O Canudo de Relvas
Não há dúvida que um dos casos
que maiores atenções chamaram à opinião pública nacional nos últimos dias –
desde aquilo que foi veiculado pelos OCS e pelas redes sociais, até ao muito
mais que espontânea e indignadamente tem sido dito e ouvido por tudo o que é
sítio de voz popular, entre registos de indignação, repulsa ou as mais ridicularizantes
e anedóticas narrativas… –, foi o da já famosa graduação universitária atribuída a Miguel Relvas, ministro-adjunto, dos assuntos parlamentares e da condicente
e reiterada confiança do nosso primeiro oficiante executivo e
político-partidário, Passos Coelho!
O acontecimento não é para menos,
porquanto, quase a modos de uma pasmosa categoria
escolar concedida de mão beijada à dita personagem de relevo na nossa queirosiana
nação, e quase por analogia abstrusa
com outra estrambólica, mas menor e inexistente figura de Licenciatura Honoris Causa… – conquanto apenas aqui
(e bem bom…) apenas com uns 11 valorzinhos por reconhecimento de saberes e práticas “políticas” e
“técnicas” (sic), imagine-se… –, lá foi finalmente publicitado agora que a prestimosa
Universidade Lusófona (UL) lhe concedera, em 2007, catando e cinzelando bem, sabe-se lá com que lentes e becas científicas de aumento, alguma pedras e pepitas naquele
capim de prestações empiricamente atestadas, entre outras brutas matérias-primas
que legal e soberanamente se entendeu
depois reconverter, quase alquimicamente e a requerimento, em outros tantos créditos incrustáveis num expedito canudinho de equivalências
bolonhesas, fitas da respectiva praxe e decorrente diploma de licenciatura,
para que esse prestigiante tirocínio (certamente em muito logo credibilizante
para a própria UL…) pudesse emoldurar e ser exibido exibir no pano de parede
dos gabinetes e folhas de serviço à Pátria e à Sabedoria, e no assim mais
consentâneo currículo da tão reconhecida carreira pessoal, política e universitária
daquele dito estudante e estudioso Relvas!
– Sem adiantar muito mais ao que
nesta coluna já escrevi sobre o dito super-político do PSD (cujos talentos e
verve os Açores já conheciam dantes e noutros campos e domínios…), somente hoje
mais me ocorreu que o lema da mesma UL que o licenciou, a par do propagandeado marketing das suas várias e
indiscutíveis excelências de oferta e procura docente e discente no mercado do
Ensino Superior privado em Portugal, é “Humani nihil alienum”, curiosamente o
mesmo ex-líbris que é usado, desde
1955 – e talvez aí mais adequadamente por via directa do ilustre Terêncio… – em
idêntico lema de uma Escola Secundária presbiteriana em Trinidad e Tobago (o Hillview College),
estabelecimento de ensino desse país que fica lá para as bandas das
Caraíbas, onde também e ainda há muitos piratas, reais e ficcionais corsários a
navegar, pestífera e impunemente, à vista grossa ou com a conivência de alguns navios-almirante
sem pavilhão de honra, firmes mãos ao leme do conselho da nau capitã, bússola bem
regulada e limpos óculos para abertura nas linhas do horizonte…
Porém, o caso de Relvas não será
propriamente inédito no que respeita a cursos
académicos e recursos políticos
superiores em Portugal, pelo que se compreende muito bem alguns dos inseguros
passos, silêncios, desforras ou embaraços presentes, especialmente por parte de
quem antes mandou muito pó ao vento, encobriu as mazelas indignas dos seus ex-líderes
e queridos chefes de fila, ou atirou pedras aos telhados de vidro fosco de vizinhos
e companheiros! E desses, infelizmente, estão todos os partidos bem recheados…
– Todavia, o mal, evidentemente,
é muito mais profundo (como há dias José Adelino Maltez, sem subterfúgios,
apontou incisivamente e com justeza num programa-debate da SIC), estando o
mesmo na raiz de todo um instalado
sistema de favorecimento de mediocridades e incompetências, jogo de
interesses e mercadejar de influências a todos os níveis das nossas
referenciais mas decadentes ou já tetra-mundistas instituições e corporações, e
assim também nas Universidades e na vida Política, aonde o poder do Dinheiro e
os capitais simbólicos e financeiros do Poder, entre nós e desde há muito,
demasiado tempo – embora com honrosas excepções – corromperam a única nobreza e
a autonomia teórica e ética do Pensamento, do Saber, da Ciência, do Mérito e
das próprias consciências pessoais e colectivas de grande parte dos Portugueses
e das suas supostas ou impostas “elites”…
Numa altura em que o nosso Povo, injustiçada
e angustiosamente, pena os olhos da cara e sofre aflições de morte para ganhar e pagar o pão de cada dia,
arranjar emprego e ir sustentando a saúde do corpo e do espírito; quando tantas
famílias e tantos verdadeiros estudantes trabalharam anos e anos a fio para
conseguirem as suas habilitações, enquanto outros, em todos os escalões do
Ensino, ainda permanecem hoje sem dinheiro suficiente para cantinas, transportes,
propinas e livros; e – enfim – quando tantos e tantos trabalhadores
qualificados, técnicos geniais e inteligências brilhantes tem de emigrar, ficam
para trás ou à margem daquilo a que deveriam ter direito e justo e merecido acesso
por mérito próprio, – jogadas sorrateiras ou descaradas, mesmo que cobertas por leis (iníquas e
retrógradas!), como algumas das que vamos cada vez mais presenciando em
Portugal – e de entre as quais a de certos pobres diabos políticos nem sequer
mereceriam o custo uma palavra de reprovação ou repugnância formal –, atingem
as raias do escândalo e são um ultraje científico, jurídico, político, cívico e
moral ao País inteiro!
– Oxalá que, a somar a todas as outras congéneres fraudes, às quais
directa ou indirectamente se assemelham, também mais esta cínica e abusiva desfaçatez
político-académica não deixe de ficar, na altura certa, sem a merecida resposta
correctiva, coisa da qual se duvida, tão baixo o nível a que gente sem
escrúpulos atirou a credibilidade da Pátria e da Lei!
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Publicado em:
- "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 07.07.2012). Versão reduzida.
- "Diário dos Açores (Ponta Delgada, 08.07.2012):
- Azores Digital:http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2246&tipo=col