Os Estilos da Questão
O Dr.
Cristóvão de Aguiar – escritor e intelectual que muito admiro e respeito, e
cuja íntegra personalidade e notável obra tanto tem prestigiado a Literatura
Portuguesa e o nome dos Açores –, escreveu um pequeno artigo para o “Diário
Insular” (DI) do passado dia 12 de Junho [que não quero deixar de aqui paritariamente
arquivar, transcrevendo-o*
ao final deste], no qual, com a habitual graça, humor e talento, teceu algumas
breves considerações sobre dois textos meus publicados nesse jornal terceirense
e no “Diário dos Açores” (DA). Comento pois o seu texto, igualmente hoje sem
acrimónia, nos termos em que o faço e aceito, com sincero gosto por ter sido
ele o autor desse tão espirituoso, objectivo e afinal, para mim, lisonjeiro
escrito.
Todavia, nem a questão disputada – ainda subjacente às suas bem humoradas
palavras, conforme compreendo e deduzo com igual disposição de ânimo, e tal
como o Dr. Cristóvão de Aguiar na sua leitura parece também das minhas ter entendido – nem a sua respectiva e controversa vertente principal são realmente
nem acima de tudo um problema “de estilo” (embora não deixem de prender-se ou
desprender-se dele, pelo tipo de escrita que as aborda…), como a sua própria e muito arguta ligação entre os meus dois
aduzidos textos logo captou de modo insofismável e exactamente como pretendido…
– Todavia,
sabendo muito bem quem era o meu principal interlocutor na dita questão, não
quis deixar de dialogar com ele em terrenos de eleição mútua e naqueles outros
domínios em que os nossos horizontes e formações de algum modo se podiam
cruzar, como sempre aliás amigavelmente se cruzaram de diversos outros modos ao
longo de uma camaradagem que já leva quarenta anos.
No que ao
facto dos fatos vestidos poderem ter sido demasiado cheios “de luzes”, apenas
mais próprios para certas “faenas” ou por demais domingueiros e engravatados
para dias de semana ou estação calmosa, – depende –, porquanto também para
outras coberturas e descomposturas
poderão os mesmos ser úteis e bem adequados … – para mais numa terra, como a
nossa – aonde – e como não havia de ser? – apesar dos humildes leitores comuns do DI e do DA não serem
tão pouco ilustrados ou iletrados ao ponto de não perceberem ao menos alguns dos passos e passes fundamentais
das ditas longas corridas discursivas em arraial jornalístico, ou no remanso
dos seus lisinhos areais ilhéus aonde a contenda acabou por espraiar-se
mansamente, – julgo que, apesar disso, o meu texto sobre o Dr. Caetano Tomás
não deixou de ser minimamente percebido
em partes e por faixas significativas, espero eu, embora tendo sido realmente
dirigido em primeiro lugar ao meu (apesar de tudo) velho camarada e amigo Luiz
Fagundes Duarte, e a outros tão bons, intelectualmente habilitados e
linguisticamente tão entendedores quanto ele…
– Agora que o
dito quase “ensaio” e a respectiva temática pudessem (e se calhar devessem
mesmo) ter ido preferentemente para outra publicação (uma Revista, talvez
“académica” ou de circulação mais cingida…), estamos de acordo. Mas mesmo
assim, desta vez, não foi; ficará para a próxima, se Deus quiser, já que o
assunto é bem mais sério e complexo e grave do que possa parecer à distância, e
até ganhou foros de incontida agressão
pessoal (como ainda ontem o Dr. Caetano Tomás testemunhou aqui, e que até
valia a pena apurar se viola alguma lei ou cai em foro criminal vigente)!
Porém,
voltando ao nosso âmbito, achei sinceramente que os leitores do DI e do DA
tinham direito a ver a questão tratada de forma
mais sistemática, não aligeirada (embora, na verdade, sob
um discurso um pouco tecnicamente formulado…)
nem arrepiantemente apenas panfletária
(embora ainda um pouco farpeante,
conceda-se).
De resto,
estando em português escorreito – sem falsa modéstia e sem recurso a nenhum
latim –, apesar de tudo, parece-me que O
Complexo de Salomé se apresenta minimamente
acessível ao tal leitor comum e com tempo para ler pensando, porquanto,
aos outros, aos fora do comum, embora
exigindo-se-lhes menos pesquisas vocabulares e exegéticas, nem por isso, com
certeza, lhes faltou o entendimento
devido e acrescido para a respectiva intelecção
alargada, como se depreende do que o Dr. Cristóvão de Aguiar inferiu (e em
parte ficcionou…) com base numa certa realidade
dura e crua, salpicando-a ainda com aquela sua, felizmente desperta,
crítica, tão proverbial, conhecida e criativa verve, – talentos e valores que
outros açorianos, por cá e nos subterfúgios de uma apenas vagamente castiça e
penosa “insularidade” intelectual literária, mental, social e política, sem estilo algum, teimam em cultivar e
deixam vegetar à sombra da bananeira
ou de algum paradigmático guarda-sol
nas toiradas de muita da nossa cinzenta e nublada insularidade retórica,
poética e cultural…, porquanto, a estilos
e conteúdos às vezes mais difíceis, trabalhosos e complexos – como os dos
nossos dois tão honrosos Prémios Ricardo
Malheiro Dias (Vitorino Nemésio e o próprio Cristóvão de Aguiar…) – alguns
os perderam e outros nunca os possuíram, como de resto o Dr. Cristóvão de
Aguiar, de modo corajoso e desmistificador tem podido constatar e denunciar!
– Agora, não
posso deixar de recordar que aquela imagem
do toureiro veio mesmo a propósito, ou não tivesse eu invocado o “campo
pequeno” (para onde alguns revolucionários, do antigamente e de alto gabarito,
tanto regalo teriam tido em ver bandarilhada
e enfiada a reacção, e não sei se
apenas a tridentina, talvez para verem os seus julgados próceres, sem
julgamento isento, de orelhas decepadas
ou rabo cortado para troféus rumo a
não sei que vitória democrática e emancipadora…
Por mim,
quando era rapazinho novo – mas esse tempo lá vai, infelizmente – também adorei
touradas, especialmente as de corda
(até levar uma valente raspadela de corno
nas costas e sentir o bafo quente do
toiro à perna, lembro-me bem, ao dobrar a esquina do velho Império nas
festas do Porto Martim…), sem (des)primor para as “eruditas”, de praça, que presentemente me amarguram
bastante e nas quais o que sempre mais me apaixonou foi a fantástica e nobre
plástica dos movimentos encantatórios da lide dos cavalos, que também montei e
alegremente os passeei por esses caminhos e canadas da Terceira, não fosse esse
o meu signo chinês (não maoista…) e a minha mais fascinante e tentadora
recreação de outrora, em sela portuguesa, estribo de caixa-galocha e sem
esporas, rente ao joelho o calção/rente à
rédea o coração…
– Mas isso já
não são contas deste rosário de questões
tristes, nem apenas de estilo
para estas trocas de amigáveis e fraternais ideias que optei por partilhar com
Cristóvão de Aguiar nestas públicas páginas de jornal... Porém assim, creio eu,
ficamos agora mais entendidos quanto a este caso passageiro, evidentemente na
mútua estima e em idêntico reconhecimento das verdades ditas e justamente
consentidas, e sem qualquer ressentimento
pessoal, como não podia deixar de ser, com toda a franqueza e frontalidade, entre nós.
___________
___________
Publicado em "Diário Insular"
(Angra do Heroísmo, 13.06.2012),
"Diário dos Açores"
(Ponta Delgada, 14.06.2012),
e Azores Digital: http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2235&tipo=col
·
A PROPÓSITO DE ESCRITOS SOBRE CAETANO TOMÁS
Uma questão de estilo
O Dr. Ferraz da Rosa escreveu dois artigos para o DI de hoje, Sábado, 9
de Junho. Um deles é mais um ensaio de alto coturno (muito palavroso, ou,
melhor, inçado de palavreado de alto quilate) em que se espraia em sabedoria e
exegese sobre um mar imenso de problemas que um leitor comum não pode entender.
E bem bom que assim tivesse sido, porquanto esse presumível leitor nem
conseguiria adivinhar que estava perante um escrito que, com certeza,
abandonou, bocejando, às primeiras linhas, escrito esse que se pressupõe ser de
defesa do indigno sacerdote Caetano Tomás e de ataque ao Dr. Luiz Fagundes
Duarte, cujo artigo publicado no Domingo passado é arrepiantemente lúcido e no
qual se debruça sobre as atoardas psicológicas de um sacerdote que ainda vive
debaixo da asa do Concílio de Trento ou da Santa Inquisição.
O outro artigo do Dr. Ferraz da Rosa, publicado na última página, já se
pode considerar um bom texto jornalístico, muito interessante e entendível por
qualquer leitor atento. Escrever prolixa e obscuramente pouco custa. Fazê-lo,
porém, com simplicidade, clareza e sem alardes de erudição (a cultura será
outra coisa bem diferente), dá muito mais trabalho e requer mais tempo. Alguém,
após proferir um longo discurso, terminou a sua leitura, pedindo desculpa e
adiantou que não tivera tempo de o fazer mais curto...
Foi pena que o Dr. Ferraz da Rosa, intelectual de primeira água que
admiro, não tivesse tido tempo para escrever o seu "ensaio" mais
curto, numa linguagem mais viva e menos recamada de lantejoulas, tal qual um
fato luces de toureiro...
Num periódico fica tão mal como um veraneante vestido de fato preto e
gravata em plena praia. Num livro de ensaios, e após alguma poda, ficaria
melhor, dir-se-ia no lugar certo. A linguagem escrita tem de se adequar à
situação. Antigamente, e não sei se hoje em dia, certos fiéis gostavam tanto
mais das homilias ou dos sermões quanto menos os compreendiam. "Percebeste
alguma coisa?" "Não, não percebi, mas o senhor padre falou tão bem,
até Latim... Consolou a ouvir..."