Um Projecto Crítico na Praia da Vitória
A Câmara Municipal da Praia da Vitória começou a promover uma série de
Debates sobre a sua cidade. Como encara essa iniciativa?
Vejo esse projecto de modo
positivo e com expectativa, tanto mais quanto o mesmo parece, em declarado
princípio, pretender contribuir para pensar
e fazer pensar o futuro, de modo
participado, aberto, livre e público.
– Esse primeiro e promissor
sinal, apelo e convite à participação da
sociedade civil, poderá talvez constituir, tanto pelos temas formulados
como pelos participantes e moderadores, por certo intencionalmente escolhidos
para os diferentes painéis, uma relativa garantia para encarar desafios
realmente existentes e construir “soluções exequíveis e consensuais”.
Devo ainda salientar o facto dos
membros dos painéis não serem reconhecidamente afectos aos sectores
político-partidários que vêm sustentando e governando ultimamente o concelho da
Praia...
– Tal projecto deverá assim, com
certeza, ultrapassar um mero concurso de ideias para marcar efemérides ou
campanhas pontuais...
Parece-lhe poder tratar-se de um projecto equívoco ou artificioso?
– Trata-se, porém, indiscutivelmente,
de uma arma de dois gumes, que poderá ser interpretada, aproveitada ou
instrumentalizada, de vário modo, para cerceamento de possíveis demarcações
críticas a assumir face às comprometedoras agendas institucionais e pendentes
imbróglios que esta Câmara herdou, quando não até em confronto com a poderosa e
hegemónica dominação do aparelho terceirense, regional e nacional do PS!
O futuro da Praia passará inevitavelmente pela ultrapassagem dos
problemas actuais. Como caracterizaria a presente situação?
Esta complexa e difícil
conjuntura é resultado de um longo processo histórico-político, socioeconómico
e sociocultural, cujas raízes e causas assentam em remotos factores endógenos e
exógenos, proximamente acumulados e vigentes desde meados do século XX,
passando pela Revolução de 74 e por todas
as governações da Autonomia!
– Desses relembro apenas, a
estudar para compreender, os seguintes:
A chegada (agora downsizing) de tropas, instalações e
estruturas logísticas estrangeiras, ligadas à concessão de facilidades e
contrapartidas nacionais e regionais na Base das Lajes, com abdicações de
soberania e episódios predadores de territórios identitários e patrimónios
naturais (veja-se a contaminação ambiental), a par da colateral edificação de
um microcosmos desenvolvimentista, de desejável vida melhorada e prosperada mas
arriscadamente efémera ou provisória porque sem confluente reinvestimento de
fundo reprodutivo, prospectivo e autosustentado;
- consumação de opções e ditames
inconsequentes das sucessivas e controversas governações açorianas e
continentais (de todas, repito, sem
excepção!);
- esvaziamento do papel
liderante, ou ausência de elites concelhias e de ilha na discussão e definição
dos planos e planeamentos locais e do arquipélago (bastas vezes apenas esboçado
no populismo de uma inócua retórica bairrista), com a inexistência, falência ou
dependência de um sólido tecido social, empresarial, cultural e cívico
envolvente;
- reprodução de mecanismos de
condicionamento e governamentalização do espaço público, privado, mediático e
decisório;
- partidarização totalitária das
formações, organismos, agentes e atores socioprofissionais e
político-administrativos,
e – enfim – tudo isso e o mais que fica para outra ocasião referir, num (previsível e aliás anunciado...) quadro internacional, geoestratégico e diplomático desfavorável às especificidades da Praia e da Terceira, atirando esta terra para situações de impasse, incerteza, bloqueio ou decadência societária, que as suas gentes angustiadamente sofrem e da qual legitimamente se ressentem, apesar da sua resiliência, aspirações realistas (e utópicos sonhos...) de desenvolvimento, respeito e dignidade!
– O primeiro e urgente passo para
solucionar esta crise deveria pois passar pela percepção aprofundada e pelo
rigoroso estudo sistemático dos factores e condicionantes aqui apontados, para
que, a partir daí, se pudesse então
tentar superar o triste estado de coisas a que chegámos, fazendo e cumprindo o que está longe de ser sequer pensado...
Idem Entrevista ao "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 08 de Maio, 2018):
"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 13. 05.2018):
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