Novas Figuras de Ambiguidade
no Debate sobre a Eutanásia
no Debate sobre a Eutanásia
A questão da Eutanásia – como
temos vindo a constatar e foi também aqui já salientado –, continua a preencher
parte importante e calculada do espaço
público, político-parlamentar e cívico actual, com uma série de debates,
projectos legislativos anunciados, pronunciamentos, tomadas de posição,
petições e manifestos provindos de grupos de cidadãos, associações, formações
socioprofissionais, político-partidárias e religiosas, – a par da produção e
divulgação de convicções, teses e opiniões variadas, e da realização de painéis
de discussão mediática com a
participação de agentes e actores de vários sectores
societários e de juízo individual
(embora o seleccionado leque de uns e
outros não tenha sido sempre o mais paradigmático
ou representativo das múltiplas
sensibilidades e linhas de pensamento pessoal e institucional em palco ou relevância real, ou com natural
e desejável direito e dever de voz face a esta bem relevante e fracturante
questão).
De resto, em moldes algo distintos dos circunstancial e
classicamente tratados, com os crescentes e novos avanços hodiernos na
Medicina, nas Ciências, nas Técnicas e nas Tecnologias, esta complexa, ambígua e multidisciplinar problemática
tinha vindo, desde há muito, tinha sido reflectida e discutida, especialmente na
Europa e na América, sendo já bastante vasta a matéria crítica e a literatura
especializada produzidas neste âmbito, – que fora aliás recorrentemente
perspectivado a partir de dissonantes
e/ou revisionistas experiências,
experimentações e configurações societárias, político-jurídicas, éticas,
antropológico-culturais, psicossociológicas e espirituais consumadas e reformuladas, até hoje, em países e regiões como a
Holanda, Bélgica, Suíça, França, Luxemburgo, Colômbia e nos Estados Unidos (em
Oregon, v.g.).
– Por cá e entre nós, porém é de
salientar os legítimos e referenciais
contributos produzidos por instituições como o Conselho Nacional de Ética
para as Ciências da Vida, o Conselho Permanente da Conferência do Episcopado
Português, a Associação dos Médicos Católicos Portugueses e a Associação
Portuguesa de Cuidados Paliativos, por exemplo, a par de contribuições tão díspares e antagónicas – conquanto, apesar de
tudo, de algum potencial modo, talvez dialecticamente
complementares – como as desenvolvidas, ou apenas esboçadas, entre outros,
por Laura Ferreira dos Santos (cuja exaustiva,
diligente e dramática seriedade filosófica e autenticidade existencial, até ao
recente termo da sua vida, devo relevar aqui, mesmo tendo ela todavia teorizado
a favor da despenalização da
Eutanásia!)...
Todavia, por outro lado ainda,
neste debatido contexto e em substancial
e doloroso confronto com aquelas perspectivas, temos podido contar com os opostos posicionamentos esclarecidos e perfilhados
por Daniel Serrão, Lobo Antunes, Walter Osswald, Patrão Neves, Roque Cabral,
Rui Nunes, Costa Pinto, António Barbosa, Anselmo Borges, Michel Renaud, Isabel
Galriça Neto ou Lucília Nunes, etc., – sem esquecer, naturalmente, o teor,
ainda alinhado ou adversativamente constante, dos
principais pressupostos e textos das
duas conhecidas e antagónicas Petições
em campo (“Toda a Vida tem Dignidade” e “Direito a Morrer com Dignidade”, esta
última subscrita, entre muitos nomes conhecidos e intervenientes, por José
Manuel Pureza, Boaventura Sousa Santos, Alexandre Quintanilha, Richard Zimler,
Ana Zanatti, Mariana Mortágua, Pacheco Pereira, Isabel Moreira, Miguel Esteves
Cardoso, Paula Teixeira da Cruz, Maria Filomena Mónica, António Sampaio da
Nóvoa, João Semedo, Carlos Alberto Moniz e Laura Ferreira dos Santos).
Entretanto, propriamente a nível
político-partidário e pela banda parlamentar nacional, ao que foi divulgado,
estes temas deverão ser retomados em caldeação com a pendente apresentação de projectos de lei próprios ou
alternativos (ou provavelmente juntos), e temos, dando (previsível) “liberdade de
voto” aos seus eleitos, o BE, “Os Verdes”, o PAN (este mesmo que, piedosamente,
tanto militou contra a eutanásia em cães de canil!), o PS, o PCP e o PSD...
Quanto ao CDS, formalmente disse já que fará exibir um diploma em defesa “da
dignidade das pessoas em fim de vida”...
Ora, como se vê, todo este debate
sobre a Eutanásia (apesar da sua discutível
oportunidade e/ou do respectivo, propiciatório ou expedito oportunismo
conjuntural!) deverá prosseguir, atravessando diametralmente os perfis argumentativos e as tematizações possíveis desta mesma momentosa e grave questão, desde os mais
fundamentados e sistemáticos às mais superficiais, subjectivas, egoístas,
fúteis ou ideologicamente timbradas
alegações.
– E assim sendo, mais se hão-de ir
separando visões do mundo, perspectivas axiológicas e éticas, antropologias
filosóficas, entendimentos, finalidades, ordenações constitutivas e aparelhos
estruturais e super-estruturais da Sociedade, do Estado e do Direito, para além
– evidentemente! – de se revelarem muitas e novas ambiguidades ontológicas e epistemológicas, sofismas,
falácias categoriais e equívocos discursivos,
conceptuais e práticos (como são os casos modelares das variáveis contextuais e das figuras
axiológicas e accionais, adjacentes ou adjectivas – identitárias e
histórico-cultural e socio-institucionalmente sempre mediadas – tais aquelas
de Suicídio assistido; Autonomia de vontade; Liberdade de escolha; Morte
assistida; Direito privado, soberano e incondicionado, a Morrer em paz;
Criteriologia individual; Dignidade da pessoa; Legalização e Despenalização;
Consentimento e fomento; Inviolabilidade e Direito à Vida, etc.).
Deste modo e recapitulando,
portanto, tal como testemunhei antes, o tema da Eutanásia é complexo, amplo e
exigente, nele cruzando-se ou devendo
cruzar-se múltiplas e profundas questões-limite,
pelo que não será possível nem legítimo centrar nem restringir nenhuma análise ou debate
sério e sistemático sobre esta crucial problemática apenas a algumas das atrás aduzidas vertentes, subalternizando-se ou arrastando-se
descoordenadamente, como acontece também por cá, em tempo, modo e alcance
reais, a integrada e integrativa implementação,
outrossim primacial, de Cuidados
Continuados e Paliativos – insista-se! –, no competente e inalienável domínio público e privado de políticas generosas,
solidárias, humanizantes e sustentadas de Saúde, de Assistência e de Segurança
Social (mas também de Família, Habitação, Formação e Educação, Inspecção,
Trabalho, etc.), verdadeiramente justas, prioritárias, exigentes e rigorosas, a
nível nacional, regional e local.
▪
– Ainda no âmbito de uma sucinta
análise a estas matérias e seus enviesamentos
que concedi ao jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 04.02.2017) a
Entrevista cujo texto aqui adianto, assinalando as respectivas perguntas a negrito, seguidas das
minhas respostas.
Petições parlamentares, debates e opiniões antagónicas recomeçaram a
preencher o espaço público com o tema da Eutanásia. Como encara esta
problemática?
– O tema é complexo, amplo e exigente, nele cruzando-se ou devendo cruzar-se múltiplas e profundas questões-limite de ordem existencial
(ético-filosófica, bioética e moral) com outras, talvez as mesmas ou confluentes,
de ordem médico-antropológica, socio-histórico-cultural, jurídico-política,
técnico-científica, psicossociológica, teológico-religiosa, etc. –, pelo que não é possível nem legítimo centrar nem restringir
nenhuma análise ou debate sério e sistemático sobre esta problemática apenas a algumas daquelas vertentes, subalternizando, como acontece, a
implementação, outrossim primacial,
de Cuidados Continuados e Paliativos, no âmbito de políticas de Saúde e de
Assistência e de Habitação, etc., verdadeiramente justas e prioritárias!
Todavia, perante os últimos
debates, mormente nos OCS e na Assembleia da República, é exactamente o
contrário que tem acontecido, felizmente com honrosas excepções e testemunhos
de vida vivida em coerência com consequentes valores teórico-práticos e
simbólicos que são da ordem de um superior
personalismo e de uma radicalidade ontológica compassível e solidária perante o Sofrimento e a Dor, o
abandono e o desamparo, o medo e a angústia de todos os seres humanos perante
os espectros da Morte e o mistério do fim da Vida neste mundo...
Como professor e como cidadão, que vantagens e riscos encontra na
formulação destas questões?
– Vantagens, no despertar das consciências e apelos ao incremento e
urgente generalização da reflexão e da acção pessoal e institucional sobre este
tema e seus nunca escamoteáveis pressupostos de princípio, pulsões, pretextos e
enormes implicações a todos os níveis, hoje e no futuro...
Riscos, na projecção e transferência (eventualmente imprudente,
leviana ou enviesada!) para a ordem e configuração jurídico-normativa
(constitucionalmente por apurar!) do nosso País (por via parlamentar,
partidariamente veiculada e conjunturalmente sustentada, ou por discutíveis
recursos referendários) de mecanismos ou artifícios que poderão conduzir a
situações altamente inquietantes nos contextos e condicionalismos hospitalares,
assistenciais e familiares que nos rodeiam, entre outros que me escuso de
desenvolver aqui...
No presente contexto, como analisa as actuais propostas
político-legislativas que visam legalizar a Eutanásia?
– Conheço as Petições apresentadas sobre a Eutanásia e os seus principais e
diferentes mentores, historiais e valores inspiradores (cuja nobreza de intenção
não discuto, mas cujo alcance temo...).
Muitos dos discursos a que temos
assistido – para além de assentarem em casuísticas e/ou retóricas
objectivamente controversas, abstractas ou não consensuais – desatendem de uma
série de factores e categorias decisivas (como sejam a autonomia das pessoas e
suas vontades temporalmente validadas; a delegação ou procuração individual num
campo de potencial conflito de interesses; as balizas do direito à vida/morte e
à auto-determinação absoluta em matéria de saúde, doença e tratamento; a
garantia da objecção de consciência dos profissionais de saúde, etc., muitas
delas ressaltando do chamado “Testamento Vital”, como dizia o Prof. Lobo
Antunes, que é no fundo “uma modalidade de afirmação de autonomia por parte de
um indivíduo são”, uma autonomia
prospectiva por parte de quem não tem “a capacidade de antecipar todas as
situações clínicas possíveis...”.
– Porém nada disto veicula
derradeiras palavras ou percepções. E por isso mesmo a própria lei deveria,
antes de mais, acatar um princípio de
precaução, que é aqui também uma reserva
de verdade sobre a condição humana, o seu sentido e o seu destino.
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(*) "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 04.02.2017):
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Na sequência da Entrevista do dia 04.02.2017, a 1.ª parte do texto "Novas Figuras de Ambuguidade no Debate da Eutanásia foi publicada em "Diário Insular"(Angra do Heroísmo, 07.02.2017):
Outras edições do texto integral:
Canal C:
http://canalc.pt/index.php/2017/02/11/novas-figuras-de-ambiguidade-no-debate-sobre-a-eutanasia/:
Azores Digital:
RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/comentadores/eduardo-ferraz-da-rosa/novas-figuras-de-ambiguidade-no-debate-sobre-a-eutanasia-_52823;
e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 07.02.2017):
e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 07.02.2017):