As Tendas da “Silly Season”
“Silly Season” é uma expressão
anglo-saxónica muito usada, corrente e já globalmente tradicional para
identificar a época de Verão e os respectivos tempos e ritmos calmosos, mais ou menos supostamente letárgicos e
modorrentos, de pasmaceira ou torpor, como se a existência activa, as
sensibilidades e as consciências ficassem então possuídas de uma espécie de sonolência lenta ou abúlica que fizesse perder a
noção das realidades e dos problemas do quotidiano…
E tudo isto, paradigmaticamente,
sob a torreira do sol, as ondulações do mar, as mornas envolvências da areia
das praias, a abençoada frescura das árvores, a pacífica e pacificante sombra
das pazes campestres, ou a trepidante e frenética dança de cinturas e cabeças que longos dias e cálidas noites –
entre refrescos e alguns cocktails
(em salgalhada de mau gosto partidário amiúde inseridos em pepineira fanática
nas redes sociais, com músicas vivaças ou cantigas ao luar e à mistura…) – vão
fazer abanar e talvez cair a alguns,
por entre sorrisos de conquista, assédio, pequenas e grandes tentações ou
fantasias para todos os gostos, e muitas tendinhas e grandes barracas em velhos
e novos acampamentos de interesse!
– Todavia, nesta altura em que
todos procuram usufruir de um retemperante descanso estival ou gozar das
chamadas “férias grandes”, aquela denominação (à letra: estação tonta ou imbecil…)
continua a ser especialmente usada na gíria
política e jornalística para significar a quadra do ano em que nada de importante e decisivo se mostra ou aparenta (não) acontecer na vida
social e institucional, enquanto a chamada “classe política” vai a banhos ou a outras vilegiaturas de tipo turístico e desopilante, após um ano de pesados (mas não necessariamente forçados) trabalhos e ciclópicas canseiras executivas, parlamentares,
tribunícias, autárquicas, etc.
Ora, como é sabido, essa e esta,
a nossa, também cosmopolitamente assumida estação
ocorre num ritual intocável e impoluto, aonde corpos e almas vão buscar urgente alento (e, às vezes, bem
necessária e real inspiração) para
aquele outro ciclo da vida pessoal,
ou das (suas) carreiras políticas, que dá pelo outonal e suave nome francês de
“rentrée”…
– E não há mesmo partido que se
preze que não tenha até já planeado o seu palco de animações, ou um parque de
diversão, para tão fatalmente previsto, grandioso e mobilizador desfile de actores institucionais e de exímios protagonistas da política-espectáculo que temos, enquanto
o País arde e desespera com maus agoiros e ventos cruzados de todos os
quadrantes, como naquela parábola do incêndio na Cidade, ao lado da autista
tenda do grande Circo (como o filósofo Kierkegaard lúcida e previdentemente
contava).
E todavia, a par de idênticos alheamentos nossos
contemporâneos, cá temos o mesmo Povo, cada vez com menos Pão mas batendo palmas entre alienações e festarolas
de Verão, já nas vésperas das pateadas e da fuga às responsabilidades, quando
as contas forem tiradas a limpo, depois de tanta incauta e irresponsável brincadeira com o fogo durante sucessivas,
acumuladas e arriscadas silly seasons,
– bem armadas todas à tradicional moda portuguesa, desde Belém ao Caldeirão do
Corvo, passando ali pelas sedes partidárias à portinhola de cujas barracas as
primeiras cabecinhas a despontar não auguram nada de promissor…
– E assim parece que iremos de
imaturidade em casmurrice crescentes até aos derradeiros desplantes e à derrota
final, coisa aliás bem adequada ao espírito da presente quadra, e da outra que,
daqui a um ano, promete trazer do mesmo ou pior, perante a cobarde claudicação dos
créditos de quem deveria, sem miopia partidária ou estupidez política, ver
muito mais e melhor para cada uma das nossas ilhas e para a Região no seu todo!
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Publicado em:
Azores
Digital:
RTP-Açores:
“Diário dos Açores” (Ponta
Delgada, 29.07.2012):
Networked Blogs:
e “Diário Insular” (Angra do
Heroísmo, 28.07.2012):