ARTUR
CUNHA DE OLIVEIRA:
UMA
FIGURA MARCANTE
NA CONSCIÊNCIA DOS AÇORES
DIÁRIO
INSULAR (DI) – Conviveu de perto e conhece bem a vida e obra do Dr. Artur Cunha
de Oliveira. Como vê os seus legados e o seu desaparecimento?
EDUARDO
FERRAZ DA ROSA (EFR) –Vejo com muito pesar o seu desaparecimento e
sinto com profunda tristeza a sua ausência como perdas para toda a sociedade
açoriana e para os estudiosos do seu pensamento e heranças intelectuais,
cívicas e culturais.
– O Dr. Cunha de Oliveira foi e
será sempre inolvidável referência na história contemporânea do nosso
Arquipélago, na reflexão dos Açores sobre si próprios, na sua consciência
societária e suas derivas, modelos e projectos de afirmação e desenvolvimento
sociopolítico, mental e socio-religioso.
Trata-se, enfim, de uma figura
cimeira daquela ilustre geração que marcou a vida e os destinos das ilhas,
especialmente no período do pós-guerra (época que sobremaneira possibilitou e
moldou a sua formação teológica em Roma), e que até ao final do Século XX potenciou
todo o seu múnus eclesial e o seu corajoso, continuado e persistente
envolvimento cívico e militâncias ideográficas, doutrinárias e sociológicas
(Semanas de Estudo, Cursos de Cristandade e Planeamento Regional), para além de
compromissos associativos, político-partidários, parlamentares e
socio-comunicativos, com destaque para o jornal “A União”, que dirigiu com
Artur Goulart, e sob cuja saudosa direcção, lá pelos idos anos 70 do século
passado, tive acesso livre e aonde dei os primeiros passos numa situada e
arriscada escrita de intervenção,
apesar da Censura política, eclesiástica ou clerical, então (embora maior do
que a de hoje...), hegemónica, retrógrada e opressiva!
DI
– Quais as áreas ou campos temáticos que mais salientaria em Cunha de Oliveira?
EFR – Em
primeiro lugar, o seu trabalho exegético
e a muito minuciosa e precisa hermenêutica
bíblica (que cultivou desde cedo na sequência de estudos especializados e
da apreensão e adopção de decisivas categorias perfilhadas pelas novas escolas
pré e pós-conciliares, que continuou a acompanhar de perto e que foram
dogmaticamente cerceadas, entre nós e no País em geral, pelas hierarquias
diocesanas e suas proverbiais conezias, ou não fossem tais teses inquietantes
para a ordem estabelecida e a medíocre rotina clerical, teológica, pastoral e
social imperantes...).
– Reveja-se a este propósito
apenas o teor do famoso caso local da Gruta e do Presépio, ou mais recentemente
as suas derradeiras e sistemáticas abordagens desmistificadoras,
desconstrutivas ou desmitologizantes no complexo, intrincado e melindroso campo interpretativo e orto/heterodoxo
da Escatologia, da Cristologia, da Antropologia Bíblica, da Ética, da Moral, da
Mariologia e da Dogmática Católica.
Em segundo lugar, como
salientei no Elogio Cívico e Académico
que lhe fiz a quando da cerimónia pública de justa e merecida atribuição da Medalha de Honra Municipal angrense
(2005), devo tornar a realçar o travejamento propriamente filosófico do seu pensamento, de resto inseparável de uma sólida,
ou ao menos tentada, Teologia Transcendental, historicamente pós-kantiana
conquanto ainda Tomista, como nela costumávamos dialogar à sombra do nosso
predilecto teólogo Karl Rahner, mas passando pelos chamados “mestres da
suspeita”, pela análise do Discurso, da Linguagem, do Sistema dos Mitos, Ritos
e Crenças, da História das Religiões, da Economia da Salvação e da Economia
Política...
– Mantenho aliás também
presente haver ali salientado que Artur Cunha de Oliveira fora também um dos
primeiros, se é que não o primeiro intelectual ou académico, teólogo e biblista
português, a estudar a obra de Paul Ricoeur, por exemplo.
Finalmente, relevo o seu
empenhamento nas pioneiras estruturações
político-administrativas e na visão
prospectiva de uma plural e progressiva Autonomia Regional possível (entre
social-democrata, socialista democrática e democrata-cristã, se é que tal
conjugação se poderá ou poderia harmonizar...), desde os alvores do 25 de Abril aos ocasos
vigentes e vegetantes daquilo a que hoje estamos decadente e sonambulamente
sujeitos...
DI
– Como gostaria que Cunha de Oliveira fosse lembrado entre nós?
EFR –
Gostaria que fosse através da sua paradigmática coragem e força crítica e
emancipadora, da sua capacidade de trabalho e reflexão, da sua lucidez sonhadora
ou utópica...
– E depois, para quem fosse ou
seja crente, que tivesse presente e olhasse para o essencial da Mensagem de humanidade que se reflecte e incarna no ressurrecto testemunho daquele a quem,
um pouco como os grandes teólogos protestantes, ele afectuosamente chamava
“Senhor Jesus”, o mesmo que estará afinal sinalizado na apelativa e iluminativa
porta de toda a sua obra (tão injusta e intencionalmente ignorada na Região e
no País!), como exemplar Presença e Manifestação no Tempo, daquele outro Mistério
que é o do Futuro Absoluto, apenas (quem sabe se somente agora, talvez...) já vislumbrado por ele...
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(*) Texto, especialmente revisto da Entrevista originalmente concedida ao jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 22 de Junho de 2018).
(*) Texto, especialmente revisto da Entrevista originalmente concedida ao jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 22 de Junho de 2018).
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Idem em Azores Digital: http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3342
e jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 26 de Junho de 2018):
e jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 26 de Junho de 2018):