelmente ornados de meias viseiras ou antolhos para
vesgos aprendizes de rito e ideários da dita “sociedade secreta”, talvez lhes
terem, em dia solar, ilusoriamente
soado badaladas de distante consciência
em afinados sinos e tinos de intenção programática,
se é que não foram, em noite de quarto escuro, sem lua na faixa ou na martelada
do almofariz limpo, sujeitos a investiduras
de luva, com toda a dimensão “iniciática”
que cartilhas, juras e compassos debitam, e a “irmandade” depois se encarregará
de cobrar para “o bem e o progresso da humanidade”, sob o olho vigilante do
supremo arquitecto...
Porém, por entre tanta hipócrita
e cínica maçãzinha escondida nesse
cesto e toca de secretismo e poder de
seita – vantagens à parte nos comércios e tráficos de almas, corpos e influências...
–, o mais espantoso e repugnante é o podre silêncio, mais ou menos pacóvio,
comodista, cobarde, levianamente cúmplice
ou apenas acéfalo de toda uma outra comunidade e suas instituições e organismos historicamente relevantes e responsáveis – incluindo a
Igreja [2] com
os seus clérigos tão catequizantes e zelosos, pastores e pastoralistas,
“teólogos” e leigos “empenhados”, ou (des)comprometidos nos bons combates ideológicos, morais e
práticos (e certamente não por falta de doutrinas
claras), conquanto às vezes aparentemente ignorados ou esquecidos... –, hoje cada vez mais reduzidos e decadentes em expressão fútil, indefinida, nula ou oca (estulta e
até amiúde paganizada nalguns casos),
para além da objectiva traição de uns
banais “académicos”, inocentes úteis ou débeis “intelectuais” (que os há por aí,
mesmo que semicultos e encanastrados), e de certos líderes,
agentes e actores políticos (que nadam, pululam e nidificam rotineira e
instaladamente como parasitas e camaleões
em pântano, com as suas moscas partidárias
à ilharga do umbigo ou das orelhas...).
– De resto, como já tive ocasião
de referir aqui mesmo em 2011 e 2012 [3], num cenário não
muito diferente (e de certa maneira antecipatório
do actual...), com notoriedade mediática mereceram assim, agora novamente nos
últimos dias, a Maçonaria portuguesa e a Política lusa, conjugadamente, uma
significativa, ampla e desusada abordagem, à qual não faltaram muitos dos
atraentes motivos e ingredientes que
sempre estiveram, e ainda estão, associados àquela aureolada instituição e
àquele decisivo (e decisório…) domínio da vida do País.
E depois não deixa – talvez, mas
apenas à primeira vista… – de causar alguma estranheza o facto de ser precisamente
nesta época de crises generalizadas
que entre nós esse tema tenha sido trazido, da
forma como o foi, ao espaço, à divulgação e ao conhecimento da opinião
pública, curiosa e até potencialmente cativante, tanto mais quanto isso mesmo
foi efectivado com a precisa, minuciosa e planeada revelação doseada (parcial!)
de alguns documentados e ilustrados pormenores (afinal, nem sequer tão secretos
ou reservados como se poderá ter querido fazer parecer) da história, génese,
características, ritualidades, simbologias e práticas daquela instituição e
dita “sociedade secreta”, que assim e por este meio viu provavelmente mais
polidas e potencialmente levantadas algumas
das suas novas e pretendidas colunas
unidas...
No entretanto, e para além
daqueles sucintos dados, o que mais acentuadamente terá motivado muita da
referida e conseguida oferta e procura de tão rentável produto foi certamente o
rol de meia dúzia de nomes dos ditos “irmãos”
bem (des)aparecidos (alguns porém
fugindo àquela praiana mesa e plateia da família...) como pertencentes à
relembrada Maçonaria (nas suas diversas obediências, tendências, Lojas e
preponderantes filiações ideológicas e político-partidárias, com destaque aqui,
como é sabido, para ilustres dirigentes históricos do PS e do PSD) [4], a par, naturalmente,
do facto de tal tema ser apaixonante, revestindo-se de inusitados alcances, directos e indirectos, para o estudo da
História e das Mentalidades.
– Todavia e em todo o caso não
poderá deixar de tornar a constatar-se que na Maçonaria, como em todas as
instituições, haverá realmente gente de bem, mérito e genuína valia (a quem
Portugal e os Açores muito deveram e devem)[5], a
par de outros – como hoje é mais do que evidente continuar a poder ser constatado! –, cuja errática e oportunista carreira,
mediocridade intolerante e pérfidas jogatinas de poder e fortuna interligados
são o próprio contra-testemunho contínuo
de quaisquer apregoados ideais fraternos e
humanistas (ou assim pretensamente
assumidos como tal), nas cabeças trianguladas e nas pedreiras brutas daquelas
lojas e lojecas estratégicas, por entre muita tanga a servir de avental...
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NOTAS:
[1] Veja-se a divulgação e os tratamentos, para além dos
diversos artigos de Opinião, publicados no jornal angrense “Diário Insular”,
entre outras, nas suas edições do dia 17.11.2015 e no seu noticiário de
14.11.2015. Este jornal tem-se debruçado com detalhe e pertinência sobre as
actividades da Maçonaria nos Açores... Atenda-se nomeadamente às edições de
18.04.2010 (sobre “O templo de Angra”); de 22 e 23.11.2011; de 01 e 02.03.2012,
e de 01.09.2012 (sobre a Loja maçónica terceirense “Vitorino Nemésio”), etc.
[2] Para além de
uma abordagem crítica e detalhada desta ampla problemática filosófica, ética,
teológica, religiosa, simbólica e politica que a partir da Doutrina e do
Pensamento da Igreja poderia ser feita noutro ensejo – retomando as teses
católicas oficiais desde a Humanum Genus
(1884) de Leão XIII até Declaração sobre a Maçonaria de 1983)... –, relembro
a não distante polémica que envolveu o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José
Policarpo e a sua Nota Pastoral da Quaresma de 2005, onde são sucintamente
expostas e confrontadas as visões do Cristianismo e da Maçonaria sobre o sentido da História.
Dois artigos do “Diário de Notícias” de então (08.09.2004 e 06.02.2005) davam conta do assunto, nos seguintes termos:
– “CERIMÓNIA MACÓNICA NA BASILICA DA ESTRELA: O
presidente do Tribunal Constitucional, Luís Nunes de Almeida, que morreu
segunda-feira vítima de ataque cardíaco, em Espanha, recebeu ontem exéquias
maçónicas na Basílica da Estrela. O caso não é inédito, mas desde a morte do
antigo primeiro-ministro da monarquia, António Rodrigues Sampaio, em 1882, que
não se realizava uma cerimónia deste género num templo da Igreja Católica.
Surgiram surpresas e até protestos junto do Patriarcado, mas o grão-mestre do
Grande Oriente Lusitano (GOL), António Arnaut, desdramatizou: «A Maçonaria não
tem hoje nenhum conflito com a Igreja Católica.» E mais: «Tratou-se de uma
cerimónia sagrada, num local sagrado, da homenagem de homens bons a outro homem
bom», frisou ao DN. Mas o
grão-mestre também não nega os factos históricos e fala das incompatibilidades
com a Igreja, com o Estado e com a monarquia. Mas isso são tempos que já lá
vão: «Hoje não temos conflitos com ninguém, trabalhamos em paz.» De resto, fez
questão de explicar que a homenagem do GOL (a maior obediência maçónica em
Portugal) a Luís Nunes de Almeida se realizou no respeito pela vontade expressa
em vida pelo presidente do TC – um dia quando morresse queria ficar em câmara
ardente no palácio maçónico, ao Bairro Alto, em Lisboa. Acontece que Luís Nunes
de Almeida era o presidente do TC em exercício, logo a quarta figura do Estado.
E o seu funeral também exige honras formais. A Maçonaria, a Presidência da República
e a família consideraram então que se o corpo ficasse em câmara ardente na
Basílica da Estrela seria possível a prestação das honras de Estado e a
homenagem maçónica”.
– “O grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL) refutou
ontem as críticas do cardeal-patriarca de Lisboa à Maçonaria, relacionando a
iniciativa de D. José Policarpo com o actual ambiente na Igreja Católica em
torno da sucessão do Papa. Em nota pastoral sobre a Quaresma, divulgada
sexta-feira, D. Policarpo reafirmou a posição tradicional do Vaticano sobre a
Maçonaria, dizendo que "um católico, consciente da sua fé e que celebra a
eucaristia, não pode ser mação". Interpelado ontem pela Lusa, o
grão-mestre do GOL, António Arnaut, recordou um português, membro da Igreja de
Roma, frei Francisco Saraiva, que foi no século XIX cardeal de Lisboa, entre
1840 e 1845, "depois de ter sido grão-mestre da Maçonaria do Sul", em
1837, integrada depois no GOL. Na nota pastoral, D. José Policarpo explicou que
a referência à Maçonaria está relacionada com o ritual maçónico efectuado em
Setembro de 2004, na capela mortuária da Basílica da Estrela, em Lisboa, antes
do funeral do ex-presidente do Tribunal Constitucional (TC), Luís Nunes de
Almeida. "Esta iniciativa, que considero imprudente e indevida, provocou
indignação em muitos católicos, que incessantemente têm pedido esclarecimentos
da hierarquia da Igreja", segundo o cardeal-patriarca. António Arnaut,
grão-mestre do GOL e fundador do PS, disse ontem compreender as afirmações de
D. José Policarpo "pela necessidade de dar uma explicação aos católicos
conservadores, que não compreendem o sentido espiritual das exéquias fúnebres
do mação Luís Nunes de Almeida". Arnaut associou também a iniciativa do
prelado ao "momento especial que se vive no Vaticano", com a doença
do Papa João Paulo II e as movimentações para a sua eventual sucessão”.
[3] Cf. “O Poder
das Teias” (01.09.2012) e “As Colunas do Poder” (20.11.2011), disponíveis no
Blogue “Os Sinais da Escrita”, respectivamente em:
[4] Veja-se, por exemplo, Segredos da Maçonaria
Portuguesa de António José Vilela (Lisboa, Esfera dos Livros, 2013). Ainda, a
partir de uma grande investigação do “Diário de Notícias”, O Poder da Maçonaria em Portugal (Lisboa, Gradiva, 2012), e o
recente trabalho de Catarina Guerreiro, O
Fim dos Segredos, Lisboa, Esfera dos Livros, 2015, com novas referências à
Maçonaria nos Açores.
[5] Já tive oportunidade de salientar nos artigos antes
citados os méritos académicos de toda a obra histórica (especialmente por
relação à implantação da República, do Prof. António Ventura sobre a Maçonaria
em Portugal, e cujo livro Os
Constituintes de 1911 e a Maçonaria (Lisboa, Círculo de Leitores, 2011)
recenseei, escrevendo:
–
“E assim merece hoje e aqui referência, também pelos dados que no respeitante
aos Açores contém, o recente livro do historiador António Ventura, aonde é
sucintamente analisado o papel da Maçonaria e dos Maçons na Primeira República
e na Assembleia Constituinte de 1911, entre os quais figuravam alguns açorianos
e eleitos pelos Açores (António Joaquim Sousa Júnior, Augusto de Almeida
Monjardino, Eduardo Augusto da Rocha de Abreu, Faustino da Fonseca, Francisco
Luís Tavares e Manuel Goulart de Medeiros), e bem assim alguns outros cuja vida
familiar e profissional de algum modo se ligou ao Arquipélago e à Maçonaria nas
ilhas. A obra tem pois um especial interesse histórico-biográfico,
complementando deste modo outros estudos conhecidos e de maior fôlego sobre o
mesmo conturbado período da história de Portugal”.
De resto e sobre temas histórico-maçónicos, são referenciáveis, entre outras, as obras de Manuel Borges Grainha, A. H. Oliveira Marques, Maria Manuela Cruzeiro, Luís de Matos, António Reis, António Arnaut, José Sebastião da Silva Dias, José Eduardo Franco e António Lopes.
De resto e sobre temas histórico-maçónicos, são referenciáveis, entre outras, as obras de Manuel Borges Grainha, A. H. Oliveira Marques, Maria Manuela Cruzeiro, Luís de Matos, António Reis, António Arnaut, José Sebastião da Silva Dias, José Eduardo Franco e António Lopes.
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A primeira versão deste texto, sem as Notas de rodapé, foi publicada
no jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 21.11.2015):
no jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 21.11.2015):