Do Resgate da Sinagoga Micaelense
à Perpetuação dos Legados Judaicos (1)
1. Na continuação dos seus múltiplos e anteriores trabalhos de investigação e excepcional recolha
histórico-documental, já amplamente reconhecidos e consagrados nos Açores e
internacionalmente (em especial nos Estados Unidos) – a par de um persistente e
incansável empenho pessoal directo (ainda
institucionalmente garantido e
viabilizado com lucidez pela Câmara Municipal de Ponta Delgada) na
inestimável salvaguarda, recuperação e arquivo dos espaços, símbolos, objectos
e demais legados da Sinagoga Sahar Hassamaim de
Ponta Delgada e da antiga Comunidade Judaica micaelense –, em boa hora acaba agora
José de Almeida Mello de editar um novo e longo artigo no jornal “Correio dos
Açores”, em bem adequada sequência diária ali publicado entre os dias 19 e 22
do corrente mês de Janeiro.
O artigo, como o seu autor
anunciava logo na respectiva introdução, abordou “o interesse de judeus
norte-americanos nos legados sagrados da Sinagoga
Sahar Hassamaim”, desenrolando-se “segundo duas
grandes linhas: a primeira seguindo a viagem a viagem de Barry Dov Schwartz [rabino norte-americo] a Ponta
Delgada, em 1965, que no seu relatório refere os legados hebraicos de Ponta
Delgada, datando-os de entre os séculos XV e XVII (quando na verdade são do
século XIX...); a segunda abordando o interesse dos judeus norte-americanos,
com destaque para quatro (4) rabinos, em adquirirem esses mesmos legados (...)
com o intuito de os levarem para os Estados Unidos.
– E mais logo precisava o
investigador micaelense: “O interesse dos judeus americanos na nossa Sinagoga e
nos seus legados manifestou-se depois em dois momentos e modos: o primeiro pela
tentativa de compra directa; o
segundo através de um apoio financeiro
à Sinagoga, procurando garantir por esse meio a salvaguarda dos seus declarados
interesses na obtenção daqueles legados sagrados, quando apenas restasse só um
judeu em Ponta Delgada”.
2. Li, naturalmente,
com grande atenção e interesse, toda essa importante série de textos que aquele
historiador micaelense e presidente da Associação dos Amigos da Sinagoga generosamente entendeu dever difundir publicamente, tanto mais quanto desse
modo se procedeu a uma divulgação de fontes
documentais inéditas e doravante imprescindíveis para a elucidação fundamentada e a compreensão situada da particular História
do Judaísmo nos Açores, no quadro geral da História dos Açores e da Diáspora
Judaica.
Trata-se assim, para além do mais,
de um género de revelação e disponibilização de fontes semelhante – à respectiva dimensão e
âmbito temático, evidentemente – àquela que consta de outros Repositórios histórico-documentais
clássicos (Arquivos, Anais, etc.) e que constituem peças indispensáveis para o
estudo multidisciplinar e a compreensão aprofundada dos factores, agentes,
actores, estruturas, mentalidades, valores e percursos determinantes da vida
colectiva, social e pessoal ao longo do tempo das nossas comunidades insulares
hebraicas e não só.
– Felicito pois
novamente o Dr. José de Almeida Mello e congratulo-me com a louvável publicação
destes seus textos no "Correio dos Açores", registando também aqui as
amáveis referências pessoais (e as motivadoras sugestões solidárias...) que me fez para que, de modo
complementar quando não alternativo, continuasse eu próprio o meu anterior
trabalho de investigação, análise crítica e reflexão sobre temáticas locais
afins ou correlacionáveis com aquelas que abordou da História do Judaísmo nos
Açores (com maior ênfase para a ilha Terceira), mas também com outras, mais universais, com as suas heranças e
destinos socio-históricos, religiosos, político-institucionais, filosóficos,
simbólicos e existenciais.
De resto, de todos estes actuais
artigos de José de Almeida Mello, poderei dizer o que afirmei anteriormente em
diversas ocasiões e também sobre o seu belíssimo livro-mensagem sobre a Sinagoga Sahar Hassamaim de Ponta Delgada
(Ponta Delgada, Publiçor, 2009), – um “notável projecto e obra de História, Recuperação e Conservação
(então já rigoroso, promissor e premonitório – e realmente tão profético e
visionário no seu aduzido trabalho – quanto dele os luminosos frutos
testemunharam, agora a maior evidência, a riqueza das suas reais, comprovadas e
imensas potencialidades, aliás exemplarmente reveladas a quando da mundialmente
divulgada abertura desta Sinagoga, e da crescente e interessada vaga de
visitantes que começaram e continuarão por certo a admirar tão assinalável
herança da presença hebraica nos Açores”.
– Obra, sublinhei ainda, que,
“para além do seu evidente valor
intrínseco como repertório
documental, inventário patrimonial e verdadeiro manifesto em prol da
recuperação daquele paradigmático monumento comunitário e símbolo religioso,
socio-histórico e cultural dos Açores e do Povo de Israel, vale também como a
face primeira de um projecto cívico e
de resistência memorial
(devidamente suportados por diversas e irmanadas instituições regionais, nacionais,
hebraicas e norte-americanas), tanto mais justificado, retroactiva e prospectivamente, quanto a obra feita e a
palavra cumprida foram – ao contrário do que teria sido uma cedência
comodista, cobarde ou apenas preguiçosa, quase como a de Jefté, segundo o Talmude lido por Elie Wiesel... –,
um verdadeiro protesto cívico, teórico e prático, contra a
indiferença e contra desleixos, ignorâncias e recorrentes
ignomínias civilizacionais...”.
3. No que ao artigo em específico começo de apreciação hoje respeita
– “Ainda sobre as Toras da Sinagoga de Ponta Delgada e a Torah emprestada
à Base das Lajes em 1966” – podemos entretanto adiantar com satisfação que,
juntamente com muitos outros dos textos que o autor tem vindo a publicar, virão
os mesmos merecida e felizmente a ser reunidos em livro que prefaciarei com
gosto e grato empenho.
– Em próximas Crónicas analisarei
em detalhe o teor e as informações destes últimos e citados de José de Almeida
Mello, confrontando os seus conteúdos e pistas documentais e factuais com outros testemunhos, fontes e contextos
terceirenses e norte-americanos (nomeadamente os existentes na Base das Lajes),
para articular depois e finalmente os inéditos
elementos da matéria aqui exposta pelo historiador micaelense com as
conhecidas e mais ou menos problemáticas (duvidosas
e/ou ficcionais...) narrativas e estórias sobre a mesma história (isto é, a da Tora
cedida de Ponta Delgada e a “das Toras” ditas “do Porto Judeu” e “de Rabo de
Peixe”...), cenários nunca dantes realmente apurados em todos os seus misteriosos e enrolados contornos institucionais, socio-religiosos,
político-diplomáticos, económicos e patrimoniais açorianos, nacionais e
internacionais, como a seu tempo e desmistificador modo se há-de procurar
desenrolar...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 28.01.2017):
RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/comentadores/eduardo-ferraz-da-rosa/do-resgate-da-sinagoga-a-perpetuacao-dos-legados-1_52886,
e Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3236