Do Resgate da Sinagoga Micaelense
à Perpetuação dos Legados
Judaicos (2)
1. Tal como já tive ocasião de reafirmar por várias vezes e em
diversas ocasiões, o resgate –
digamos mesmo – da condenação
derradeira e do abandono e ruína a
que estivera votada, e a posterior recuperação
patrimonial da Sinagoga de Ponta Delgada e dos seus constituintes bens e integrantes
legados histórico-culturais, documentais e religiosos devem-se
principalmente aos múltiplos empenhos, perseverante dedicação e consequente
trabalho pessoal do historiador e investigador micaelense José de Almeida
Mello, dinâmico presidente da Associação de Amigos da Sinagoga Sahar Hassamaim.
Incansável, persistente e muito frutuoso, todo o labor de coordenação (e mais do que isso, desde o
início, de liderança) do Dr. José de
Mello, tem de resto contado com o merecido e clarividente apoio da autarquia
dirigida pelo Dr. José Manuel Bolieiro e sua equipa camarária (nomeadamente do
vereador e vice-presidente Dr. Fernando Fernandes), sendo que, deste modo – o
único realmente possível, a par de conhecidos suportes familiares e
empresariais regionais, dos beneméritos incentivos de várias instituições
judaicas norte-americanas e de algumas notórias solidariedades individuais e
locais mais ou menos detectáveis e permanentes (conquanto, infelizmente, bem
menores do que seria de esperar hoje...) – em conjugação de esforços, projectos
e realizações efectivas, a obra já feita por esse incansável pesquisador e
estudioso está todavia agora suficientemente consolidada e amadurecida para poder dar novos e maiores passos e
frutos qualitativos, de entre os quais, subscrevo e reitero mais uma vez nesta
oportunidade, a criação de um Centro de
Estudos Judaicos dos Açores (velha aspiração de José de Mello), em Ponta
Delgada, junto da sua emblemática e conatural Sinagoga (cuja denominação tenho
proposto seja a de Centro de Estudos
Judaicos Alfredo Bensaúde), enquanto se vai simultaneamente avançando
no presente com a promoção e abertura programática (Colóquios, Simpósios,
Cursos Livres, Evocações, Iniciativas Editoriais, etc.) para mais amplos
horizontes e confluentes actividades e realizações temáticas no âmbito da
História dos Judeus em Portugal e no Mundo, da Presença Hebraica nas Ilhas dos
Açores, da Cultura Sefardita e do Pensamento Judaico, entre muitos outros
relativos ao Povo e ao Estado de Israel...
– E é assim, no domínio editorial acima referido, por exemplo, que tenho
vindo a recomendar e a louvar, associando-me à ideia (que sei estar em devido
propósito anunciado) de proceder-se à publicação em livro de toda uma série de
artigos, estudos e preciosa documentação inédita que Almeida Mello tem vindo a
pesquisar, reunir e criteriosamente divulgar na imprensa regional, e que tem
sido acolhida pelo “Correio dos Açores” (CA)
que nisto presta, conforme à sua antiga e melhor tradição, um bom serviço
cultural à nossa sociedade.
Porém vem isto aqui precisamente ainda a propósito da última série de
artigos que José de Almeida Mello tem editado no CA, conforme em Crónica anterior comecei a realçar, ou não tivesse
também eu sido chamado a participar na análise, debate e dialogado tratamento
confluente das matérias ali tratadas ou sugeridas, mormente aquelas que em
muito dizem respeito à ilha Terceira, no cenário descrito ou apelativamente
proposto à problematização...
– Voltemos pois ao assunto, sinalizando hoje os principais núcleos da
matéria histórico-documental neles aflorada, e cujas implicações e respectivos
alcances são muito mais pertinentes e relevantes do que à primeira, desatenta
ou passageira vista possa parece.
2. Na muito interessante e substancial sequência de um conjunto de 23
artigos temáticos sobre a Sinagoga de Ponta Delgada e a Comunidade Judaica
micaelense, José de Almeida Mello publicou recentemente no CA, entre os dias 19 e 22 de Janeiro último – tal como tenho
vindo a salientar – um longo artigo (Texto
24) dividido em 7 Partes e intitulado “Na Rota dos Legados Hebraicos de
Ponta Delgada – Sobre as Toras da Sinagoga de Ponta Delgada e a Torah
emprestada à Base das Lajes”.
– O artigo, sempre
circunstancialmente balizado, como se irá recapitulando depois, para além de
uma Introdução e de uma Conclusão geral, inclui fundamentalmente um inventário documental, cujo elenco de
factos, acontecimentos e peripécias, cronologicamente alinhados por datas de
ocorrência, assenta na selecção concatenada de Cartas e outras peças-fonte
afins e relativas à História da Sahar
Hassamaim, porém desta feita mais por relação directa não tanto à
Comunidade Hebraica em si quanto ao que, ainda todavia respeitante a ela e
envolvendo-a, se prende antes objectiva e intencionalmente com tudo o que diz
(disse e dirá...) respeito à existência, percursos, percalços, tentativas de
alienação e paralelos ou concomitantes esforços de preservação e resgate dos
seus reciprocamente imbricados bens e
patrimónios (isto é, os da Sinagoga e os da Comunidade, e cuja destrinça também
aqui merecerá alguns diferendos...), particularmente as suas Toras e ainda mais
concreta e especificamente sobre a(s) chamada(s) Tora(s) “de Rabo de Peixe” e
“do Porto Judeu”, envolvidas ambas, como irei recordando de seguida, em narrativas, cenários e estórias nunca dantes realmente apurados em todos os
seus misteriosos e enrolados contornos...
De resto, os textos que José de
Mello vem continuando a publicar ainda mais incidem agora sobre o famoso
episódio da Torah mediaticamente apelidada “de Rabo de Peixe”, a partir de cuja
descoberta e nebuloso processo de recolha, identificação, guarida e propriedade
muito de fabuloso e efabulatório
(quando não, arriscadamente, de mistificador...)
se disse e escreveu por todo o país e por esse mundo adiante.
3. Começa o citado artigo de José de Mello por remontar à origem de
toda esta história da(s) Tora(s) rabo-peixense e porto-judense, fazendo-a
regressar – e bem! – a um facto nunca até agora publicamente revelado e que
constitui a chave-mestra indispensável para a decifração dos reais meandros que
compuseram (e ainda compõem...) o rol de enigmas rodeando praticamente todas as
narrativas, versões e especulações criadas à volta da dita história e que foram
sendo tecidas desde 1970/71/72 até 1997 – mas com inúmeros hiatos, ocorrências
e lacunas pelo meio... –, e que tem permanecido assim ora esquecidos, ora
tacitamente dados por adquiridos, e por esses atalhos e veredas também
reproduzidos simetricamente em reportagens, contos e lendas de cicerones
turisteiros, mais ou menos dados a prosa fantástica e mimética, quando não
delirantemente esotérica...
– Ora acontece que os variados
documentos, na posse de Almeida Mello desde há cerca de ano e meio, e que foram
trazidos dos Estados Unidos após consultas e diligências junto de um dos
protagonistas desta história (o Rabino Nathan L. Landman), quando cruzados com
as peças documentais e os testemunhos pessoais preservados e disponíveis nos
Açores, todos juntos, configuram uma outra
e totalmente diferente versão dos episódios da(s) aludida(s) Tora(s),
permitindo-nos reenquadrá-los, de modo outrossim verosímil, fundamentado e
comprovado (para não dizer desmistificador de relatos e posições individuais e
institucionais (regionais, nacionais e estrangeiras), nomeadamente aquelas que
foram produzidas por um militar norte-americano (o capitão Marvin Feldman,
então estacionado na Base das Lajes) e (certamente de boa fé, conquanto, ao que
tudo indica, na ausência involuntária de elementos de prova ou contraprova
fiáveis) por um respeitável jornalista e investigador, especialista em assuntos
israelitas e judaicos, como é Inácio Steinhardt.
A história de tudo isto, como
continuaremos a ver e analisar – e que chega a abeirar-se de uma ficção fílmica quase à semelhança de outras
divertidas produções e relatos
fantásticos de salteadores de arcas e tesouros perdidos e achados, ou de
manuscritos perdidos em grutas, esconsos poços e fundas cavernas bíblicas... –
tem, apesar de tudo, algo de apaixonante, sem dúvida!
– Mas a Investigação Científica,
com os seus métodos aplicados, tal como na Ciência Histórica positiva os mesmos
são exigíveis, conquanto sem menosprezo da imaginação e da teorização racional
e prospectiva, é fundamentalmente feita com base em provas reais, fontes
sólidas e triagens críticas e logicamente confirmativas. E daqui, sem prejuízo
de outras possíveis e livres narrativas, mais ou menos líricas (ou
interessadas, sabe-se lá para alindar amiúde o quê!), não haverá fuga nem saída
possível, por mais encantadora ou encantatória que seja a matéria no rolo da
fantasia...
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Em “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 11.02.2017):
“Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 11.02.2017):
Azores Digital:
e RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/comentadores/eduardo-ferraz-da-rosa/do-resgate-da-sinagoga-a-salvaguarda-dos-legados-2_53023.